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Floriano Martins
<florianomartins@rapix.com.br>
Escritura Conquistada (Diálogos com poetas
latino-americanos) (entrevistas). Letra &
Música. Fortaleza, CE. 1998. 408 pgs.
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Um
continentes de poetas
Wilson Martins
Julgado, em 94, por um poeta (Marcus
Accioly) e dois cantores de música popular (Milton Nascimento
e Paulinho da Viola), o prêmio Nestlê de poesia revelou o nome
de Aníbal Beça dentre 7.038 concorrentes. "Livros de todo o
país", escreve Marcus Accioly, "em caixas e caixas, foram
lidos e analisados durante meses, até uma possível certeza,
uma convicção. O trabalho foi compensado pela alegria do
resultado, único e unânime: Suíte para os habitantes da
noite."
Em outras palavras, nesses concursos os vencedores são
escolhidos por exclusão, diminuindo progressivamente, na
proporção das leituras, as exigências dos julgadores. É
fenômeno elementar de psicologia, sem falar no tédio e no
cansaço. Os poemas premiados, agora incluídos em volume
("Banda de asa". Rio: Sete Letras, 1998), buscavam sugestões
ou assimilações gratuitas no vocabulário musical, aplicado de
maneira arbitrária e, muitas vezes, com intenções
humorísticas: "Chorinho para bandolim, cavaquinho, flautas e
violões", ou "Carimbó para gambás, tambor de onça e
clarineta", e assim por diante.
Um comentarista dessa poesia afirma que, "em cada verso, em
cada imagem, encontra-se uma intensa catexia objetal", do que
não duvido, embora prefira os poemas inspirados pela cidade de
Manaus. O tropismo surrealista de Aníbal Beça estimula os
impulsos analíticos da crítica. O "Poema cíclico", por
exemplo, "trava a batalha com o clássico e o moderno", em
versos destacados por Paulo Graça: "dos meus olhos saltam/
dois pássaros ariscos/ prontos a deflorar begônias/ em
setembro". Ou ainda: "A trave dos meus olhos é pólen de
crisântemos: farpas cronológicas". Esse surrealismo tardio,
que poderíamos imaginar perempto, ainda é praticado em capelas
iniciáticas através do continente, sem excluir o Brasil, cujo
grupo surrealista foi organizado e é mantido por Sérgio Lima
(Escritura conquistada. Diálogos com poetas
latino-americanos. Floriano Martins. Fortaleza/Rio/Mogi
das Cruzes: Letra & Música Comunicação/ Biblioteca
Nacional/ Universidade de Mogi das Cruzes, 1998).
Entre os "latino-americanos", Floriano Martins incluiu
vários brasileiros, como Ivan Junqueira e Donizete Galvão, mas
a verdade, nas palavras de Sérgio Lima, é que o modelo na
América Latina "é insular e não continental, pois trata-se de
‘ilhas culturais’", o que se confirma de forma por assim dizer
física e demográfica nas observações do cubano José Kozer, ele
próprio judeu de origem ashkenazi, filho de polaco ateu e
comunista e filho de uma checa burguesa e de pais judeus
ortodoxos: "em Cuba, nunca vi um porto-riquenho ou um
dominicano; nunca vi um mexicano ou um equatoriano; nunca vi
um uruguaio ou um argentino. Em Nova York, tenho visto até
paraguaios (...)".
O advérbio demonstra que a "verdadeira" América Latina
situa-se nas duas costas dos EUA… De fato, trata-se de um mito
mental e de uma utopia do intelecto, para nada dizer, claro
está, dos subentendidos políticos: não são as línguas que
separam, não havendo nenhuma identificação orgânica nos países
hispânicos entre si, mas a psicologia e a história, além dos
variados ressentimentos que se foram acumulando ao longo dos
séculos: "É curioso que este continente de países tão
diferentes leve um nome como se fosse um só país", escreve
Cabrera Infante em páginas de Mea Cuba que valem a pena
reler.
Nesse contexto, é possível que a propensão surrealista,
respondendo à sua natureza profunda, seja uma técnica
subconsciente de superar a realidade pelo imaginário e de
compensar o sentimento de inferioridade pelo desafio do hoje
desmonetizado "realismo mágico", mais mágico do que realista.
Para o que nos interessa, as entrevistas realmente importantes
são as dos brasileiros e respectivas visões pessoais a
respeito das nossas letras. Assim, o depoimento de Ivan
Junqueira, desmistificando alguns tabus e idéias-feitas com
que se alimentam os espíritos simples.
Nossa cultura, diz ele, é européia, como, aliás, a de toda
a América Latina: as raízes são portuguesas, espanhola,
francesas, alemãs, inglesas, e não africanas ou indígenas. Não
menos vigorosas são as suas apreciações sobre Oswald de
Andrade e o concretismo (mais a invenção de Oswald de Andrade
pelos concretistas e derivados), na linha da revisão de
valores sintetizada pelo argentino Leónidas Lamborghini:
"devemos desmitificar também no que se refere ao fazer
poético", ao que o venezuelano Juan Calzadilla retruca, sem
saber, com uma dessas verdades elementares que muitos preferem
ignorar: "Segundo Montale, não há contribuição importante em
poetas que não provenha da prosa. Sem prosa não haveria boa
poesia moderna, e menos ainda entre nós, na América Latina,
onde se adotou, e espero que definitivamente, o verso livre, e
onde são cada vez mais deploráveis os ensaios de restauração
da rima e da métrica tradicionais. A vantagem da prosa é que
com ela se pode pensar, presta-se como instrumento a serviço
do qual a intuição e a reflexão na produção de pensamentos
seguem juntas, porém separadas. Na poesia, em troca, a
intuição contém ou afoga o impulso reflexivo ou o torna
desnecessário, uma vez que se recusa a qualquer explicação".
Aníbal Beça, de seu lado, propõe a teoria poética no plano
das efusões líricas: "Que ela seja clássica moderna
contemporânea de vanguarda comportada marginal lírica épica
que ela seja nada e tudo e nada: varal chuva casa alicerce
arcabouço não importa e nem defini-la comporta-se o que
reporta é a fatura do e para o homem assim como a porta da rua
é a serventia do poema".
Claro, em termos de reflexão crítica isso não significa
nada, confundindo na mesma equivalência a forma e a
substância, problema levantado por Floriano Martins na
entrevista com Juan Calzadilla, vanguardista, ao que parece,
acima de qualquer suspeita. Mas, na medida mesmo em que é
hermético, metafórico ou arbitrário, o surrealismo é uma
poética de conteúdo, ou seja, exatamente o oposto do que se
convencionou entender como arte moderna.
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Escritura Conquistada
Foed
Castro Chamma
O
fogo da palavra envolve com a imagem a
linguagem poética. A memória retém a fulguração do deus que a
contamina, devolvendo de suas entranhas a Musa, que os poetas
comemoram em renovados ciclos de invenção, preservando a
descoberta do eu em cada Signo, com a luminosidade que
a consciência transforma em poema ou canção. O entrelaçamento
com o real originário da negação determina o condicionante da
representação que se desenrola de maneira a configurar a
realidade, no interior da qual amplia-se o quadro
fenomenológico do ser e seus vínculos com o real, cuja
dialética o logos recolhe ao código lingüístico.
No diálogo com o nicaragüense Pablo Antonio Cuadra, que
abre a série de entrevistas com poetas ibero-americanos
reunidas em Escritura Conquistada pelo também poeta
Floriano Martins, observa-se esse enigma da criação nos dois
poemas intitulados "O barco negro" e " Ancestrais". O sonho e
a realidade se completam na memória do poeta. A
dessacralização do eu abre rumo ao moderno no sentido
dado à fealdade e ao brilho enquanto identidade que, ao
construir a História, esvazia o Mito. Tal como o venezuelano
Juan Liscano, penso que a "poesia não é fuga e sim meio" de se
chegar ao eu através da Semelhança. Há uma lição nas
entrevistas de Escritura Conquistada de alto teor
didático para uso obrigatório nos cursos de Letras. "O poeta é
fruto de si mesmo." Todavia, ao negar a liberação interna por
meio da obra de arte o entrevistado diria que a liberação
interna induz ao saber. A experiência é uma prática do saber e
objeto primordial da poesia como devia admitir Lautréamont ao
afirmar que todos somos poetas. A assertiva de Juan Liscano de
que se une ao Surrealismo através do arquétipo femina é
confirmar o mergulho na origem do ser, de onde emerge como
imagem, signo e imaginação.
Do mesmo modo, no diálogo com o Absoluto, entre "signos
cabalísticos", o chileno Enrique Gómez-Correa "desbrava o
reino do imaginário", reino da Mandrágora. A liberdade
de criar está em aderir à imaginação, pois nesse primeiro
estágio crítico da razão o poeta inaugura o duplo como
metáfora, esvaziando assim o reduto do mito, no qual reina o
eu e o poder originário de uma arte mágica que o
Surrealismo resgata.
Fernando Charry Lara, da Colômbia, ao referir-se à essência
das coisas deixa explícita a Voz, que o poeta transforma em
som e ritmo e recolhe ao passar da fala à linguagem. Do mesmo
modo que o peruano Javier Sologuren, penso que o signo é a
alça que dá expressão ao sentido, atendendo a imagem à
linguagem poética em sua mira de essências. A concepção do
homem em harmonia consigo mesmo associado à expansão da
consciência resume pois a criatividade. Para o chileno Rolando
Toro a ética de Sócrates nivela-se à concepção solidária de
Jesus no sentido universal do ser. A conversão da dor, da
morte, da ausência e do esquecimento é o âmago da Beleza como
fulguração do eu, que o poeta revela à "sociedade
secreta" dos poetas. Penso nas palavras unicamente como "via
de acesso à realidade", onde se completa a fusão arquetípica
com a memória. A viagem pela imaginação e o sonho é produtora
do tempo resgatado pela memória. O império da imaginação é o
da arte mágica, desafiadora do logos no sentido de ascensão
prometêica do eu ao real. Ouço ainda Rolando Toro
dizer: "Estranho o pântano que nos engendra. / Para podermos
ser nós mesmos / devemos deixar de ser".
As raízes poéticas da linguagem pertencem, imagino, à ordem
secreta da imaginação que não se mescla à ratio sem
provocar atrito. A poesia é um culto e o poeta o oficiante. A
roda que perlustra o sonho devolve o passado ao futuro. Como
conjuro a poesia revolve a roda que lustra o sonho. O
terror "como objeto magnífico" fundamenta a Beleza e a
Verdade. Sem os "capuzes", a poesia é invenção. "Sílaba
incandescente do desejo", do chileno Ludwig Zeller, é um
"redemoinho de angústia" diante das "serpentes de areia", para
as pupilas no deserto; são Hieróglifos, quartzos da noite,
ramos escuros "que em nós se fecham para sempre". Ao correr "a
água por um mesmo espelho", repetimos os "enigmas" de Ludwig
Zeller.
O Surrealismo ibero-americano desde o início do século está
à frente do formalismo hegemônico voltado para o social. A
poesia deve ser escrita com sangue, como queria Nietzsche,
para se aprender que "sangue é espírito", aprender a
transformar as serpentes da cabeça de Medusa em Beleza. O
venezuelano Juan Calzadilla sabe que o "curso abissal do
poeta" é a "espessura de leituras".
A noção de fazer poesia com palavras implica adesão ao
Signo como ferramenta da imagem e realidade virtual do poema.
Uma previsão arcaica do avanço da técnica na sociedade do
espetáculo. "Estilhaços da linguagem são a memória e o sonho",
diz Pedro Lastra, do Chile; daí a estranheza com que anuncia o
mundo como de cunho fantástico. Os versos em "Pontes
movediças" assinalam o transitório como fator fantasmático da
Presença. Sigo completando o que diz o venezuelano Alfredo
Silva Estrada, que todo poema é canto na medida em que a Voz
se incorpora à palavra. O poema é a Morada do homem, sugere
Hölderlin, é negação e fundação do que o poeta inventa. Toda
experiência é reinvenção das "vozes subterrâneas" que emergem.
Não acredito no "declínio geral desta época", como queria
Borges, desde que o reencontro do eu é ainda a grande
meta frente ao alto desenvolvimento da técnica, onde ciência e
poesia assumem análoga realidade virtual. Assim pensa também o
mexicano Gerardo Deniz. "A sombra é a única muralha", diz
Eugenio Montejo, da Venezuela, completando o duplo que é a
vulnerabilidade trágica do ser.
O dever mágico nos poetas, indagação formulada por Floriano
Martins a Sérgio Lima, está em transformar a imagem no
imaginário como fundação do ser, acepção inclusive de
Bachelard e de Blake. "A arte é meio de expandir a
consciência", afirma Marcel Duchamp. A imagem é a essência da
poesia. Sérgio Lima é um grito na opacidade de uma retórica
afastada das fontes verdadeiras da Poesia. O cubano José Kozer
constrói uma linguagem pinçando as origens no país que emerge
do Bezouro e coça a barba diante da harpa de Davi. A
ancestralidade é o arquétipo de José Kozer. O hermetismo da
Cabala organiza sua poética compulsiva. Inegável também o
talento do brasileiro Sérgio Campos. Belos poemas que
justificam o "esquecido assombro de estarmos vivos" e nos
reserva o campo de liberdade da poesia que emerge na palavra e
o boliviano Eduardo Mitre converte em linguagem, transformando
o mistério do eu em mirabilia e estratégia da
fala que se perde na Semelhança.
É diabolicamente importante este livro que traz como título
a confirmação de Escritura Conquistada. Ich
Ruhmer. É como o Sol, o tempo da Razão
ardente, epígrafe extraída de um poema de Apollinaire para
ilustrar a poesia do boliviano Eduardo Mitre, que recobre em
toda sua extensão o esforço bem sucedido de Floriano
Martins. |
Un
libro que une y escudriña
Carlos
Germán Belli
La geografía por
suerte nos ha puesto codo con codo, sin embargo los
hispanoamericanos y brasileños constituyen unos vecinos algo
distantes. De por medio está la fatalidad babélica de los
idiomas que hablamos que, si bien son de origen romántico, al
fin y al cabo resultan desemejantes. Pero a veces hay
esfuerzos para acercarnos y curiosamente es en campo de la
poesía, como lo prueba el libro Escritura Conquistada
(Diálogos con poetas latinoamericanos), cuyo autor es el
escritor brasileño Floriano Martins, quein ha dado en clavo en
algo que muchos de estos vecinos distantes anhelan, como es el
aproximarse.
Martins dialoga con una veintena de creadores
hispanoamericanos y cuatro brasileños; y todo el trabajo es
exclusivamente de él: las palabras preliminares, las
entrevistas e las traducciones de textos representativos. A la
luz de ello, hay que recordar aquí un antecedente que justo se
produce en Lima, como fue el programa editorial de la embajada
brasileña, cuando puntualmente salen a luz cincuenta títulos
entre 1978 e 1989, en particular unos impecables florilegios
de poetass brasileños de todos los tiempos, en traducción a
cargo de autores peruanos.
Este tipo de aproximación es hoy individual y motivada
únicamente por Martins, quien radica en la ciudad de Fortaleza
donde ha convertido su torre de marfil en una torre de
comunicaciones incesantes, estableciendo así un especial
diálogo con sus pares hispanoamericanos. Además, posee una
biblioteca de 1.500 volúmenes, un archivo de 3.000 recortes y
un archivo fotográfico, todo relacionado con el parnaso
hispanoamericano. Y, más aun, desde hace tiempo está empeñado
en compilar y traducir una exhaustiva antología, que será un
preciso complemento de este libro de entrevistas.
Los libros son cosas inanimadas, aunque en este caso por el
fervor del autor asume de cabo a cabo las particularidades de
los seres animados y en consecuencia,Escritura conquistada se
convierte en un libro que une y escudriña. En efecto, tiende a
acortar las distancias entre los vecinos ante todo que los
poetas del universo literario iberoamericana se acerquen entre
sí; y asimia, es un volumen que va al grano cuando escudriña
el quehacer de cada entrevistado, al preguntarle el tenaz
entrevistador cómo es tocado por la poesía y por qué
escribe.
El desconocimiento mutuo no sólo es privativo de brasileños
e hispanoamericanos, sino que se extiende al resto de América
Latina; e, igualmente, la oscuridad constituye una constante
en las artes del siglo XX, e por ello qué pertinentes son las
interrogaciones de Martins. Naturalmente, hay que ser
generosisimo y muy perspicaz, como él, para aborsar lo
inalcansable y lo
inescrutable. |
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