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Floriano Martins

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Surrealismo

Crédito da foto: André Nunes (Brasil, 2004)

 

Surrealismo & Brasil

Floriano Martins

Em agosto de 2001, escreveu o jornalista Sérgio Augusto que “dois dos mais notórios apóstolos do surrealismo no Brasil, Ismael Nery e Murilo Mendes, não só acreditavam em Deus como iam à missa aos domingos – onde vez por outra comungavam ao lado de um e outro comunista, pois não há limites para o absurdo neste país irremediavelmente surreal”. Lembrava ainda Sérgio Augusto que, “de qualquer modo, nosso maior pensador católico, Alceu Amoroso Lima, nem esperou a tinta do primeiro manifesto de Breton secar direito para excomungá-lo”.[1]

Temos aqui uma ambientação da complexidade que seria a presença do Surrealismo em terras brasileiras. Não são raros os momentos em que Surrealismo e catolicismo protagonizaram alguma polêmica em nossa cultura. Quando em 1934 Flávio de Carvalho teve tanto uma exposição quanto a montagem de uma peça interditadas pela polícia, declarou, como recorda Rui Moreira Leite, que “católicos tradicionalistas teriam sido os responsáveis pela intervenção da Delegacia de Costumes, tanto no Teatro da Experiência quanto na exposição à rua Barão de Itapetininga”.[2] E o crítico Carlos Lima chega a afirmar que “em Ismael Nery, Jorge de Lima e Murilo Mendes vemos a influência surrealista se dissolver em um catolicismo radical, que pretendia restaurar a poesia em Cristo”, concluindo enfaticamente que “todos três são grandes artistas, mas não têm nada a ver com o surrealismo!”.[3]

Não resta dúvida quanto ao fato de que vivemos em um país católico, mesmo considerando as oscilações desse catolicismo nos dias de hoje. Contudo, isto não quer dizer que não tenha se verificado, entre nós, a presença do Surrealismo. Significa apenas que seus obstáculos foram de natureza distinta daqueles encontrados em outros países, o que resulta em uma aclimatação igualmente distinta. Basta pensar no quanto o Surrealismo era repudiado por Alceu Amoroso Lima e na conseqüente maneira como esse repúdio interferiu na formação de nossa cultura. Acrescente-se a isto que o Modernismo no Brasil era pautado por duas ações estratégicas peculiares, o seqüestro da realidade cultural em Mário de Andrade e a antropofagia de Oswald de Andrade. Ambos ficaram a dever em honestidade intelectual no sentido de fazer referências às fontes onde foram tecer suas bandeiras essenciais. A escrava que não era Isaura, de Mário de Andrade, traça um percurso de identificações com as preocupações essenciais do Surrealismo e, no entanto, como bem recorda Carlos Lima, não há ali “nenhuma palavra sobre Breton que, no mesmo ano em Paris, publicava o primeiro manifesto do surrealismo e fazia de Rimbaud o ponto de partida de uma nova poética que juntava poesia e utopia”. E logo complementa Carlos Lima que “ele, Mário, tinha chegado às mesmas descobertas, àquilo que ele chamou de ‘polifonia poética’”.

Breton e Mário de Andrade tinham pensamentos opostos acerca da analogia, por exemplo. O que em um era pleno exercício de liberdade, no outro não passava de mera substituição da "coisa vista pela imagem evocada", constituindo-se assim, a analogia, segundo Mário, em "um dos maiores perigos da poesia modernista". Ele, Mário, manifestou-se acerca da beleza apenas compreendendo a distinção existente entre o "belo artístico" e a "beleza da natureza", jamais percebendo a condição convulsiva que lhe indicara Breton. Havia, no geral, um certo acanhamento em nossa ruptura, em nossa transgressão.

Evidente que não se encontra aí o impedimento único para um diálogo mais franco entre surrealismo e a elite cultural no Brasil. Vencida uma primeira etapa, os anos iniciais do Modernismo, vemos aos poucos se desvanecerem aqueles princípios cosmopolitas e internacionalistas que de alguma maneira norteavam a aventura modernista. A rigor o ponto central desse desvanecimento seria a implantação de uma ideologia nacionalista. Como recorda Wilson Martins, “a consciência nacionalista foi a atmosfera em que se envolviam todos os espíritos, a partir de 1916: é para o nacionalismo que enveredará o Modernismo logo depois da Semana de Arte Moderna, passado o seu instante cosmopolita”.[4] Do nacionalismo exacerbado, por exemplo, do grupo Anta, ao regionalismo, que era um retorno à literatura realista, não houve propriamente um salto, mas antes uma profunda identificação. O que poderia ser visto como uma trajetória estética, fica melhor entendido quando atentamos para as palavras de Valentin Facioli, ao situar que “a intersecção da política nacionalista do Estado, com a força difusa, mas presente em quase todos os níveis da vida cultural letrada, do positivismo, mais o peso extraordinário da Igreja Católica conservadora e mais a simpatia do Partido Comunista, operou uma mudança significativa de rumos na arte moderna no Brasil a partir de 1930”.[5] Considerando todos estes aspectos, cabe ainda acrescentar que os vínculos estéticos estabelecidos pelo Modernismo no Brasil foram muito mais fortes em relação ao Futurismo e ao Cubismo, do que propriamente em relação ao Surrealismo. Este foi penetrando em nossa cultura de forma indireta, tendo como pontos de costura tanto as afirmações de Flávio de Carvalho, Jorge de Lima, Aníbal Machado, como as simpatias de Pagu e Murilo Mendes e posteriormente a participação mais entranhável de Maria Martins. Talvez se nos concentrássemos mais nesses nomes encontraríamos um melhor ponto de defesa não exatamente de uma influência do Surrealismo em nossa cultura, mas antes – e este é um aspecto mais substantivo, me parece – de um diálogo entre partes, pois, como salienta Valentin Facioli, “o surrealismo nos enriqueceu e nós o enriquecemos”. De outra maneira estaríamos aqui apenas tratando de um predomínio, o que não interessa nem ao Surrealismo nem à cultura em seu aspecto geral.

De qualquer forma, é preciso ter em conta a observação de Belén Castro Morales, no sentido de que, se “o surrealismo contribuiu para o encontro do artista americano com os estratos profundos dele próprio, este viu muitas vezes que não necessitava filiar-se a um movimento forâneo quando podia desenvolver com amplitude e complexidade uma leitura pessoal de seu entorno”.[6] É bastante razoável o que nos diz a ensaísta espanhola, sobretudo se pensarmos em casos como os do chileno Humberto Díaz-Casanueva (1907-1992), do venezuelano Vicente Gerbasi (1913-1992) ou do colombiano Jorge Gaitán Duran (1924-1962), que souberam reconhecer acentuada influência do Surrealismo em sua poética sem no entanto vincularem-se formalmente ao mesmo. Naturalmente esta é uma posição destoante de uma recusa preconceituosa ao Surrealismo ou, o que é ainda pior, o comportamento discricionário amparado em chamar para si uma ventura que não lhe é de todo própria.

Caso distinto de Mário de Andrade foi o de Oswald. Este propiciou inúmeras polêmicas, quase que por compulsão. A busca das "fontes puras do primitivismo", ele entendia como possibilidade única de despir a arte de "convencionalismos e sofisticações". Tento entender a idéia de convencional, mas penso a que tipo de sofisticação nos teria levado o Futurismo tão cultuado por ele. Claro que agia provocativamente ao dizer dos poetas que o sucederam: "são todos superiores a mim". E a própria escritura paródica que perseguia na poesia implicava ao menos em uma busca de sofisticação estilística. Curioso é observar que, nos anos 50, despertavam a atenção de Oswald novos poetas como Thiago de Mello e Geir Campos – o mesmo Oswald que considerava Ledo Ivo "um caso típico do soldado do Exército do Pará".

Talvez caiba dizer que a grande obra do Futurismo são os manifestos. Marcel Duchamp foi quem mencionou que o Futurismo era "um impressionismo do mundo mecânico", ou seja, aquela coisa da retina funcionar como "uma inesgotável fonte de prazer" que, no dizer de Max Ernst, caracterizava o Impressionismo, vale para o Futurismo, desde que pensemos que os futuristas tinham olhos apenas para um mundo mecânico ("Escutar os motores e reproduzir seus discursos"). Agora, também Mário de Andrade foi um notável autor de manifestos. Indagaríamos então: tanto em um caso como no outro, quanto se adotou pra valer, em matéria de fazer coincidir com a ação o discurso dos manifestos?

A propósito de provocações, menciono aqui uma afirmação de Claudio Willer de que “hoje, deve-se deslocar o foco da militância por vezes episódica para uma configuração de obras pautadas pela riqueza imagética e pelo exercício da liberdade de imaginação, cuja recepção é prejudicada pelo filtro de uma espécie de cartesianismo poético brasileiro”.[7] Dei propositalmente um salto no tempo, apenas para compreendermos que, se considerados os obstáculos referidos ao início, a militância não foi tão episódica. Havia um paralelismo de ações – sobretudo no que diz respeito às artes plásticas e à ambientação da psicanálise e sua relação com a criação artística envolvendo crianças e loucos –, que não estampava uma cumplicidade explícita com o Surrealismo, mas que era claramente uma decorrência do mesmo. Exemplo disto é possível encontrar na publicação de um livro como A expressão artística dos alienados, em 1929, de Osório César, ou ainda no vínculo, distinto entre si, que tiveram com essa nova atividade artistas como Tarsila do Amaral e Lasar Segall.

Há inúmeros aspectos a serem verificados quando se está a desenhar um mapa das atividades afins ao surrealismo na cultura brasileira. Valentin Facioli salienta que “o surrealismo foi percebido logo em 1924 por um grupo que se reuniu no Rio de Janeiro em torno da revista Estética, que publicou apenas três números e desapareceu em 1925. Os dois jovens editores, Prudente de Moraes, neto, e Sérgio Buarque [de Hollanda], defenderam o surrealismo e polemizaram contra seus detratores, que já apareceram quase instantaneamente, entre eles o crítico católico Tristão de Athayde”.[8] Também Sérgio Lima faz menção “à aparição polêmica da revista Estética em 1924 e a publicação na mesma do manifesto pelos ‘direitos do sonho’, de Sérgio Buarque de Hollanda”. Trata-se de uma afirmação quando menos curiosa, pois revendo os três números de Estética não é possível localizar o citado manifesto. Graça Aranha faz menção ao fato de que “não há cultura coletiva no Brasil”, e evoca o empenho dos editores da revista em “modernizar, nacionalizar, universalizar o espírito brasileiro”. Neste mesmo número inaugural, Sérgio Buarque aborda a falta de tradições nas jovens culturas americanas, logo concluindo que “resta ao homem americano, e ao brasileiro em particular, a imaginação estética criada no ‘inconsciente mítico’, onde ainda não foi de todo eliminado o ‘terror cósmico’”.[9] Não me parece que em nenhum dos casos se possa falar de uma defesa explícita do Surrealismo, sobretudo considerando que Prudente de Moraes, neto, no terceiro e último número que publicou a revista, refere-se à escritura automática como uma moda passageira.

Este tipo de acréscimo a uma situação que não coincide com a realidade dos fatos é tão danoso à construção de uma historiografia quanto seu revés, a não-menção a aspectos reais, de que pode ser exemplo a leitura quase sempre parcial que é feita da poética de Jorge de Lima, sem considerar corretamente sua identificação com o Surrealismo, manifesta não somente em sua poesia mas também na série de collages que resultou na publicação de A pintura em pânico, em 1943. No Brasil preferiu-se o termo foto-montagem ao invés de collages, e Mário de Andrade apressou-se em dizer, em 1939, que esta técnica “não deve ser apenas uma variedade de poesia sobre-realista, que, por princípio mesmo, não se sujeita a nenhum controle estético”. O próprio Murilo Mendes, companheiro de Jorge de Lima nesta e em outras identificações, ao prologar este livro afirma que “o movimento surrealista organizou e sistematizou certas tendências esparsas no ar desde o começo do mundo”,[10] mas em momento algum afirma um vínculo direto entre Jorge de Lima e Surrealismo. Isto nos leva diretamente ao “surrealismo à moda brasileira”, maneira encontrada por Murilo Mendes para definir sua identificação com o movimento. No entendimento de Valentin Facioli, “nas condições brasileiras da época, a liberdade de escolha possível e plausível limitava-se, pois, à escolha de técnicas artísticas e seus efeitos, como opção particularizante e parcial de estilo artístico, o que era melhor que nada e interferia no modo de produção de sentido, mas bem pouco diante das possibilidades abertas pelo surrealismo como intervenção nas condições sociais de produção, circulação e recepção da obra artística erudita”.[11] Ora, este “melhor que nada” aos poucos vai se deixando acentuar como traço essencial do perfil sócio-cultural brasileiro, cujos danos verificamos ainda hoje na quase absoluta falta de compromisso diante de toda ou qualquer situação. Haveria então uma curiosa sintonia entre “surrealismo à moda brasileira” e o jeitinho brasileiro.

Criemos aqui um caso Jorge de Lima, apenas para esclarecer melhor a questão. Sempre se tratou de evocar, nele, a aproximação ao cristianismo como razão para negar-lhe identificação com o Surrealismo. Diz Sérgio Lima, ao tratar deste tema, que “a controversa conversão religiosa desses dois poetas – Murilo e Jorge de Lima –, a partir de 1934, não exclui tudo o que escreveram e produziram nos anos anteriores”, [12] observação que carece de aprofundamento, ainda mais se considerada a reflexão levada a termo por Claudio Willer, a seguir:

“Em Murilo Mendes, o rótulo de ‘poeta católico’ reduz o alcance de uma lírica plural, na qual se encontra o que houve de inovador em seu tempo, com uma linha evolutiva, da poesia em Cristo de Tempo e eternidade, escrita como se fosse para substituir a oração, até o ganho em síntese e vigor de As metamorfoses, de 1941. Jorge de Lima, inequivocamente um poeta de etapas na criação, apresenta reflexões sobre a poesia no Livro de sonetos afins a idéias surrealistas: ‘Não procureis qualquer nexo naquilo / que os poetas pronunciam acordados, / pois eles vivem no âmbito intranqüilo / em que se agitam seres ignorados’. No empreendimento máximo da poesia hermética e cósmica, Invenção de Orfeu, reitera a idéia do poeta sonâmbulo, que desce a um mundo originário, arquetípico e pré-verbal: ‘Pra unidade deste poema, / ele vai durante a febre’. Seus transes, despertando no meio da noite para escrever, foram fatos biográficos (quem me falou dessas ocorrências foi Lúcio Cardoso, fonte autorizada pela amizade de ambos). Demonstram fidelidade à inspiração, realizando a frase de Octavio Paz: ‘O poeta não se serve das palavras. É o seu servidor.’ Tendo abraçado o catolicismo, foi mais fundo, até a religiosidade primordial, pagã, indissociável do seu apelo ao telúrico.” [13]

Diante da leitura de Willer não é possível concordar com Sérgio Lima, bastando pensar que são posteriores a 1934, tanto Invenção de Orfeu quanto sobretudo A pintura em pânico, o volume das fotomontagens.[14] É de se lamentar que este livro tenha caído em completo esquecimento. Em 1987 surge uma edição das collages de Jorge de Lima encontradas no acervo de Mário de Andrade, em primorosa organização de Ana Maria Paulino. Em estudo que lhe dedica, ao final do volume, Paulino destaca, em Jorge de Lima, a “procura de novos meios para transmitir sua sensibilidade e penetrar as regiões misteriosas do inconsciente, refletindo nas associações livres de sua linguagem aparentemente ilógica, um mundo sombroso representado por enigmas, símbolos e presságios”.[15] Também nesta edição se reproduz o prólogo de Murilo Mendes à publicação original de A pintura em pânico, onde, ao evocar o princípio defendido por Rimbaud de desarticulação dos elementos, destaca que essa desarticulação resulta, em último caso, em articulação, sugerindo que “seria instrutivo pesquisar o modo pelo qual este livro de Jorge de Lima se insere na sua obra”, ou seja, “estabelecer a relação do mesmo com seus poemas, romances, ensaios e tentativas de quadros”. Desta maneira evitaríamos tantas observações preconceituosas e infundadas em relação à poética de Jorge de Lima e, por conseqüência, a má interpretação, por vezes intencional, da presença do Surrealismo no Brasil. Aqui nos referimos apenas a dois casos que ilustram a complexidade do tema. Diversas outras instâncias deverão ser cotejadas, em oportunidade mais ampla, evocando demasias tanto de ordem afirmativa quanto negativa.

Evidente que a ausência de filiação formal não autoriza a crítica a negar identificação com o Surrealismo seja em Murilo Mendes ou em Jorge de Lima, o mesmo valendo para inúmeros outros poetas e artistas brasileiros que poderiam ser evocados no momento de uma reavaliação da presença do Surrealismo no Brasil. Há toda uma história subterrânea a ser desentranhada e ainda estamos por fazê-lo. Ao referir-se a “período imediatamente associado ao modernismo”, Claudio Willer recorda “o modo como uma legítima vanguarda, intelectual e política, articulou-se, através de [Benjamin] Péret, com o surrealismo, incluindo Patrícia Galvão, a Pagu, Flávio de Carvalho e Mário Pedrosa. Pagu e Flávio chegaram a ser hóspedes de Péret e sua esposa brasileira, Elsie Houston, em Paris, em 1934-35.”[16] Menos econômico do que Willer na menção a nomes, Sérgio Lima considera pertinente referir-se a Fernando Mendes de Almeida, Ascânio Lopes, Rosário Fusco, Lívio Xavier, Osório César, Jamil Almansur Haddad, Raguna Cabral, Wagner Castro, Eros Volúsia, e destaca ainda a presença de Raul Bopp e Tarsila do Amaral e a Revista de Antropofagia, afirmando que “a turma da segunda dentição antropofágica acolheu Péret e representou a única vertente que se opôs aos nacionalismos despregados pelas movimentações vanguardistas do momento no modernismo brasileiro”.[17]

Nos anos 60, dentro do que Sérgio Lima considera um segundo período de identificação do Surrealismo na cultura brasileira, temos a formação de um grupo (1965) e a realização de uma exposição internacional (1967). Ao remeter a este momento, escreve o poeta Contador Borges que “tanto a poesia de [Roberto] Piva quanto a de [Claudio] Willer são poéticas do apocalipse, testemunhas desse momento universal da poesia revolta vivido pela modernidade”, logo lembrando ser possível citar “outros poetas brasileiros que também criaram suas obras sob este impacto, como Sérgio Lima, que faz do poema uma topografia panteísta do corpo erotizado, e Rodrigo de Haro, de fatura mais lírica e contida, em que os versos parecem escandidos por uma navalha oculta, que repentinamente surge nas mãos do poeta”.[18] A exemplo do que houve no primeiro período, também aqui a crítica é exígua e por vezes intencionalmente leviana. Como observei em O Começo da Busca, “críticos como José Paulo Paes e Gilberto Mendonça Teles foram falhos em uma brevíssima abordagem deste não-capítulo de nossa historiografia literária. Mendonça Teles, em entrevista que lhe fiz em 1994, declarou não haver-se reportado à revista A Phala, por exemplo, no livro Vanguarda européia e modernismo brasileiro, por desconhecimento. Ao publicar A escrituração da escrita (1996) observa o Surrealismo pela mesma ótica de José Paulo Paes, validando tão-somente o caráter programático, reduzindo-o à categoria dos ismos, sem perceber a fundamental importância dos desdobramentos em diversas culturas, assim como ‘seu inegável vetor revolucionário, inclusive de natureza extra-literária’, como salienta o próprio Sérgio Lima.”[19] Limitam-se a tratar o Surrealismo como a escola que nunca foi, situando a aparição tardia do mesmo entre nós.

É possível comentar ainda que em 1938 Flávio de Carvalho, na apresentação do II Salão de Maio, em São Paulo, como bem recorda Sérgio Lima, “irá precisar que se trata ‘de um movimento’ e não de mais uma exposição”[20], ou mesmo a adesão pública ao Surrealismo da parte de Aníbal Machado. No entanto, o Surrealismo só entra na pauta oficial de nossa historiografia como uma ambientação tardia, considerando a criação de um primeiro grupo nos anos 60, justamente a partir de Sérgio Lima. Já em 1930 Breton nos levava a recordar que “o surrealismo busca simplesmente a recuperação total de nossa força psíquica por um sistema de descida vertiginosa em nós mesmos, na iluminação sistemática dos lugares ocultos, no escurecimento progressivo dos demais lugares e no passeio perpétuo pela plena zona proibida”.[21] Não se requer propriamente uma ação coletiva, decerto. Nem se pode vincular a idéia de movimento à de um colegiado onde todos seguem a rigor uma orientação central. Os erros decorrentes de uma ortodoxia surrealista são bastante claros neste sentido. Mas enfim, oficialmente o Surrealismo chega ao Brasil com o estabelecimento, em 1965, de um grupo surrealista em São Paulo, capitaneado por Sérgio Lima, que já aderira ao grupo parisiense em 1961, quando de sua residência na França. Adesões similares já havíamos tido com Flávio de Carvalho e Maria Martins, por exemplo, sem que em nenhum dos casos houvesse uma disposição por fundar uma sucursal surrealista no Brasil. Ao fazê-lo, Sérgio Lima evoca para si todos os paradoxos decorrentes de uma aproximação entre duas realidades quase antagônicas, ou seja, estava aqui a tentar reproduzir aquele cenário do encontro fortuito de uma máquina de costura com um guarda-chuva sobre uma mesa de cirurgia. Talvez o que lhe tenha faltado foi a indagação, no sentido de atualidade da insurgência, de qual sentido deveria apontar a poesia então. Em âmbito nacional, da pressão católica havíamos passado à pressão militar, embora já em 1924, Graça Aranha tenha dito que “no Brasil só há uma classe organizada, a classe militar”, logo afirmando, como já ressaltei, a inexistência de uma cultura coletiva, avaliando que “as populações jazem afundadas na ignorância selvagem, de que o animismo fetichista é a expressão viva, a feição pitoresca que o diletantismo literário explora e não quer ver substituída pela civilização”.[22] O rito de passagem não foi senão um passar o bastão, por assim dizer. Ao que parece o que faltava nos exemplos dados até aqui havia em correspondente excesso em Sérgio Lima, ou seja, ao tentar recuperar distorções, ao dar corpo a uma indignação intrinsecamente válida, acabou por envolver-se demasiado com uma ortodoxia que já enfrentava discussões internas no próprio núcleo parisiense. Sérgio repetia a cartilha de Breton em uma circunstância onde melhor caberia sua atualização. Há um depoimento de Claudio Willer, em entrevista que lhe fez Roberto Piva, que propicia algum esclarecimento. Diz Willer que, “na verdade, nós éramos um grupo surrealista desde quando nos conhecemos. O Piva já conhecia bem, o Piva colecionava o surrealismo, a revista La Brèche, por exemplo. Poesia surrealista foi uma coisa seminal e formadora para todos nós. Agora, em 63, o Sérgio Lima veio de Paris, havia feito estágio de um ou dois anos na Cinemateca Francesa e participou pessoalmente, diretamente, do movimento surrealista. Conheceu André Breton, subscreveu manifestos surrealistas, correspondeu-se com Breton e teve contato com ele até sua morte em 66. Então, houve um período em que nós nos reuníamos em grupo, regularmente, uma ou duas vezes por semana, em um bar, no estilo surrealista. Isso, essa fase sistemática de grupo, durou até 64. O grupo explodiu, e eu acho que nós não poderíamos e nunca conseguiríamos formar o tipo de movimento do surrealismo.”

A referência a grupo aqui é no sentido informal, cumpre esclarecer. Trata-se de um núcleo que serviria de base para a formação do primeiro grupo surrealista afirmado como tal, embora apenas o Sérgio Lima viesse a participar dele, como seu fundador e principal articulador. Retornemos ao depoimento de Willer, bastante significativo: “Acho o surrealismo fundamental em dois níveis: como criação, e isso é o que realmente importa, a criação poética; e como movimento de idéias, como prosseguimento da rebelião romântica e tentativa de unir a rebelião romântica à transformação da sociedade. A junção do mudar a vida com o transformar a sociedade, de Rimbaud e Marx. É um movimento de idéias que teve mudanças ao longo do século, e que é fundamental. De tudo o que aconteceu naquele período vanguardista do começo do século, evidentemente foi o movimento mais significativo, mais importante, e, disparadamente, o mais consistente.”[23] Ao contrário do que se possa pensar, Claudio Willer e Roberto Piva jamais integraram o grupo surrealista oficialmente dado como existente entre 1965-69, o qual, no dizer de Sérgio Lima, “se responsabiliza por toda uma série de atividades coletivas, indo de panfletagem, edição de plaquetas, livros, testemunhos públicos, exposições e um manifesto, publicado em editorial na Phala # 1 (redigido em conjunto por mim e Aldo Pellegrini)”.[24] A raiz do impedimento da adesão formal de ambos, Piva e Willer, ambientava certa reserva da parte do próprio Breton em aceitar desdobramentos do Surrealismo, de que poderiam ser exemplos tanto o abstracionismo como a explosão da Beat Generation e da contra-cultura. No Brasil, coincidindo com uma reafirmação formalista, sua radicalização extrema, o surgimento do Concretismo, este teria sido um momento ideal para uma recusa àquele referido espírito do “melhor que nada” já aqui referido. Nada mais coerente com o sentido de recusa total que adotaram, por exemplo, os canadenses, na afirmação de um Surrealismo que em circunstância alguma pode ser entendido como segmento de uma ortodoxia. Em entrevista que fiz ao crítico de arte canadense André Lamarre, por exemplo, ele menciona que “o Refus Global e a corrente de pensamento que o prolonga tentam, por uma parte, ligar-se a uma concepção original do surrealismo e, por outra parte, fazê-la progredir, isto é, levá-la até seus limites. Entre as noções fundamentais do surrealismo, Borduas assinala ‘a importância moral do ato não preconcebido’. Refus Global formula uma crítica da razão e da intenção que bloqueiam o desenvolvimento humano.[25] Refus Global é justamente o nome que leva a principal formação grupal surrealista no Canadá, tendo à frente Paul-Émile Borduas.

É bom reforçar aqui que essa recusa à qual aludo sempre foi reafirmada pelo próprio Sérgio Lima, considerando sua defesa de que “o surrealismo é a exigência maior do espírito humano, erguida frente ao desencanto do mundo, da realidade dada, e contrapõe seu querer às acomodações e convenções, que contrapõe, portanto, ‘o homem do desejo desejante’ ao sistema racionalista e restritivo do progresso e da modernidade, instaurando um retorno, uma abertura sobre o moderno e que passa pelo passado: em um processo aberto de busca permanente, na própria imanência de mais realidade e sua revolução, não de sua reforma”.[26]

Em agosto de 1967 se publica então o número inaugural da revista A Phala, apresentada tanto como “revista do movimento surrealista” quanto “catálogo da 1a exposição surrealista tendo por temas a mão mágica e o andrógino primordial”. O editorial, embora tenha sido escrito, segundo Sérgio Lima, por ele e o argentino Aldo Pellegrini, não traz assinatura alguma. Lemos ali que “o surrealismo é o movimento organizador do pensamento revolucionário que tende a uma reivindicação absolutamente moderna do sagrado”. Os três parágrafos seguintes são esclarecedores das relações entre Brasil e América Hispânica, merecedores portanto de reprodução na íntegra:

“No âmbito americano e, em particular, latino-americano, as manifestações isoladas e a própria estrutura natural das forças imanentes do meio, onde brilha o coração selvagem, o Surrealismo se apresenta como uma consciência primeira, daquele que seria o ponto capital para todo um desenvolvimento de liberação do espírito, que tende a desencadear as forças mágicas.

Entre nós, os movimentos mais significativos se orientaram sempre em duas vertentes comuns, a plástica e a poética. As expressões relacionadas com a poesia, desde seu começo, estiveram vinculadas em geral a manifestações plásticas, não profissionais.

As vozes propícias que nos chegam de pontos do México, da Argentina, do Chile, do Brasil, do Peru, da Colômbia, do Equador, da Venezuela e do Haiti, o encantamento das vozes que ainda nos chegam da tradição d’amour da faixa equatorial do globo, nos propõem uma linguagem excepcionalmente única, e pura.”[27]

Será bastante recordar as palavras de René Char, para quem “a poesia se incorpora ao tempo e o absorve”, para compreendermos o que havia de impossível no Surrealismo defender a existência de uma “linguagem pura”, conceito este que vinha já sendo discutido em outro âmbito. A propósito, diria que, ao contrário de Pierre Reverdy, me parece que estava mais correto Adolfo Casais Monteiro, ao defender que “a imagem não é uma criação pura do espírito, pela simples razão de não haver criações puras do espírito”.[28] No caso de A Phala, revista e exposição dão mais sinais de relacionamento com França e Portugal do que propriamente com América Latina. A presença de Aldo Pellegrini, o argentino que desde o final dos anos 20 tratou de ser um profundo defensor e difusor das idéias surrealistas, não deixa de ser de imensa importância. A princípio, estava assim oficializada a entrada do Surrealismo no Brasil, e com o apoio internacional de nomes como José Pierre, Mário Cesariny de Vasconcelos, Aldo Pellegrini e Elisa Breton, esta última dando continuidade ao apoio de seu marido, que morrera no ano anterior. Os contatos com o continente americano eram quando muito ocasionais, de modo que o movimento acabou se dispersando. Também internamente se deram alguns afastamentos, a exemplo de Raúl Fiker, Paulo Antonio de Paranaguá, Maninha Cavalcanti, Leila Ferraz e Carlos Felipe Saldanha. Sérgio Lima observa que, mesmo considerando algumas novas adesões, elas “não foram suficientes para a formação de um novo grupo, visto que faltava a cristalização de um segundo momento […] e as conseqüentes tomadas de posição que implicavam […] a retomada da aventura surrealista”.[29]

Defende Valentin Facioli que “muito da inviabilidade do surrealismo nos nossos países” – e aqui se reporta à América Latina – “tem a ver com a qualidade da democracia burguesa que vivemos, ou sofremos, pois que ele não se pôs nunca como vanguarda artística, e sim como práxis vital, a qual foi reprimida, impedida ou deformada ao extremo por aqui”.[30] Em muitos casos, na América Latina, o Surrealismo esteve presente justamente em um ambiente que não se poderia jamais chamar de democrático. Talvez a distinção que se deva traçar em relação ao caso brasileiro seja a de que entre nós o Surrealismo jamais se firmou como uma reação ao poder instituído. Este sentido de rebelião contra o establishment é possível detectar no Chile e também no Canadá. Ocorreu na Venezuela e no Haiti. Mas não ocorreu no Brasil. O Surrealismo capitaneado por Sérgio Lima não definiu barreiras contra o poder estabelecido, não representou nenhuma espécie de resistência ao mesmo. Sequer o considerou, pois se ausentava no tempo e no espaço do que eventualmente pudesse se chamar realidade brasileira nos anos 60. Os afastamentos foram quase todos decorrentes de uma perda de interesse nessa forma curiosa de autismo. Houve um erro fundamental, da parte de Sérgio Lima que, a despeito de importâncias capitais que tenha em relação à compreensão e difusão do Surrealismo no Brasil, não soube perceber o que havia de latente na cultura brasileira naquele instante, preferindo seguir a trilha de uma ortodoxia que já havia sido superada em manifestações situadas em países como Venezuela, Canadá, Chile, Peru, Estados Unidos.

Ao retomar as atividades grupais, logo no início da última década do século passado, mesmo considerando diálogos estabelecidos com grupos existentes em países como Argentina, Espanha e Estados Unidos, o fato é que internamente os novos integrantes deste segundo grupo surrealista, em grande parte, não possuíam uma identificação tão forte, seja na essência ou na forma, com o Surrealismo, sobretudo uma compreensão do papel que ainda lhe caberia representar contemporaneamente, de maneira que a dispersão mostrava-se como inevitável, muito embora tenha havido, a título de contribuição factual, a realização de algumas exposições e a publicação de uma revista, Escrituras Surrealistas. Dentre os mais interessados em não se perder nas teias do tempo, ciente de que só é possível ser agora, encontra-se o arquiteto Fernando Freitas Fuão, cujo empenho em provocar depoimentos dos demais participantes, como se estivesse ali a compor uma cartografia emocional daquele ambiente em que nos afirmávamos como surrealistas, foi o que mais me despertou atenção.

Ao largo desta nossa conversa diversas vozes são citadas, o que de alguma maneira propõe a recolha de uma bibliografia dispersa, sobretudo no que diz respeito a material de imprensa, quase sempre em órgãos de raro acesso. Isto se passa sempre em relação àqueles temas que ou não são de grande interesse ou cujo interesse maior é abafá-los, evitando-lhes assim compreensão e natural desdobramento. Em nosso caso, não me parece que a razão principal seja o Surrealismo ou seja, há um componente na cultura brasileira que a leva a ausentar-se de si mesma, a sentir vergonha do que é em essência, e o mais curioso é que sua essência é de uma grandeza imensa. Já citei aqui a espanhola Castro Morales, mas quero uma vez mais a ela me referir, quando diz que “o interesse dos surrealistas europeus pelas culturas que hoje identificamos como da ‘alteridade’ ou da ‘outridade’, se explica por sua reivindicação do não normativo: os loucos, o ocultismo, o subconsciente, a sexualidade, os sonhos, o maravilhoso”, e então nos dá um cheque-mate, afirmando que “todos esses elementos que foram matéria da investigação surrealista conformam o conjunto de uma realidade excluída do canônico, e o primitivismo e o gosto pelo selvagem se incluem na exploração de uma cultura rejeitada, submergida”.[31]

A miscigenação cultural que tanto prefiguraria o destino dos povos americanos, referida por nomes como o mexicano José Vasconcelos, o peruano José Carlos Mariátegui ou mais recentemente o brasileiro Darcy Ribeiro, não teve entre nós a consideração que merecia, de maneira que temos uma compreensão bastante estratificada de nossa realidade cultural e sequer a conseguimos pensar em sua relação íntima, por exemplo, com a hispano-americana.

Finalizo recordando passagem de uma recente entrevista com Roberto Piva, onde ele afirma que “O dionisismo é uma das religiões mais profundas que já existiram. Basta ver que uma das suas manifestações produziu o teatro. Quer mais do que isso? Dionísio é o deus do teatro. As artes da aparência empalideceram diante de uma arte que proclamava a sabedoria na sua própria embriaguez. […] Vivemos num país profundamente dionisíaco, onde os intelectuais têm preconceito contra as manifestações espontâneas, criativas. Mesmo o fato de me enquadrarem na poesia marginal, dos anos 70, tem a ver com isso. Eu não sou dos anos 70 e não sou marginal; sou marginalizado. E por não ter pactuado com a universidade, com uma certa esquerda, por não participar das rodas literárias, nem dos "chás-da-cinco", aos poucos fui sendo excluído.”[32]

Este é o ponto. Identificando-se com o futurismo, o existencialismo, o surrealismo ou mesmo o nazismo, via integralismo, os brasileiros compreendem a si razoavelmente pouco ou não de todo suficiente para afirmar ao menos uma simpatia. É uma tática camaleônica, ao que parece. A qualquer momento um regime de posição pode causar indisposição, e disto nós entendemos, do trocadilho semântico que infesta nossa poesia desde um parnasianismo canônico adotado em caráter de perpetuidade. Somos formalistas por natureza. Nada nos interessa em essência. Mesmo os nossos surrealistas incorreram em tais disparates.



[1] “Surrealismo, uma loucura que não deu muito certo no Brasil”. Caderno 2, jornal O Estado de S. Paulo. 18/08/2001.

[2] “Flávio de Carvalho, artista plástico e animador cultural”. Publicação virtual no sítio da University of Essex.

[3] “Vanguarda e utopia – surrealismo e modernidade no Brasil”. Revista Poesia Sempre # 9. Rio de Janeiro. Março de 1998.

[4] A idéia modernista. 2a. edição. Ed. Topbooks. Rio de Janeiro. 2002.

[5] “Modernismo, vanguardas e surrealismo no Brasil”. Conferência proferida no colóquio Surrealismo Nuevo Mundo. Buenos Aires. Outubro de 1992.

[6] “El surrealismo en América Latina: la revelación de la alteridad”. Revista La Página # 11 y 12. Tenerife. 1993.

[7] “História subterrânea”. Revista Cult # 50. São Paulo. Setembro de 2001.

[8] “Modernismo, vanguardas e surrealismo no Brasil”. Ob. Cit.

[9] “Um homem essencial”. Revista Estética # 1. rio de Janeiro. Setembro de 1924.

[10] “Nota liminar”, prólogo de A Pintura em pânico. Rio de Janeiro. 1943.

[11] “Modernismo, vanguardas e surrealismo no Brasil”. Ob. Cit.

[12] “Notas acerca do movimento surrealista no Brasil”. Ob. Cit.

[13] “História subterrânea”. Revista Cult # 50. São Paulo. Setembro de 2001.

[14] As edições originais de A pintura em pânico e Invenção de Orfeu datam, respectivamente, de 1943 (Tipografia Luso-Brasileira) e 1952 (Livros de Portugal), ambos tendo prólogos assinados por Murilo Mendes.

[15] O poeta insólito. Instituto de Estudos Brasileiros. Universidade de São Paulo. 1987.

[16] “História subterrânea”. Ob. Cit.

[17] “Notas acerca do movimento surrealista no Brasil”. Ob. Cit.

[18] “Surrealismo & poéticas do apocalipse”. Revista Cult # 50. São Paulo. Setembro de 2001.

[19] O Começo da Busca (O surrealismo na poesia da América Latina). Escrituras Editora. São Paulo. 2001.

[20] “Os anos modernistas de Flávio de Carvalho”. Revista Xilo # 1. Fortaleza. Setembro de 1999.

[21] “Fantasias de um poeta”. Suplemento em Rotogravura # 146. jornal O Estado de S. Paulo. Novembro de 1939.

[22] Estética 1924-1925. Edição facsimilada. Gernasa. Rio de Janeiro. 1974.

[23] “Meditações de emergência”. Revista Agulha # 32. Fortaleza/São Paulo. Maio de 2003.

[24] “Notas acerca do movimento surrealista no Brasil (da década de 20 aos dias de hoje)”. In: LÖWY, Michael. A estrela da manhã (Surrealismo e marxismo). Ed. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2002.

[25] “Diálogos sobre Surrealismo no Canadá”. Entrevista concedida a Floriano Martins. Revista Agulha # 36. outubro de 2003.

[26] “Prefacio o ‘porta-relámpago’”. Revista La Página # 11 y 12. Tenerife. 1993.

[27] “Editorial”. Revista A Phala # 1. São Paulo. Agosto de 1967. Originalmente em espanhol.

[28] A palavra essencial. Editorial Verbo. Lisboa. 1972.

[29] “Notas acerca do movimento surrealista no Brasil (da década de 20 aos dias de hoje)”. Ob. Cit.

[30] “Modernismo, vanguardas e surrealismo no Brasil”. Ob. Cit.

[31] “El surrealismo en América Latina: la revelación de la alteridad”. Ob. Cit.

[32] “Entrevista com o escritor Roberto Piva”. Concedida a Fábio Weintraub. Revista Cult # 34. São Paulo. Maio de 2000.

 

El viejo incendio en una nueva antología

Adriano Corrales

Un nuevo continente (Antología del surrealismo en la poesía de nuestra América), de Floriano Martins. Ediciones Andrómeda. San José, Costa Rica. 2004.

Siempre hemos considerado que el surrealismo fue un movimiento artístico eminentemente europeo. Incluso muchos creadores latinoamericanos que participaron del mismo en sus años de apogeo, caso de Alejo Carpentier, se alejaron conceptualmente por considerar que Nuestra América poseía su propio suprarealismo y no necesitábamos de metodologías psíquicas como "la escritura automática", dando pie al Realismo Maravilloso, o Mágico, que colocara en primer plano a nuestra narrativa, pero que tanto daño le ha infringido al arte y literaturas latinoamericanos en su terca permanencia comercial y "posmoderna".

No obstante, y Floriano Martins en la introducción de la Antología en reseña, se encarga de recordárnoslo, algunos autores latinoamericanos como Aldo Pellegrini, Octavio Paz y Luis Cardoza y Aragón, por mencionar tres de los más importantes, replantearon la importancia del movimiento el cual introducía, en el ámbito de la poesía moderna, la idea de la creación poética como un bien común y como expresión auténtica de su tiempo, además de la libertad creadora y la ampliación de lo real como condiciones sine quanun para su consecución. Por eso, más allá, o más acá, de los incendiarios Manifiestos de Breton y sus antológicas polémicas y purgas, el Surrealismo fue el movimiento artístico europeo que más profundamente calara en nuestras literaturas del siglo XX, tanto que hoy todavía detectamos, en variadas expresiones, su potente influencia en múltiples artistas y poetas americanos.

Contrario a lo planteado por Carpentier, o dialógicamente complementario, los diversos planos en que se desdobla el Surrealismo en nuestras tierras, como un rechazo a la alienación (Aimé Césaire, Martinica, 1913), y como un recurso imprescindible para mostrar el lado oscuro de la luna, o la invisibilidad del rostro en culturas primigeniamente mágicoreligiosas, es un reforzamiento de lo que un grupo de visionarios en el París de entreguerras intuye como la caída de la racionalidad occidental. Podría decirse entonces, con Enrique Gómez - Correa (Chile, 1915, 1995), que la poesía americana llegó al surrealismo "como un desarrollo orgánico". O al revés, "que no es lo mismo, pero es igual" (Silvio Rodríguez, Cuba, 1946). (He citado a Silvio Rodríguez, el célebre cantautor cubano, al cual, según mi criterio, ya es hora de que se le reconozca como poeta, cuya poesía es también deudora, en mucho, del Surrealismo).
 Por esa razón una Antología como la que propone el poeta e investigador brasileño Floriano Martins es más que necesaria y oportuna. Porque no se trata de historizar el Surrealismo en nuestras tierras, sino de evidenciar su perenne continuidad en un continente que se busca a sí mismo en los otros desde siempre. Recoger en un libro a 30 autores, pasando por poetas insignes como Enrique Molina (Argentina, 1910, 1996), Juan Calzadilla (Venezuela, 1931) o Raúl Henao (Colombia, 1944), por mencionar tres de los más reconocidos por el público, es una labor pionera que nos coloca frente a la pluralidad de voces en el discurrir de su conciencia poética.

Pero lo extraordinario de la propuesta editorial es que el antólogo se la dedique a Max Jiménez, ese enorme poeta y artista costarricense, posiblemente el más representativo del siglo XX, incomprendido por su época y el ego típicamente tico que desdeña lo innovador y contestatario. Y que además nuestra gran Eunice Odio ocupe el lugar que le corresponde en el fluir de las letras americanas. Y más aún: que el libro haya sido ilustrado magistralmente por el artista también costarricense Fabio Herrera, el cual nos ofrece, además del mismo Floriano Martins y el suyo propio, los retratos de los poetas con una caracterización ciertamente iluminadora.

Debo decir, para finalizar, que Ediciones Andrómeda, se ha puesto una flor en el ojal, no solamente porque nos entrega una selección rigurosa de poesía americana sustentada por un enjundioso estudio de su compilador, sino porque también nos entrega un objeto/libro hermoso y bien diseñado, cumpliendo con su cometido de entrelazar las artes visuales con la literatura en su "Taller de la Imaginación"; algo inusitado y original en nuestro medio editorial y un sueño siempre presente del Surrealismo y de toda expresión artística que comprenda que "solo el lenguaje poético alcanza la totalidad del ser".

 

Recuerdos de la Feria del Zócalo México 2004

Susana Wald

Esperábamos hacía días la llegada de Floriano Martins. No teníamos acceso al correo electrónico y no sabíamos a ciencia cierta en qué día iba a llegar.

Una semana antes del 15 de octubre habíamos paseado por el Zócalo de la Ciudad de México y nos encontramos (no por casualidad, porque las casualidades no existen), frente al hotel Majestic. Recordé que Floriano había mencionado este hotel en sus cartas, así que entramos ahí y al consultar con la recepción nos confirmaron que sí, que ahí estaban los escritores brasileños que participaban en la Feria del Libro del Zócalo, y que sí, la semana siguiente ahí estaría también un señor Floriano Martins.

Por eso en la mañana del 15 llamé al hotel y me confirmaron que Floriano sí estaba. Pregunté si sería prudente que lo despertara a estas horas y el conserje me aseguró (¿cómo lo sabía?) que el señor Floriano ya no estaría durmiendo.

Fue maravilloso poder oír su voz. Quizás ya habíamos hablado antes por teléfono desde las distancias siderales que separan nuestros respectivos domicilios, pero fue muy novedoso oírle y quedamos ambos muy encantados de estar tan cerca, ya en la misma ciudad. Se hizo la cita: A la tarde, en la presentación de su libro, Un nuevo continente publicado en Costa Rica.

Estuvimos puntuales, Ludwig Zeller y yo. Desde lejos ya pudimos ver su cabeza inconfundible, envuelta, a pesar del calor, en su boina negra que no se quitó en todas las horas que pasamos juntos. Ludwig y Floriano se lanzaron imantados el uno al otro, se abrazaron y celebraron muy contentos su encuentro, para la distracción de los que presenciaban el hecho en el improvisado Café Salvador Novo, instalado cerca del centro del Zócalo. Floriano y yo también nos abrazamos entusiastas, exclamando, como la mujer en la película de Fellini: ¡Finalmente!

Porque hasta este momento, nuestro contacto ha sido solamente elctrónico, por así decirlo, castamente. Cartas han estado yendo y viniendo, publicaciones, entrevistas, todo ha sucedido en el ámbito electrónico entre Floriano y nosotros, él en la —para mí mítica— ciudad de Fortaleza, en lo que parece el punto de Brasil más avanzado hacia el oriente, como si quisiera volver a encontrar su hueco en el sobaco de África.

Por fin nos sosegamos y nos sentamos como el resto de los asistentes tranquilamente a una mesa del café. Y comenzó la charla, la plática, el goce de hallarse en el mismo lugar y en la misma hora. Y la espera se prolongó bastante.

Antaño los "defeños" que es como se denomina a los que viven en la Ciudad de México, D. F. (Distrito Federal) eran muy impuntuales, como son aún los habitantes de las tranquilas ciudades del sur del país. Pero eso era cuando todavía no había tanta gente en el D. F., cuando no había tantos asaltos, cuando no había tan espesa contaminación, en esos tiempos que los jóvenes no conocieron y los viejos se empecinan en recordar.

Y siendo que ahora los defeños son puntuales, muchos de los presentes se empezaron a inquietar cuando las manillas de los relojes anticuados y los números de los digitales marcaron el tiempo asignado para el evento al que veníamos, Floriano desde Brasil y Ludwig y yo desde Oaxaca. (Nos habíamos demorado más o menos lo mismo en llegar, sólo que Floriano lo hacía en un velocísimo avión y nosotros en nuestra pequeña maquinita con cuatro ruedas, recorriendo, la vista de él, desde el aire, un continente, y la nuestra, por tierra, un trocito del espléndido México.)

Esperábamos a los presentadores del libro de Floriano, "Evodio Escalante (México), Alfonso Peña (Costa Rica) y Saúl Ibargoyen (Uruguay-México)," según rezaba la invitación al evento. Aprovechamos muy bien el tiempo de la espera, estando aún inmersos en la maravilla del encuentro, a diferencia del público que también había venido al lanzamiento y que se estaba impacientando por la demora. Del trío esperado finalmente apareció Saúl Ibargoyen, rostro para nosotros conocido de eventos defeños anteriores. ¿Y el libro? No había llegado. ¿Y su editor, Alfonso Peña? Tampoco. Pasamos un rato aún gozando el encuentro de los que llegamos de variadas distancias con Ibargoyen, legítimo defeño también.

La presión de los asistentes y los organizadores y la hora que no perdonaba produjo entonces un evento muy grato y simpático. Subió Floriano al podio negro regado de micrófonos, con asientos negros, ante un fondo negro y gris oscuro de telas y plásticos, todo conectado con un mar de cables, también negros. Y empezó a improvisar. Y para apoyarse en la improvisación invitó primero a Saúl Ibargoyen a que subiera junto a él (después de todo, así estaba programado) y luego a Ludwig Zeller quien de este modo aportaba el elemento de sorpresa.

Los tres poetas sentados, amigos sinceros, improvisadores excelentes (como todos los poetas), nos brindaron a los que los mirábamos encantados y entretenidos, una sesión de poesía y de charlas y recuerdos realmente extraordinaria. Hablaron del surrealismo en Brasil, en el Cono Sur, esa remota región de donde venían Saúl y Ludwig, de Venezuela, de los amigos surrealistas de tantos países de América Latina, del español y del portugués. La charla fluía plácida y fácil, los tres estaban en su elemento. Luego vino la lectura de poemas y se empezaba a notar que el tiempo se hacía corto. Los organizadores ya sabían que este evento estaba excediendo su periodo asignado, que el siguiente estaba atrasado. Y a pesar de que todos ¡queríamos más!, como los niños que gozan los dulces con que se los regala, no se pudo.

El trío repentinamente acabó con sus lecturas, bajaron del podio, se mezclaron con el público que entonces los rodeó. Se intercambiaron, firmaron, dedicaron libros y revistas y tarjetas. Y poco a poco, como se va asentando la espuma encima de un vaso de cerveza recién vertida, el evento se apaciguó y abandonamos el espacio a los siguientes escritores que debían ocuparlo.

París sin duda vale una misa. Y encontrarnos cara a cara con Floriano Martins y con Saúl Ibargoyen bien valieron la travesía de dieciséis horas en automóvil.

 

 

 

 

Só a DIDÁTICA em prol do Homem legitima o conhecimento

A outra face do editor Soares Feitosa, o tributarista