I
Soam vãos, dolorido
epicurista,
Os versos teus, que a
minha dor despreza;
Já tive a alma
sem descrença presa
Desse teu sonho,
que perturba a vista.
Da Perfeição
segui em vã conquista,
Mas vi depressa, já
sem a alma acesa,
Que a própria
idéia em nós dessa beleza
Um infinito de nós
mesmos dista.
Nem à nossa alma
definir podemos
A Perfeição
em cuja estrada a vida,
Achando-a intérmina,
a chorar perdemos.
O mar tem fim, o céu
talvez o tenha,
Mas não a ânsia
da Cousa indefinida
Que o ser indefinida
faz tamanha.
II
Nem defini-la, nem achá-la,
a ela –
A Beleza. No mundo não
existe.
Ai de quem coma alma
inda mais triste
Nos seres transitórios
quer colhê-la!
Acanhe-se a alma porque
não conquiste
Mais que o banal de cada
cousa bela,
Ou saiba que ao ardor
de querer havê-la –
À Perfeição
– só a desgraça assiste.
Só quem da vida
bebeu todo o vinho,
Dum trago ou não,
mas sendo até o fundo,
Sabe (mas sem remédio)
o bom caminho;
Conhece o tédio
extremo da desgraça
Que olha estupidamente
o nauseabundo
Cristal inútil
da vazia taça.
III
Só que puder obter
a estupidez
Ou a loucura pode ser
feliz.
Buscar, querer, amar
. . . tudo isto diz
Perder, chorar, sofrer,
vez após vez.
A estupidez achou sempre
o que quis
Do círculo banal
da sua avidez;
Nunca aos loucos o engano
se desfez
Com quem um falso mundo
seu condiz.
Há dois males:
verdade e aspiração,
E há uma forma
só de os saber males:
É conhecê-los
bem, saber que são
Um o horror real, o outro
o vazio –
Horror não menos
– dois como que vales
Duma montanha que ninguém
subiu.
IV
Leva-me longe, meu suspiro
fundo,
Além do que deseja
e que começa,
Lá muito longe,
onde o viver se esqueça
Das formas metafísicas
do mundo.
Aí que o meu sentir
vago e profundo
O seu lugar exterior
conheça,
Aí durma em fim,
aí enfim faleça
O cintilar do espírito
fecundo.
Aí . . . mas de
que serve imaginar
Regiões onde o
sonho é verdadeiro
Ou terras para o ser
atormentar?
É elevar demais
a aspiração,
E, falhando esse sonho
derradeiro,
Encontrar mais vazio
o coração.
V
Braços cruzados,
sem pensar nem crer,
Fiquemos pois sem mágoas
nem desejos.
Deixemos beijos, pois
o que são beijos?
A vida é só
o esperar morrer.
Longe da dor e longe do
prazer,
Conheçamos no
sono os benfazejos
Poderes únicos;
sem urzes, brejos,
A sua estrada sabe apetecer.
C’roado de papoilas e
trazendo
Artes porque com sono
tira sonhos,
Venha Morfeu, que as
almas envolvendo,
Faça a felicidade
ao mundo vir
Num nada onde sentimo-nos
risonhos
Só de sentirmos
nada já sentir.
VI
O sono – Oh, ilusão!
– o sono? Quem
Logrará esse vácuo
ao qual aspira
A alma que de aspirar
em vão delira
E já nem força
para querer tem?
Que sono apetecemos? O
d’alguém
Adormecido na feliz mentira
Da sonolência vaga
que nos tira
Todo o sentir na qual
a dor nos vem?
Ilusão tudo! Querer
um sono eterno,
Um descanso, uma paz,
não é senão
O último anseio
desesperado e vão.
Perdido, resta o derradeiro
inferno
Do tédio intérmino,
esse de já não
Nem aspirar a ter aspiração.
27.02.1909
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