25.3.2011
Carlos Felipe Moisés
CRÍTICA BIOGRAFIA
Estilo do biógrafo
rivaliza com o de Pessoa
Livro sobre o poeta
português traz esforço notável de pesquisa, mas troca literatura por
"verdade" biográfica
O OBJETIVO NÃO É
INTERPRETAR, MAS BUSCAR RELAÇÕES ENTRE VIDA E OBRA, PARA QUE O
INICIANTE NÃO SE ILUDA
CARLOS FELIPE
MOISÉS ESPECIAL PARA A FOLHA
O esforço é
notável: milhares de documentos compulsados, dezenas de pessoas
entrevistadas, em três continentes, e toda a vasta obra de Fernando
Pessoa percorrida palmo a palmo. Resultado: 700 e tantas páginas de
comovida homenagem ao poeta, famoso pelos heterônimos. Trata-se de
um relato biográfico em que o fio narrativo, abrindo mão de foco ou
finalidade, constantemente envereda por atalhos e digressões. Podem
levar das alfaiatarias, barbearias e cafés frequentados pelo poeta,
às casas onde morou e aos escritórios onde trabalhou. De uma
antologia não comentada de partes da obra às hipóteses relativas ao
namoro com Ophelia e à sexualidade em geral, e muita coisa mais.
"Não é um livro para especialistas", afiança o autor, já que não
lida com literatura, mas tem o mérito de reunir no mesmo lugar uma
enorme quantidade de informações (fantasias à parte) até então
dispersas. E isso pode ser útil a... especialistas.
SEM INTERPRETAÇÃO
Modestamente,
porém, o autor considera a biografia um "simples guia para não
iniciados". Por isso, Cavalcanti não arrisca nenhuma "nova
interpretação". Seu objetivo, com efeito, não fazer interpretações,
mas buscar relações entre vida e obra, a fim de que o iniciante não
se iluda julgando que vai lidar com poesia ou literatura: é tudo,
só, uma questão de "verdade" biográfica. Assim, ficamos sabendo (um
exemplo, entre muitos) que, no poema "Tabacaria", a pequena dos
chocolates "é sua sobrinha Manuela Nogueira" -"como ela própria me
confessou", acrescenta o autor. O especialista, se quiser, que
continue a buscar suas interpretações.
MÁSCARAS
O subtítulo diz:
"Uma (Quase) Autobiografia". É que o escritor ilustra o seu próprio
texto (sem aspas) com abundantes frases soltas (já agora entre
aspas), livremente extraídas da obra pessoana. Cleonice Berardinelli,
na apresentação do livro, vai direto ao ponto: "Essas aspas
funcionam como uma espécie de nova máscara, desta vez aplicada à
face do autor deste novo livro". O que temos, então, nem "auto" nem
"quase auto". Trata-se apenas de uma biografia, gênero híbrido em
que a têmpera do biógrafo às vezes rivaliza com a do biografado,
quem sabe para reforçar a homenagem.
CARLOS FELIPE
MOISÉS é professor de literatura da USP e autor de "O Poema e as
Máscaras" (1981), "Fernando Pessoa: Almoxarifado de Mitos" (2005) e
"Conversa com Fernando Pessoa" (2008), entre outros livros
FERNANDO PESSOA: UMA QUASE AUTOBIOGRAFIA
AUTOR José Paulo Cavalcanti Filho
EDITORA Record
QUANTO R$ 79,90 (736 págs.)
AVALIAÇÃO regular
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