Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

 

Francisco Carvalho


 

Brasília ou os Mitos perfeitos

 

Desde 1960, há 45 anos portanto, Joanyr de Oliveira ancorou sua nau na imensidão do planalto de Brasília, onde tem desenvolvido intensas atividades literárias, nos domínios da poesia, da crônica e da ficção. Sem falar na organização de várias antologias, dedicadas à celebração da metrópole que o acolheu.

A produção intelectual de Joanyr de Oliveira espraia-se em muitas direções, e sempre se distingue pela competência e qualidade. Sua vasta obra poética obteve repercussão nacional, sendo considerada atualmente “um patrimônio da cultura brasiliense e brasileira” (Jason Tércio). Nos vinte e um poemas de sua mais recente coletânea, sob o título de Biografia da Cidade, enriquecida com magníficos ensaios fotográficos de Ivaldo Cavalcante, sobre facetas antológicas de Brasília, o poeta revela-se apaixonado pela cidade dos arcos e dos trevos, dos eixos e dos verdes, do “Lago/ sobre as redes do tempo,/” das águas que refletem “prédios e faces/ descarnadas e leves”. Neste mesmo poema, de 1988, uma síntese perfeita da metrópole, que ainda hoje seduz as “retinas fatigadas” dos brasileiros e alienígenas que a visitam: “Águas e mais nada:/ só os mitos perfeitos/ e os sonos pesados/ de edifícios e peixes” (p.37).

Biografia da Cidade é uma antologia de poemas em louvor de Brasília, escritos em ocasiões diversas pelo poeta Joanyr de Oliveira. Mas em todas essas produções existe uma unidade perfeita. O ritmo dos poemas como que se entrelaça ao ritmo do tempo. Se não estivessem datados, o leitor teria sobradas razões para acreditar que estes cantos foram escritos sob a égide do mesmo impulso criador, à maneira do longo poema O Guardador de Rebanhos, que Fernando Pessoa teria escrito de uma só vez.

“Cidade aberta: uma rosa!”. Este verso do poema Pórtico (p.49) é uma visão emblemática do poeta, que ama a cidade, que lhe conhece segredos e magias, os vastos espaços que a circundavam de nuvens brancas e coloridas, dos crepúsculos que semeiam coivaras nos entardeceres de Brasília. Nas entrelinhas desta autêntica lírica urbana, o poeta redescobre a engenharia das palavras, reedifica a cidade amada na plasticidade da linguagem poética, na limpidez sinfônica da pura musicalidade: “Reedifico a cidade./ Suas artérias, suas sinfonias/ subterrâneas./ Seus mares extintos/ na memória./ O milagre de suas mãos/ aquáticas./ Suas tímidas cantigas/ como fontes, no chão” (p.53). Nesta mesma atmosfera de benquerença, o poeta nos fala da beleza e dos encantos com que a cidade lhe acaricia os sentidos: “As conchas dos olhos/ recolhem a cidade recém-vinda/ das réguas, das pranchetas” (p.54).

Este breve registro toca apenas de leve nos méritos da poesia madura de Joanyr de Oliveira. De resto, trata-se de poeta largamente conhecido em todas as esferas da intelectualidade brasileira, no âmbito da área acadêmica ou fora dela. Sua pa(lavra) poética, distinguida com prêmios literários do maior significado cultural, já transpôs as fronteiras da tribo, com repercussão exponencial em vários outros países do Ocidente. A intensidade de seus cantos roça por vezes os lindes do épico: “Canto os trevos. E neles canto o verde/ dos burocratas exatos,/ deferidos,/ cronômetros nos punhos e nas frontes,/ essas férreas formigas quotidianas”. Retrato mais que perfeito da burocracia emplumada de um país governado pela retórica da hipocrisia e a mesmice dos carimbos.

De inteira justiça ressaltar o que se contém no apêndice do livro: uma Síntese Histórica de Brasília, ao longo da qual o autor enumera ilustres personalidades do passado e do presente que tiveram influência decisiva, por manifestações verbais ou por atitudes concretas, no processo de transferência da Capital do Brasil para o planalto central. Entre essas personalidades, destacam-se os arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, além de grandes expoentes da cultura universal que visitaram Brasília, a convite do presidente Juscelino Kubitschek, nos primórdios da fundação da Capital. Tem, assim, o leitor uma visão poética e histórica da urbe planaltina, saída das pranchetas dos arquitetos e das mãos calosas dos candangos, que transformaram sonhos e desenhos em realidades arquitetônicas.
 

 


 

Joanyr de Oliveira

Leia Joanyr de Oliveira

 

 

 

 

 

04.11.2005