Frederico Carvalho
Alfênsio Patada
Chamavam-lhe Alfênsio Patada.
Alfênsio porque seu pai andara lendo O
Minotauro, de Monteiro Lobato; ficara com a cabeça cheia de nomes da
Mitologia e achara que Alfênsio era nome grego.
Patada? Bem. Patada desde o dia em que
um bandido se engraçara e tentara agredi-lo. O malfeitor levou
tremendo murro; voou-lhe um incisivo e a mandíbula se partiu em dois
pedaços. Ficara com o apelido de Alfênsio Patada, dado-lhe pelos
demais policiais.
Não era violento. Parecia um boi:
lento, parado, dotado de extrema força física. Era o que se chamava
de “armário”, quase dois metros de altura e cento e vinte quilos de
músculos bem distribuídos. Impunha-se, junto ao marginal, quase que
exclusivamente pela sua presença. Tinha uma arma, Walter 7.65, mas
quase nunca precisava usá-la.
Viera da capital. Dizia que estava
aparecendo muitos delegados mulheres, e ele não gostava disso: dizia
que Força Policial era para homem e que podia se impor sem usar
arma.
Praticava tênis e, apesar de seu tipo
físico grandalhão, conseguia jogar bem.
— Alfênsio Patada, vamos ter um
campeonato de tênis de toda a Polícia do Estado. Já inscrevemos você
e queremos a taça para nossa cidade.
Alfênsio limitou-se a sorrir e a
balançar a cabeça afirmativamente. Às vezes ficava tão lento e
parado que parecia estar ruminando.
E o campeonato começou. E Alfênsio
derrotou os seus companheiros locais. E Alfênsio foi para o
regional, derrotou a todos:
parecia não haver adversários. Foi campeão regional. Reuniram-se as
regiões, não foi tão fácil mas Alfênsio conseguiu se sair campeão do
interior.
— Que bela medalha, Alfênsio! Campeão
do interior da Secretaria de Segurança Pública, modalidade tênis de
quadra.
Alfênsio sorria, tirava a medalha lentamente e mostrava a todos,
orgulhoso. Quando a rádio local o entrevistou e pediu que falasse
alguma coisa, esboçou apenas:
— A medalha não é minha! E de todos os
rapazes do Distrito.
— E agora, Alfênsio?
— Agora é jogar com o campeão da capital para tentar ser o campeão
de todo o Estado.
— Você conhece o campeão da capital, Alfênsio? Ele é bom? É
detetive? Dizem que é delegado.
— A única coisa que sei é que é delegado. Seja quem for, estamos aí.
— Você preferia jogar aqui ou na capital?
— Quadra é quadra — respondia orgulhoso —, é tudo igual.
Chegou o dia da grande pugna. A condução atrasou, e só à última hora
Alfênsio foi conhecer o adversário: era uma delegada de nome
inglês, branca, longilínea, pernas finas e pescoço comprido. Com sua
blusa e shorte brancos, na quadra, batendo bola para o aquecimento,
estava parecendo mais uma ave pernalta que uma delegada que jogasse
tênis. Alfênsio virou-se para seus companheiros que o acompanhavam e
falou:
— Vai ser mole!
Com a chegada do secretário de Segurança e do Chefe de Polícia
civil, que vieram prestigiar o evento, começou a peleja.
A delegada Mary Kinston fazia um jogo de fundo de quadra e a peleja
estava no maior equilíbrio com ligeira vantagem para Alfênsio. A
torcida se dividia: o secretário de Segurança parecia torcer para o
sexo frágil — e em relação ao adversário era bem frágil mesmo — e o
Chefe de Polícia torcia por Alfênsio.
Tudo estava em seu equilíbrio e a delegacia, que já havia lançado
umas cinco ou seis bolas bem no fundo da quadra, lança agora uma
bola curta junto à rede. Alfênsio dispara como um bólido; ou talvez,
agora, como um touro que estivesse participado de um estouro de uma
boiada e entrasse como um aríete demolidor para dentro do ginásio.
Alcança a bola e fecha o “set”. Desafortunadamente, no esforço da
arrancada brusca e sendo seus músculos mais adaptados a movimentos
lentos, sente uma fisgada na face posterior da coxa direita.
Terminado o “set”, repouso, águia gelada, toalhas, comentários...
descansou e passou-lhe a dor da coxa.
Voltam ao embate. A senhora Mary continuava sacando bolas longas no
fundo da quadra. Alfênsio devolve bem todas elas. Mary Kinston lança
uma curta. Novamente Alfênsio explode em corrida louca. Desta vez
sente toda a sua musculatura da coxa, já previamente lesada,
esgarçar-se como se mãos gigantes a tivessem estirado. Atabalhoa-se
e cai junto a rede. A dor é lancinante. Desmaia. Alguns segundos
depois volta à consciência. Abre os olhos e vê, junto à rede um
pescoço longo e branco, dois olhos azuis e meigos e cabelos em
cachos, que lhe pergunta:
— O senhor está bem? Precisa de alguma coisa?
Alfênsio não pode continuar e perdeu a partida. Perdeu também a
glória de ser campeão da Secretaria de Segurança Pública. E pasmem,
senhores, para uma mulher... branca e comprida como uma inglesa. Alfênsio perdeu também a idéia de que mulher policial tem que ter
força física.
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