Andréa Santos
Uma explicação do autor dos panfletos:
Gosto de fazer coisas. Por último,
tenho feito panfletos. Cinco, até aqui. Mando-os para os amigos e
recém chegados ao JP.
Mandei-os para a escritora Andréa
Santos. Inicialmente, ela me respondeu que estava a escrever sobre
eles. Hoje, 7.6.2007, manda-me o texto completo. Quase tese. Tese,
aliás.
O pior - ou o melhor - é que já estava
eu quase desistindo dos panfletos em prol de um livro de tipografia,
rearrumando meu primeiro livro, Psi, a Penúltima (esgotado), numa
segunda edição ou, um pouco mais de esforço, trazer, até que enfim o
Salomão, o tal livro sem fim que já vai para mais de dez anos. Pois
bem, com o augusto texto de Andréa Santos, chego à conclusão de que
os panfletos vão virar livro.
Um livro leve. Para distribuir
gratuito com os amigos. Para receber os recém-chegados ao Jornal de
Poesia. A mensagem em papel que só o papel e tinta, carteiro tocando
a campainha, com o respectivo envelope, endereços, selos, carimbos,
tudo físico, coisa de pegar e guardar, podem dar.
Quer o leitor ganhar o seu? Basta
mandar o endereço. Se gostar, mande o endereço dos seus amigos.
O texto de Andréa Santos
demonstra-nos que a Literatura é possível.
Soares Feitosa
A Experiência Humana entre o Realismo
Mágico
e Imediato
em
Soares
Feitosa
Por Andréa Santos
(...) Percorre-a indefinidamente, sem transpor jamais as fronteiras
nítidas da diferença, nem alcançar o coração da identidade. '' —
Foucault
[2]
“O poeta, se Poeta for, não tem
geração, posto que gerado de dentro da terra, desde os tempos,
gerando o seu próprio tempo, continuando-o, mãos sobre mãos, nesta
ciranda mágica, o Conhecimento, o Homem, a partir do dia em que
descemos das árvores, até o dia em que este planeta glorioso
submergir nas trevas da entropia. Pergunte a Dante.” – S. Feitosa.
Uma Introdução:
Era uma vez, um olhar
inexperiente para observar algumas paisagens. Esse olhar era o meu
em contemplação a escrita de Soares Feitosa: primeiramente, uma
escrita bem nordeste, com as alegrias e as dores que somente um
nordestino pode descrever. Em segundo plano, essa escrita vem
chegando devagar, devagaaaaar, d-e-v-a-g-a-r... atingindo níveis
universais que apenas um poeta tem. Ao ler os mini-livros (“Um
Cronômetro para Piscinas, Do 4º Panfleto, Minha Versão, Estudos e
Catálogos – Mãos, Um Quadro, suas Versões ao Passado”), observei uma
construção editorial singela. Dei de cara com um arco-íris de
palavras, com um “convite à saudade”. Um release que pronunciava
cores em equilíbrio com a escrita soariana – um equilíbrio sutil e
inigualável, diga-se de passagem.
Mas, é separada das idéias
a respeito da complexa teia de relações que se afronta sobre a
narrativa e a poesia moderna e pós-moderna que venho escrever meu
convite “do belo belo”, pois, é desde o final do século passado, que
se discute o que é texto literário hoje – uma discussão por vezes
calma, por outra atordoada e, por fim, colaborativa. A verdade é que
criamos uma imensidão de modelos para se expressar, os libretos
soarianos é uma adaptação cinematográfica de presepadas ou
algazarras no melhor dos sentidos. Eles justificam, por si só, uma
observação analítica e sagaz para identificar os efeitos da escrita
e também dos mecanismos de profundidade que estão na sua origem.
As narrativas, as poesias,
as fotografias, os depoimentos, tudo são instrumentos fecundantes
que permitem um olhar comparativo entre o que é a literatura e como
fazê-la hoje – um sistema semiótico diverso e livre, regulado por
códigos de diversas naturezas – é certamente na nova influência
narrativa de Soares Feitosa que rege, não tanto enquanto finalidade
em si mesma, mas, principalmente, enquanto reprodução intransferível
de toda ação estética-comunicativa cuja disposição mostra a captação
do fluxo temporal como seqüencialidade causal e significativa.
Palavras —
peçam-nas aos senhores advogados, para
requerer;
aos protocolos, para encrencar;
fórmulas, aos senhores engenheiros,
peçam-nas;
letras, aos senhores médicos,
grafia ruim, dizem, que ninguém
entenda;
ao poeta,
o gesto;
no máximo, a sílaba...
ou, melhor,
o silêncio,
explosivo e indisfarçável silêncio,
amor.
Botão e rosa:
róseo ou rubro,
o
convite à flor.
Em Francisco José Soares
Feitosa (o advogado, por profissão e poeta, por vocação), vê-se uma
profunda abordagem narrativa a qual sublinho a natureza poética (ou
pré-poética) da prática determinada enquanto dimensão do ato humano,
e assegurando ser este o fator que afirma o entendimento do
sobrenatural literário nos livretos. Neste sentido, o conjunto da
obra pode ser considerado como organização construtora de
experiências humanas. Agora, a criação literária, tal como as
ilustrações e depoimentos, mostra-se campo singular desta revelação,
lugar onde emerge e forma corpo ao movimento imparável e
transformador aos conceitos da criação literária. Coloca-se como uma
instituição dialética e, ao mesmo tempo, condicionante existencial,
na sua dupla vertente do tempo e da objetividade real.
Analisando o projeto “Do
Quinto Livro”, seus elementos formam uma narração curta-metragem,
uma proposta concreta. O entretempo funciona como alimento dos fatos
e da visibilidade dos comentários, um condicionante da sua expressão
narrativa. É instigante a nós o interesse – ora latente, ora
expresso – que a escrita “Do 5º livro” manifesta pela
maneira
literária, um curioso nascimento que provoca fascínio pelo mundo
possível onde a literatura constrói, onde o tempo e o espaço se
visibilizam na seqüência dos eventos e na corporação das personagens
envolvidas. O livro opera o panorama da intuição imaginária à
percepção sensível como todas as conseqüências que dele pode advir.
É importante salientar que
a literatura, hoje, sintetiza o desejo dessa adição semiótica, há
uma necessidade quase que imperativa de corporalizar os conceitos
verbais na materialização da percepção. E ajunto: não são os
conceitos apenas que aspiram a esta concretização, mas também (ou,
sobretudo) as experiências descritas pelos leitores, a riqueza
conotativa das imagens que esta edifica, e principalmente a sugestão
desse processo ativo e transformador visível nos fluxos temporal e
editorial, de que os acontecimentos narrados são rosto.
Um Cronômetro para Piscinas
“A poesia requer palavras, vozes, sons
que trabalharão o ouvido externo, o ouvido médio e o ouvido interno.
(Fiquem muito claro, por favor: palavras só não bastam à boa
poesia!...)” – S. F.
Aqui, S. Feitosa com seus amigos nos põe um longo caminho no campo
discursivo da literatura geral (inclusive o escritor Paulo Coelho
é comentado), porém a poética é presente. Um caminho denso e
vigoroso, mas que raramente vem à tona no palco da literatura atual
- incluindo a brasileira-, visto que ele habita em estado
nordestino, fora do eixo-comercial-“literário”: Fortaleza. Não
obstante, o Jornal da Poesia para favorecê-lo em visibilidade.
O editor do Jornal da
Poesia é um narrador/poeta que soube construir, por meio de um olhar
atento e voltado aos fenômenos da alma e do espírito, uma poética
universal a qual transcende as fronteiras geográficas (como se pode
ver nas amizades) projetando um itinerário arquétipo que se situa no
Ser Humano entre os pólos que, por sempre, caracterizam-na
ontologicamente entre o peso e a leveza, a obstinação e a visão, a
fragilidade e a vivacidade. A linguagem, aqui, não revela unicamente
a luminosidade do mundo, mas ela alude também os seus aspectos não
inexplicáveis.
Neste sentido, “Um
Cronômetro para Piscinas” peregrina temas líricos os quais circundam
o mundo, porque consideramos o mundo como sendo contraditório,
áspero e dulcíssimo ao mesmo tempo. Neste universo apocalíptico e
profético dos textos, a natureza é mensageira, ora protegendo, como
“as formas serão por mim, uma a uma, completadas”(a),
ora transformando–se em um ente minaz, onde nascem “em rosto, bem na
direção aos tiros...”(b), “um olhar tão doce e
gentil, que imediato, lancei-lhe a desistência” (c),
e “até hoje, voando! - gritaram lá de longe”(d).
Poesia. É nesta ambivalência da natureza humana que responde a
evolução do olhar do eu-lírico, onde na orquestra dos comentários
vem o desnudamento do mundo aos nossos olhos.
É evidente que a estética
escolhida, aqui, por Soares Feitosa apresenta aspectos
característicos da tradição nordestina. A visão do mundo são “vivaz”
e “frágil” onde a soma da escrita soariana e os depoimentos nos
recordam as molduras cinematográficas de Guel Arraes, a letra/música
de Luiz Gonzaga, o teatro de Ariano Suassuna, as esculturas de
Brennand, assim o sentimento geral no livro exala originalidade,
marcada pela globalização, porém humana, e não consumista. As
poesias incitam-nos ao neo-simbolismo pelo uso da língua e das
figuras - usuais enquanto poética, mas surpreendentemente
construídas em nome da vida.
Os tijolos, eu os amassarei com os meus pés.
(e)
E todos os desenhos eram prévios.
Até mesmo o gesto:
Pegar uma xícara, coisas banais,
Riscar um risco, o dizer que sim,
Levantar da cadeira; eram prévios
Todos os desenhos. (...)
Agora, este triturador de papel.
(f)
Do 4º Panfleto
Aqui, temos a urgência da
expressão humana inovadora, a apropriação do real e do fantástico
para criar um mundo consistente com a redescoberta da profundidade
humana, ou melhor, um mundo à medida humana. Surpreende-nos então
com “o mar, brutalmente mar”, com “elas, as mãos” que com sua magia
nos acaricia a vida. Neste “panfleto” que respira lirismo, o autor
salienta questões relativas à nossa definição ontológica sem dá-nos
uma resposta definitiva. A única bússola capaz de orientar-nos nas
poesias são os signos e, a priori, o impacto do sentimento estético,
pois, a felicidade que nasce da leitura é ligada ao sentimento de
algo que, na poesia, fala profundamente de nós.
Nas poesias “Uma canção
distante”- “On-Line”- “Não é aqui não”- “Penúltimo canto, a dúvida”,
o significado não se detém sobre si, nem pelo título; mas procura
outras acepções que estão à margem da moldura escrita, fugindo assim
da gratuidade e da sobreposição de imagens com as quais saltam
cotidianamente na nossa escrita.
Suave como o entardecer, houvera
Um tempo,
E agora, ali, distante, a ela,
disse-lhe
[as mãos estavam frias]
(...)
Volúpia maior:
A invasão da pélvis, os humores – e o
líquido.
Em bolsa rasgada,
Uma respiração ofegante,
Como se todos os deuses
De tuas narinas respirassem – aonde vais nesta fúria?
(g)
Uma resposta,
Em boa resposta sendo, tem que ser
mais
Rápida do que sacar
Uma arma: a faca, o cacete, o varapau,
O disparar do alçapão, do estilete,
Do espinho, ou da tarrafa de pegar
O peixe, e roubar
A idéia no ar;
Que também pelo silêncio
Uma indignação silenciada pode ser.
(h)
Esta realidade que
transcende o habitual, que instala o olhar do poeta com uma surda
vivissecção, é apurada quase cientificamente; porém, o fato de
descrever uma realidade que vem apercebida como crua, faz com que as
construções poéticas soem autênticas, também se exasperante nos
instantes em que o olhar disseca com clareza a palavra e seus
significados.
Que os meus dedos aos lábios,
De uma mão perfeitamente trêmula,
Cantam uma canção distante:
Silencio.
(i)
O poeta mostra um manuseio
muito sensível das imagens, que nos capturam e prende graças a uma
atmosfera mais ou menos viva e citatória. Sendo assim, evidencia-nos
que sabe dá cortes incisivos, repentinos, cruas idéias as quais
testemunham uma liberdade criativa. E o que fortalece a surpresa
agradável desta escrita é a certeza que a coragem que a cruza
resulta de uma procura pessoal consciente. Os versos e as prosas
soarianas não são poesias “botão a botão”, mas versos cujas sombras
cruzam a realidade entre reformar a natureza e os seres humanos em
“uma pequena aula de música”, porque coloca a prova um argumento
cego localizado atrás da retina.
Minha Versão
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era cão,
Não era um gato,
Não era um homem.
O
bicho, meu Deus, era um homem.
Aqui, o poeta nordestino
pode simbolizar a fase posterior da literatura regional dos anos
‘900. Em verdade, a prosa e a poesia são caracterizadas por uma
forte impressão pessoal que abre novos horizontes na lírica. A sua
escritura transforma-se em rica com as contribuições mais variadas
da modernidade, estando especialmente definida no uso privilegiado
do aspecto plástico e simbólico da palavra, assim como na escolha do
ritmo que se serve do texto para introduzir reflexões de líricas e
de múltiplas leituras.
Conversando com os olhos
da menina afegã, com Prosac e José Saramago, Soares Feitosa revista
caminhos poéticos e geografias afetivas, percorridas no passado por
autores precursores; agarrar-se a uma memória que se (re)constrói, à
parte como um mosaico, uma monção. A idéia de origem, seja esta
relativa ao percurso literário, seja relativo à nordestinidade,
constitui um dos temas constantes do trabalho soariano e assume
importância relativa de um espaço onde se pode reconhecê-lo. Um
espaço umbilical, também fragmentário, múltiplo, em mutação
constante, como se recitassem estes versos:
(...)Um dia de tarde, aprontou a tábua em cima da pia
da cozinha e disse que estava a fazer alfenins. Antes que nos
cheguem os alfenins, chega-nos o puxa, e todo mundo sabe disso.
Água, a tábua molhada. E, sobre a lâmina d’água, o mel fez-se véu e
torrente. Quase quente. Acalmou-se, tomando forma de coisa que
espalha e preenche. (j)
Pois nem só de pão vive o homem
Há que ter pão, do céu,
Ao espírito;
Há que ter pão, em cima da mesa,
Aos escolhidos;
Há que ter pão, debaixo da mesa,
Aos enjeitados;
Sempre existirão pobres convosco,
Migalhas a Lázaro;
Ao banquete, as libações:
(l)
Neste contexto intertextual a palavra é acolhedora, toma
corpo na atmosfera de seca, mas, a um só tempo renasce com
vitalidade. A singular escrita revela o laço de profundidade do
autor com sua natureza “cabra-da-peste” como o desejo de transformar
uma lembrança (ou idéia) em algo vivo e vibrante como a linguagem:
“o bucho do compadre, negro, branco como uma mão-de-cal, a madrinha
já lhe lambuzara o álcool. No pé, também duas gotas. Eram vermelhas.
Explodidas de sol e brilho, mas eram morte.”
(m)
A letra de Soares Feitosa
é ação constante de dois pilares essenciais: demonstração de uma
atmosfera originária, inicial, sempre atual, em concordância com
suas múltiplas facetas de origem natural e literária. Em segundo
plano, há uma tendência forte à interrupção, ao salto, àquilo que
acontece com a imagem, àquilo que ela traduz: MINHA VERSÃO, um
título que evoca sua experiência e consciência de uma viagem que não
pode ser adiada.
Entre as perguntas
reflexivas “o que o tempo quer de nós?”, “Mãe, tem, verdade, lá no
céu, tem pão”? - resta ao leitor o estímulo para cruzar a vida, a
angústia, a pobreza, o Homem que vivem neste poeta que renova com
originalidade extrema a comunicação entre criador e criatura.
Estudos & Catálogos – Mãos
“Este é o privilégio da atividade artística: o que ela produz até
mesmo um deus deve muitas vezes ignorar.” - Maurice Blanchot
Qual seria o possível
interesse do poeta em escrever “Estudos Catálogo - Mãos?” Por que
fazer das mãos personagem entre mundos? Quem sabe, para melhor
compreendermos a vida! Estas linhas em destaque nos falam: “poeta
Virgilio, creia-me, o catálogo das mãos é inesgotável porque as mãos
dos novos hão de garantir as nossas mãos. Por sobre. Sempre por
sobre, que assim tem sido.” A escolha dela como personagem é
clara: ela é sempre fronteira que anuncia a edificação das épocas
entre o homem e os homens (história e histórias). A verdade, é que
ao narrar o percurso da vida, o autor faz da narrativa um espaço de
constantes interrupções e apropriações territoriais, sinalizando um
conflito dialético.
O poeta descreve, com
exatidão, uma odisséia, onde “as mãos é que já nasciam talhadas à
pedra”, comprova a essência e sua passagem na vida. Essa narrativa
sintetiza alguns dos fundamentais componentes recorrentes os quais
assinalam a expressividade nordestina, característica da escrita
soariana, a exemplificar, as constantes trocas dentre o tempo
(fluidez espacial) e a rigidez da existência humana. Ou melhor, o
caminho das mãos é de aprendizado, mas extremamente acidentado,
tendo como principal particularidade o próprio movimento e a
restituição dos componentes percebidos pelos versos ao longo da
odisséia. Em sua eloqüente participação, esta personagem cruza
inúmeros obstáculos, inclusive a de descrever outras mãos.
Paralelamente ao fluxo dela, a narrativa desenha uma via de antigo e
novo, de sede e areia, de vida e morte evidenciando a harmonia (ou
desarmonia) compasso que acompanhará todo o trajeto:
“O vaqueiro havia de ferrar, ele
mesmo, a sorte.”
“Os modelos da Ferrari, o catálogo de
todos os filmes, o relato completo das grifes de marca, sabe-os
todos, meu jovem? Pois sabíamo-los aos ferros, os nossos ferros. E
berros.”
“Ah! O catálogo das águas?! Aquele
cavar, escolher onde cavar, recavar (porque tudo que um dia eu cavo
a cheia vem e entope).”
Ela
(mãos) está inocente, mas saberá desembrulhar seus mortos.
Por fim, a odisséia das
mãos deixa sinais indeléveis. Ao longo de sua jornada, passa da
pedra à informática, das artes menores aos literários, tudo tem lá
sua respectiva fase. Todos esses são ciclos que as mãos apre(e)ndem
ao acompanhar lado a lado os caminhos intervalares onde “há de ter
sorte para abrir um livro”, “um lance de mãos” que acompanhe até seu
destino maior: o futuro! Fazendo ainda daquilo que ela constrói no
seu percurso experiências suficientemente para operar como
sintoma/diagnóstico de vidas; transformando num ponto consonância de
experiências distintas, que fazem com que ela anuncie e denuncie
tudo o que viu e abraçou.
Um Quadro, sua versões ao passado
Pousa amor, te esbalda na cavilha
deste peito-pulso
que pulso de pulsar te estremece:
(...)
Deixa-te cair neste infinito-agora
Dorme, amor, sossega.
O conto de Teófilo e Hanna
é construído através de uma escrita incessante de mediações entre
tendências opositivas. A um olhar especial, a sua característica
fundamental está nos constastes, que coabita de uma alta
concentração de acento lírico-simbólico com um andamento reflexivo,
e porque não discursivo. O autor limita-se a enunciar uma situação
paralisada nas suas possibilidades de desenvolvimento dinâmico.
A visão é o núcleo das
acepções. Foi no olhar que toda verdade transformou-se num fantasma,
numa luz, numa procura e, por fim, num sonho. Na imagem de Hanna,
Teófilo projetou-se, alienou-se na figura dela que lhe mostrava sua
platônica existência. A fotografia era a representação justa de uma
bela mulher sem época.
Por fim, a pintura de
Allan R. Banks é e a narrativa de Soares Feitosa, juntas, são um
fruto a inquietação existencial nunca totalmente satisfeita do
homem. Neste sentido, a narrativa se estrutura como um todo
orgânico, manifestando capacidade estética e comunicativa que chama
o leitor a uma necessária tomada de posição. Tal fato favorece-nos
ao desejo de reescrevê-las (fotografia e narrativa), como um
fenômeno que nasceu da experiência de uma identificação estética com
o conteúdo da obra.
Conclusão
Ir, ir, ir, ir de vez!
Todo o meu sangue raiva por asas!
Todo o meu corpo atira-se pra frente!
Todo o meu corpo atira-se pra frente!
Galgo pela imaginação fora em
torrentes!
Atropelo, rujo,
precipito-me!...
Estoiram em espuma as minhas ânsias
E a minha carne é uma onda dando de
Encontro a rochedos!
A curiosa intimidade de
relações e influência entre as prosas e as poesias é sinal da
operabilidade e fecundidade do enlevo mútuo de dois meios
expressivos (a escrita e a imagem), transformado em material
criativo a múltiplas leituras. Primeiramente, devido ao modo
temporal que é verificado nos textos como dimensão essencial da
escrita (literária expressionista ou fotográfica), manifestando
atenção comum à representação cronológica e verbal, sempre marcada
pela presença quase física de um destino, de uma transcendência em
ação matizada por uma quebra sintática. Aproveitando a pertinência
aproximativa das escritas, ensaiei aqui uma perspectiva dual,
partindo da criatura ao criador, procurando observar igualmente as
relações internas e dialógicas entre elas.
Em “A menina Afegã”, “No
céu tem Prozac”, “Um quadro, suas versões ao Passado” é visível à
adaptação fotografia como um acontecimento de interpretação e
leitura, materializado na realização da palavra em cuja vida se
manifesta num diálogo dinâmico e permanente com a criação e a
interpretação do leitor.
Por meio da similitude da
construção sintática nos textos é simbolizada uma singular visão do
mundo operada pela assimilação e reinterpretação da gramática e da
matéria de expressão verbal. Tal processo evidencia-se através de um
conjunto de intervenções dos diferentes elementos e níveis que fazem
à obra literária, de modo a constituir uma nova linguagem, que, sem
deixar de manifestar a sua autonomia criativa e a sua unidade,
revela uma relação semiótica e estética com um universo que lhe é
prévio.
Por fim, deixo as palavras
de Ricardo Reis a refletir esta literatura:
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha porque alta vive.
Nascida em Parintins (Amazonas). É licenciada em Letras.
Tradutora, ensaísta, professora de Literatura e pesquisadora
da Literatura Americana - e de escritores
afro-americanos; publicou entre outros: Imagens
Femininas Negras de Toni Morrison [Ed. FASA, Recife,
2000]. Como professora, destacou-se com a produção da
oficina textual A importância da leitura Contextualizada
implantada em algumas escolas e também na Universidade
Católica de Pernambuco (pelo departamento de pedagogia).
Como ensaísta, recebeu o prêmio TAP: Redescobrimento o
Brasil aos 500 anos [Ed. Record, Rio de Janeiro, 2000]
avaliado pela ABL e distribuído no Brasil e em Portugal. Nas
revistas Calibàn (Ed. Calibàn, Rio de janeiro, 2001), Il
Portolano (Ed. Polistampa, Firenze, Itália), sites-revista
Etcetera, Popbox, El Muro Cultural (Argentina) dentre outros
se podem encontrar seus ensaios, traduções, contos e
poesias.
Foucault, Michel. As palavras e as coisas. Uma arqueologia
das ciências humanas, Martins Fontes, 1985.
Soares
Feitosa - Convite à Flor.
Caravaggio – San Gerolamo
escrivão.
a, e- Architatura (poesia) / b,c-
Um cronômetro para piscinas/ d Nos ii estes pingos ou
Da recaída cururuzeira (ambos os títulos são narrativas )/
f – Noites, dois excertos, 2º Excerto: Os desenhos
(poesia).
Os excertos aqui numerados são das seguintes poesias: g
– Não é aqui não / h – Penúltimo canto, a dúvida /i
– Uma canção distante.
Os excertos j/m são da narrativa A menina Afegã/ l
– No céu tem Prosac.
Álvaro de Campos, Ode Marítima. In: F. Pessoa - Obra
Poética.
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