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Andréa Santos


Poesia: 


Ensaio, crítica, resenha & comentário:


Contos:


Alguma notícia da autora:

Andréa Santos

 

 

Leonardo da Vinci,  Study of hands

 

Jorge Amado

 

 

 

 

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

Andréa Santos


 

Nota biográfica:

 

Andréa Santos, nasceu em Parintins. É formada em Letras. Atua como ensaísta literária e tradutora em sites culturais. Possui publicações em revistas como Calibàn, Etcetera, Nave da Palavra, Caffè Michelangiolo (Florença), El Muro (Argentina) entre outras. Publicou: Redescobrindo o Brasil aos 500 anos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000 (premiado pela ABL, distribuído aqui e em Portugal) e Imagens Femininas Negras, em Paraíso, de Morisson, Recife: Editora FASA, 2000. Atualmente, dedica-se à formação do livro: Antologia de Contos Italianos no Brasil.

 

Caravagio, Êxtase de São Francisco

 

 

 

 

 

 

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

Andréa Santos



Comentário sobre Estudos & Catálogos Mãos:


 

Andréa Santos

 

Caro Soares Feitosa,

Que tenhas um 2004 cheio de realizações!

Bem... Grata eu fiquei pela lembrança enviada (até porque nãoLeia Estudos & Catálogos - Mãos sei como conseguiste meu endereço). Li e reli as voltas do gado, das letras, dos sinônimos a moda céltica – mas sem as obscuridades, entretanto com a profundeza do homem de letras que és. Seus jogos de palavras me impressionam, afinal é só um prefácio, e a composição “cava” e “recava” com “ela” a curiosidade catingueira, as emoções que em algumas ocasiões somente as mãos podem nos dar.

Estudos e catálogos – mãos, chegaram-me em boa hora, pois pude catalogar com as minhas mãos a inexaurível fascinação pelas criações alheias e minhas.

Obrigada pela surpresa e vos confesso: espero mais!!

Andréa Santos.  

 

Titian, Venus with Organist and Cupid

 

 

 

 

 

 

 

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

Andréa Santos

 


Uma explicação do autor dos panfletos:

Gosto de fazer coisas. Por último, tenho feito panfletos. Cinco, até aqui. Mando-os para os amigos e recém chegados ao JP.

Mandei-os para a escritora Andréa Santos. Inicialmente, ela me respondeu que estava a escrever sobre eles. Hoje, 7.6.2007, manda-me o texto completo. Quase tese. Tese, aliás. 

O pior - ou o melhor - é que já estava eu quase desistindo dos panfletos em prol de um livro de tipografia, rearrumando meu primeiro livro, Psi, a Penúltima (esgotado), numa segunda edição ou, um pouco mais de esforço, trazer, até que enfim o Salomão, o tal livro sem fim que já vai para mais de dez anos. Pois bem, com o augusto texto de Andréa Santos, chego à conclusão de que os panfletos vão virar livro.

Um livro leve. Para distribuir gratuito com os amigos. Para receber os recém-chegados ao Jornal de Poesia. A mensagem em papel que só o papel e tinta, carteiro tocando a campainha, com o respectivo envelope, endereços, selos, carimbos, tudo físico, coisa de pegar e guardar, podem dar.

Quer o leitor ganhar o seu? Basta mandar o endereço. Se gostar, mande o endereço dos seus amigos. O texto de Andréa Santos demonstra-nos que a Literatura é possível.

Soares Feitosa   


 

A Experiência Humana entre o Realismo Mágico

e Imediato

em

Soares Feitosa

 

Por Andréa Santos [1]

(...) Percorre-a indefinidamente, sem transpor jamais as fronteiras nítidas da diferença, nem alcançar o coração da identidade. ''  — Foucault [2]

“O poeta, se Poeta for, não tem geração, posto que gerado de dentro da terra, desde os tempos, gerando o seu próprio tempo, continuando-o, mãos sobre mãos, nesta ciranda mágica, o Conhecimento, o Homem, a partir do dia em que descemos das árvores, até o dia em que este planeta glorioso submergir nas trevas da entropia. Pergunte a Dante.” – S. Feitosa.

 

Uma Introdução:

            Era uma vez, um olhar inexperiente para observar algumas paisagens. Esse olhar era o meu em contemplação a escrita de Soares Feitosa: primeiramente, uma escrita bem nordeste, com as alegrias e as dores que somente um nordestino pode descrever. Em segundo plano, essa escrita vem chegando devagar, devagaaaaar, d-e-v-a-g-a-r... atingindo níveis universais que apenas um poeta tem. Ao ler os mini-livros (“Um Cronômetro para Piscinas, Do 4º Panfleto, Minha Versão, Estudos e Catálogos – Mãos, Um Quadro, suas Versões ao Passado”), observei uma construção editorial singela. Dei de cara com um arco-íris de palavras, com um “convite à saudade”. Um release que pronunciava cores em equilíbrio com a escrita soariana – um equilíbrio sutil e inigualável, diga-se de passagem.

            Mas, é separada das idéias a respeito da complexa teia de relações que se afronta sobre a narrativa e a poesia moderna e pós-moderna que venho escrever meu convite “do belo belo”, pois, é desde o final do século passado, que se discute o que é texto literário hoje – uma discussão por vezes calma, por outra atordoada e, por fim, colaborativa. A verdade é que criamos uma imensidão de modelos para se expressar, os libretos soarianos é uma adaptação cinematográfica de presepadas ou algazarras no melhor dos sentidos. Eles justificam, por si só, uma observação analítica e sagaz para identificar os efeitos da escrita e também dos mecanismos de profundidade que estão na sua origem.

            As narrativas, as poesias, as fotografias, os depoimentos, tudo são instrumentos fecundantes que permitem um olhar comparativo entre o que é a literatura e como fazê-la hoje – um sistema semiótico diverso e livre, regulado por códigos de diversas naturezas – é certamente na nova influência narrativa de Soares Feitosa que rege, não tanto enquanto finalidade em si mesma, mas, principalmente, enquanto reprodução intransferível de toda ação estética-comunicativa cuja disposição mostra a captação do fluxo temporal como seqüencialidade causal e significativa.

Palavras —

peçam-nas aos senhores advogados, para requerer;

aos protocolos, para encrencar;

fórmulas, aos senhores engenheiros, peçam-nas;

letras, aos senhores médicos,

grafia ruim, dizem, que ninguém entenda;

ao poeta,

o gesto;

no máximo, a sílaba...

ou, melhor,

o silêncio,

explosivo e indisfarçável silêncio, amor.

 

Botão e rosa:

róseo ou rubro,

o convite à flor[3].

 

            Em Francisco José Soares Feitosa (o advogado, por profissão e poeta, por vocação), vê-se uma profunda abordagem narrativa a qual sublinho a natureza poética (ou pré-poética) da prática determinada enquanto dimensão do ato humano, e assegurando ser este o fator que afirma o entendimento do sobrenatural literário nos livretos. Neste sentido, o conjunto da obra pode ser  considerado como organização construtora de experiências humanas. Agora, a criação literária, tal como as ilustrações e depoimentos, mostra-se campo singular desta revelação, lugar onde emerge e forma corpo ao movimento imparável e transformador aos conceitos da criação literária. Coloca-se como uma instituição dialética e, ao mesmo tempo, condicionante existencial, na sua dupla vertente do tempo e da objetividade real.

            Analisando o projeto “Do Quinto Livro”, seus elementos formam uma narração curta-metragem, uma proposta concreta. O entretempo funciona como alimento dos fatos e da visibilidade dos comentários, um condicionante da sua expressão narrativa. É instigante a nós o interesse – ora latente, ora expresso – que a escrita “Do 5º livro” manifesta pela Caravagio, São Jerônimomaneira literária, um curioso nascimento que provoca fascínio pelo mundo possível onde a literatura constrói, onde o tempo e o espaço se visibilizam na seqüência dos eventos e na corporação das personagens envolvidas. O livro opera o panorama da intuição imaginária à percepção sensível como todas as conseqüências que dele pode advir.

            É importante salientar que a literatura, hoje, sintetiza o desejo dessa adição semiótica, há uma necessidade quase que imperativa de corporalizar os conceitos verbais na materialização da percepção. E ajunto: não são os conceitos apenas que aspiram a esta concretização, mas também (ou, sobretudo) as experiências descritas pelos leitores, a riqueza conotativa das imagens que esta edifica, e principalmente a sugestão desse processo ativo e transformador visível nos fluxos temporal e editorial, de que os acontecimentos narrados são rosto.

 

*    Um Cronômetro para Piscinas

“A poesia requer palavras, vozes, sons que trabalharão o ouvido externo, o ouvido médio e o ouvido interno. (Fiquem muito claro, por favor: palavras só não bastam à boa poesia!...)” – S. F.

            Aqui, S. Feitosa com seus amigos nos põe um longo caminho no campo discursivo da literatura geral (inclusive o escritor Paulo Coelho[4] é comentado), porém a poética é presente. Um caminho denso e vigoroso, mas que raramente vem à tona no palco da literatura atual - incluindo a brasileira-, visto que ele habita em estado nordestino, fora do eixo-comercial-“literário”: Fortaleza. Não obstante, o Jornal da Poesia para favorecê-lo em visibilidade.

            O editor do Jornal da Poesia é um narrador/poeta que soube construir, por meio de um olhar atento e voltado aos fenômenos da alma e do espírito, uma poética universal a qual transcende as fronteiras geográficas (como se pode ver nas amizades) projetando um itinerário arquétipo que se situa no Ser Humano entre os pólos que, por sempre, caracterizam-na ontologicamente entre o peso e a leveza, a obstinação e a visão, a fragilidade e a vivacidade. A linguagem, aqui, não revela unicamente a luminosidade do mundo, mas ela alude também os seus aspectos não inexplicáveis.

            Neste sentido, “Um Cronômetro para Piscinas” peregrina temas líricos os quais circundam o mundo, porque consideramos o mundo como sendo contraditório, áspero e dulcíssimo ao mesmo tempo. Neste universo apocalíptico e profético dos textos, a natureza é mensageira, ora protegendo, como “as formas serão por mim, uma a uma, completadas”(a), ora transformando–se em um ente minaz, onde nascem “em rosto, bem na direção aos tiros...”(b), “um  olhar tão doce e gentil, que imediato, lancei-lhe a desistência” (c), e “até hoje, voando! - gritaram lá de longe”(d). Poesia. É nesta ambivalência da natureza humana que responde a evolução do olhar do eu-lírico, onde na orquestra dos comentários vem o desnudamento do mundo aos nossos olhos.

            É evidente que a estética escolhida, aqui, por Soares Feitosa apresenta aspectos característicos da tradição nordestina. A visão do mundo são “vivaz” e “frágil” onde a soma da escrita soariana e os depoimentos nos recordam as molduras cinematográficas de Guel Arraes, a letra/música de Luiz Gonzaga, o teatro de Ariano Suassuna, as esculturas de Brennand, assim o sentimento geral no livro exala originalidade, marcada pela globalização, porém humana, e não consumista. As poesias incitam-nos ao neo-simbolismo pelo uso da língua e das figuras - usuais enquanto poética, mas surpreendentemente construídas em nome da vida.

Os tijolos, eu os amassarei com os meus pés. (e)

 

E todos os desenhos eram prévios.

 

Até mesmo o gesto:

Pegar uma xícara, coisas banais,

Riscar um risco, o dizer que sim,

Levantar da cadeira; eram prévios

Todos os desenhos. (...)

Agora, este triturador de papel. (f) [5]

 

 

*    Do 4º Panfleto

            Aqui, temos a urgência da expressão humana inovadora, a apropriação do real e do fantástico para criar um mundo consistente com a redescoberta da profundidade humana, ou melhor, um mundo à medida humana. Surpreende-nos então com “o mar, brutalmente mar”, com “elas, as mãos” que com sua magia nos acaricia a vida. Neste “panfleto” que respira lirismo, o autor salienta questões relativas à nossa definição ontológica sem dá-nos uma resposta definitiva. A única bússola capaz de orientar-nos nas poesias são os signos e, a priori, o impacto do sentimento estético, pois, a felicidade que nasce da leitura é ligada ao sentimento de algo que, na poesia, fala profundamente de nós.

            Nas poesias “Uma canção distante”- “On-Line”- “Não é aqui não”- “Penúltimo canto, a dúvida”, o significado não se detém sobre si, nem pelo título; mas procura outras acepções que estão à margem da moldura escrita, fugindo assim da gratuidade e da sobreposição de imagens com as quais saltam cotidianamente na nossa escrita.

Suave como o entardecer, houvera

Um tempo,

E agora, ali, distante, a ela, disse-lhe

[as mãos estavam frias]

(...)

Volúpia maior:

A invasão da pélvis, os humores – e o líquido.

Em bolsa rasgada,

Uma respiração ofegante,

Como se todos os deuses

De tuas narinas respirassem – aonde vais nesta fúria? (g)

 

Uma resposta,

Em boa resposta sendo, tem que ser mais

Rápida do que sacar

Uma arma: a faca, o cacete, o varapau,

O disparar do alçapão, do estilete,

Do espinho, ou da tarrafa de pegar

O peixe, e roubar

A idéia no ar;

Que também pelo silêncio

Uma indignação silenciada pode ser. (h)

 

            Esta realidade que transcende o habitual, que instala o olhar do poeta com uma surda vivissecção, é apurada quase cientificamente; porém, o fato de descrever uma realidade que vem apercebida como crua, faz com que as construções poéticas soem autênticas, também se exasperante nos instantes em que o olhar disseca com clareza a palavra e seus significados.

Que os meus dedos aos lábios,

De uma mão perfeitamente trêmula,

Cantam uma canção distante:

Silencio. (i)   [6]

 

            O poeta mostra um manuseio muito sensível das imagens, que nos capturam e prende graças a uma atmosfera mais ou menos viva e citatória. Sendo assim, evidencia-nos que sabe dá cortes incisivos, repentinos, cruas idéias as quais testemunham uma liberdade criativa. E o que fortalece a surpresa agradável desta escrita é a certeza que a coragem que a cruza resulta de uma procura pessoal consciente. Os versos e as prosas soarianas não são poesias “botão a botão”, mas versos cujas sombras cruzam a realidade entre reformar a natureza e os seres humanos em “uma pequena aula de música”, porque coloca a prova um argumento cego localizado atrás da retina.

 

*    Minha Versão

Vi ontem um bicho

Na imundice do pátio

Catando comida entre os detritos.

 

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

 

O bicho não era cão,

Não era um gato,

Não era um homem.

 

O bicho, meu Deus, era um homem. [7]

 

            Aqui, o poeta nordestino pode simbolizar a fase posterior da literatura regional dos anos ‘900. Em verdade, a prosa e a poesia são caracterizadas por uma forte impressão pessoal que abre novos horizontes na lírica. A sua escritura transforma-se em rica com as contribuições mais variadas da modernidade, estando especialmente definida no uso privilegiado do aspecto plástico e simbólico da palavra, assim como na escolha do ritmo que se serve do texto para introduzir reflexões de líricas e de múltiplas leituras.

            Conversando com os olhos da menina afegã, com Prosac e José Saramago, Soares Feitosa revista caminhos poéticos e geografias afetivas, percorridas no passado por autores precursores; agarrar-se a uma memória que se (re)constrói, à parte como um mosaico, uma monção. A idéia de origem, seja esta relativa ao percurso literário, seja relativo à nordestinidade, constitui um dos temas constantes do trabalho soariano e assume importância relativa de um espaço onde se pode reconhecê-lo. Um espaço umbilical, também fragmentário, múltiplo, em mutação constante, como se recitassem estes versos:

(...)Um dia de tarde, aprontou a tábua em cima da pia da cozinha e disse que estava a fazer alfenins. Antes que nos cheguem os alfenins, chega-nos o puxa, e todo mundo sabe disso. Água, a tábua molhada. E, sobre a lâmina d’água, o mel fez-se véu e torrente. Quase quente. Acalmou-se, tomando forma de coisa que espalha e preenche. (j)

 

Pois nem só de pão vive o homem

Há que ter pão, do céu,

Ao espírito;

Há que ter pão, em cima da mesa,

Aos escolhidos;

Há que ter pão, debaixo da mesa,

Aos enjeitados;

Sempre existirão pobres convosco,

Migalhas a Lázaro;

Ao banquete, as libações: (l)

            Neste contexto intertextual a palavra é acolhedora, toma corpo na atmosfera de seca, mas, a um só tempo renasce com vitalidade. A singular escrita revela o laço de profundidade do autor com sua natureza “cabra-da-peste” como o desejo de transformar uma lembrança (ou idéia) em algo vivo e vibrante como a linguagem: “o bucho do compadre, negro, branco como uma mão-de-cal, a madrinha já lhe lambuzara o álcool. No pé, também duas gotas. Eram vermelhas. Explodidas de sol e brilho, mas eram morte.” (m) [8]

            A letra de Soares Feitosa é ação constante de dois pilares essenciais: demonstração de uma atmosfera originária, inicial, sempre atual, em concordância com suas múltiplas facetas de origem natural e literária. Em segundo plano, há uma tendência forte à interrupção, ao salto, àquilo que acontece com a imagem, àquilo que ela traduz: MINHA VERSÃO, um título que evoca sua experiência e consciência de uma viagem que não pode ser adiada.

            Entre as perguntas reflexivas “o que o tempo quer de nós?”, “Mãe, tem, verdade, lá no céu, tem pão”? - resta ao leitor o estímulo para cruzar a vida, a angústia, a pobreza, o Homem que vivem neste poeta que renova com originalidade extrema a comunicação entre criador e criatura.

 

*    Estudos & Catálogos – Mãos

“Este é o privilégio da atividade artística: o que ela produz até mesmo um deus deve muitas vezes ignorar.” - Maurice Blanchot [9]

            Qual seria o possível interesse do poeta em escrever “Estudos Catálogo - Mãos?” Por que fazer das mãos personagem entre mundos? Quem sabe, para melhor compreendermos a vida! Estas linhas em destaque nos falam: “poeta Virgilio, creia-me, o catálogo das mãos é inesgotável porque as mãos dos novos hão de garantir as nossas mãos. Por sobre. Sempre por sobre, que assim tem sido.” A escolha dela como personagem é clara: ela é sempre fronteira que anuncia a edificação das épocas entre o homem e os homens (história e histórias). A verdade, é que ao narrar o percurso da vida, o autor faz da narrativa um espaço de constantes interrupções e apropriações territoriais, sinalizando um conflito dialético.

            O poeta descreve, com exatidão, uma odisséia, onde “as mãos é que já nasciam talhadas à pedra”, comprova a essência e sua passagem na vida. Essa narrativa sintetiza alguns dos fundamentais componentes recorrentes os quais assinalam a expressividade nordestina, característica da escrita soariana, a exemplificar, as constantes trocas dentre o tempo (fluidez espacial) e a rigidez da existência humana. Ou melhor, o caminho das mãos é de aprendizado, mas extremamente acidentado, tendo como principal particularidade o próprio movimento e a restituição dos componentes percebidos pelos versos ao longo da odisséia. Em sua eloqüente participação, esta personagem cruza inúmeros obstáculos, inclusive a de descrever outras mãos. Paralelamente ao fluxo dela, a narrativa desenha uma via de antigo e novo, de sede e areia, de vida e morte evidenciando a harmonia (ou desarmonia) compasso que acompanhará todo o trajeto:

“O vaqueiro havia de ferrar, ele mesmo, a sorte.”

 

“Os modelos da Ferrari, o catálogo de todos os filmes, o relato completo das grifes de marca, sabe-os todos, meu jovem? Pois sabíamo-los aos ferros, os nossos ferros. E berros.”

 

“Ah! O catálogo das águas?! Aquele cavar, escolher onde cavar, recavar (porque tudo que um dia eu cavo a cheia vem e entope).”

 

Ela (mãos) está inocente, mas saberá desembrulhar seus mortos. [10]

            Por fim, a odisséia das mãos deixa sinais indeléveis. Ao longo de sua jornada, passa da pedra à informática, das artes menores aos literários, tudo tem lá sua respectiva fase. Todos esses são ciclos que as mãos apre(e)ndem ao acompanhar lado a lado os caminhos intervalares onde “há de ter sorte para abrir um livro”, “um lance de mãos” que acompanhe até seu destino maior: o futuro! Fazendo ainda daquilo que ela constrói no seu percurso experiências suficientemente para operar como sintoma/diagnóstico de vidas; transformando num ponto consonância de experiências distintas, que fazem com que ela anuncie e denuncie tudo o que viu e abraçou.

 

*    Um Quadro, sua versões ao passado

Pousa amor, te esbalda na cavilha deste peito-pulso

 que pulso de pulsar te estremece: (...)

Deixa-te cair neste infinito-agora

Dorme, amor, sossega. [11]

            O conto de Teófilo e Hanna é construído através de uma escrita incessante de mediações entre tendências opositivas. A um olhar especial, a sua característica fundamental está nos constastes, que coabita de uma alta concentração de acento lírico-simbólico com um andamento reflexivo, e porque não discursivo. O autor limita-se a enunciar uma situação paralisada nas suas possibilidades de desenvolvimento dinâmico.

            A visão é o núcleo das acepções. Foi no olhar que toda verdade transformou-se num fantasma, numa luz, numa procura e, por fim, num sonho. Na imagem de Hanna, Teófilo projetou-se, alienou-se na figura dela que lhe mostrava sua platônica existência. A fotografia era a representação justa de uma bela mulher sem época.

            Por fim, a pintura de Allan R. Banks é e a narrativa de Soares Feitosa, juntas, são um fruto a inquietação existencial nunca totalmente satisfeita do homem. Neste sentido, a narrativa se estrutura como um todo orgânico, manifestando capacidade estética e comunicativa que chama o leitor a uma necessária tomada de posição. Tal fato favorece-nos ao desejo de reescrevê-las (fotografia e narrativa), como um fenômeno que nasceu da experiência de uma identificação estética com o conteúdo da obra.

 

Conclusão

Ir, ir, ir, ir de vez!

Todo o meu sangue raiva por asas!

Todo o meu corpo atira-se pra frente!

Todo o meu corpo atira-se pra frente!

Galgo pela imaginação fora em torrentes!

            Atropelo, rujo, precipito-me!...

Estoiram em espuma as minhas ânsias

E a minha carne é uma onda dando de

            Encontro a rochedos! [12]

            A curiosa intimidade de relações e influência entre as prosas e as poesias é sinal da operabilidade e fecundidade do enlevo mútuo de dois meios expressivos (a escrita e a imagem), transformado em material criativo a múltiplas leituras. Primeiramente, devido ao modo temporal que é verificado nos textos como dimensão essencial da escrita (literária expressionista ou fotográfica), manifestando atenção comum à representação cronológica e verbal, sempre marcada pela presença quase física de um destino, de uma transcendência em ação matizada por uma quebra sintática. Aproveitando a pertinência aproximativa das escritas, ensaiei  aqui uma perspectiva dual, partindo da criatura ao criador, procurando observar igualmente as relações internas e dialógicas entre elas.

            Em “A menina Afegã”, “No céu tem Prozac”, “Um quadro, suas versões ao Passado” é visível à adaptação fotografia como um acontecimento de interpretação e leitura, materializado na realização da palavra em cuja vida se manifesta num diálogo dinâmico e permanente com a criação e a interpretação do leitor.

            Por meio da similitude da construção sintática nos textos é simbolizada uma singular visão do mundo operada pela assimilação e reinterpretação da gramática e da matéria de expressão verbal. Tal processo evidencia-se através de um conjunto de intervenções dos diferentes elementos e níveis que fazem à obra literária, de modo a constituir uma nova linguagem, que, sem deixar de manifestar a sua autonomia criativa e a sua unidade, revela uma relação semiótica e estética com um universo que lhe é prévio.

            Por fim, deixo as palavras de Ricardo Reis a refletir esta literatura:

Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha porque alta vive.

 

 

[1] Nascida em Parintins (Amazonas). É licenciada em Letras. Tradutora, ensaísta, professora de Literatura e pesquisadora da Literatura Americana - e de escritores afro-americanos; publicou entre outros: Imagens Femininas Negras de Toni Morrison [Ed. FASA, Recife, 2000]. Como professora, destacou-se com a produção da oficina textual A importância da leitura Contextualizada implantada em algumas escolas e também na Universidade Católica de Pernambuco (pelo departamento de pedagogia). Como ensaísta, recebeu o prêmio TAP: Redescobrimento o Brasil aos 500 anos [Ed. Record, Rio de Janeiro, 2000] avaliado pela ABL e distribuído no Brasil e em Portugal. Nas revistas Calibàn (Ed. Calibàn, Rio de janeiro, 2001), Il Portolano (Ed. Polistampa, Firenze, Itália), sites-revista Etcetera, Popbox, El Muro Cultural (Argentina) dentre outros se podem encontrar seus ensaios, traduções, contos e poesias.

[2] Foucault, Michel. As palavras e as coisas. Uma arqueologia das ciências humanas, Martins Fontes, 1985.

[3]Soares Feitosa - Convite à Flor.

Caravaggio – San Gerolamo escrivão.

 

[4] Se é que se pode considerá-lo literário, não obstante o banquinho na ABL, uma vergonha! Sou da ordem que antes de criticar, experimento. Experimentei a leitura quatro vezes, conclusão: uma desordem alfabética, uma oligofrenia! È triste vê-lo como representante da LITERATURA BRASILEIRA, no mundo; temos grandes cânones – Gregório de Matos, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Rubens Braga, Fernando Veríssimo, Anderson Braga Horta, entre nomes - para se resumir em Paulo Coelho a nos representar neste universo de palavras.

[5] a, e- Architatura (poesia) / b,c- Um cronômetro para piscinas/ d Nos ii estes pingos ou Da recaída cururuzeira (ambos os títulos são narrativas )/ f – Noites, dois excertos, 2º Excerto: Os desenhos (poesia).

[6] Os excertos aqui numerados são das seguintes poesias: g – Não é aqui não / h – Penúltimo canto, a dúvida /i – Uma canção distante.

[7] Manuel Bandeira, O Bicho.

[8] Os excertos j/m são da narrativa A menina Afegã/ l – No céu tem Prosac.

[9] Maurice Blanchot. O Livro Por Vir.

[10] Os excertos são da narrativa “Estudos Catálogos – Mãos”.

[11] Soares Feitosa. Habitação.

[12] Álvaro de Campos, Ode Marítima. In: F. Pessoa  - Obra Poética.

 

     

Allan R. Banks (USA) - Hanna

 

 

 

 

 

 

 

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