Guido Bilharinho
O azul menos o nome: a beleza
produzida
(in Jornal da Manhã, 6 de outubro de 1991)
A arte em geral e a poesia em
particular (e especialmente) só se configuram por meio da construção
de uma obra que, pautada única e essencialmente pelo objetivo e
finalidade estética, ainda seja, em não menor grau, fundamentada em
trabalho, rigor, contenção, elaboração e pesquisa da linguagem,
quando não em experimentos e criação de novas linguagens. Não se
compadecem, pois, com subjetivismo, inspiração, catarse,
voluntarismo, amadorismo e o facilitário generalizados e imperantes.
São (e devem ser) sempre preocupação
visceral e ocupação constante do artista.
A obra de Carlos Roberto Lacerda (Pirajuba
/ Triângulo, 1947) resulta da conjugação desses requisitos com a
elisão, consciente, proposital, dos fatores negativos apontados,
inserindo-se, em conseqüência, no estrito e restrito círculo da arte
poética. É poesia. O que é raro, hoje em dia e em qualquer época,
independentemente do conceito, avaliação e repercussão social da
arte e da poesia.
A obra poética de Lacerda vem sendo
construída paulatinamente desde os meados da década de 60,
amadurecendo e se aperfeiçoando no decorrer das décadas de 70 e 80,
sob o crivo do rigor, da apuração e do aprimoramento estéticos.
Desde os poemas iniciais publicados no Suplemento Cultural do
Correio Católico, editado em Uberaba, intermitentemente, de julho/68
a julho/72, passando pelos primeiros números da revista Convergência
e pelos já vinte números da revista Dimensão e, concomitantemente,
corporificando-se na plaqueta A Paisagem do Morto (1973) e no livro
Astérion (1983).
Agora, nos albores da década de 90 e
em continuidade, surge O Azul Menos o Nome (1991), no qual todas as
virtualidades e preocupações estéticas que sempre marcaram a
trajetória de sua obra poética não só estão presentes, como, em
muitos casos, para não dizer em todos, revelam maior grau de
depuramento, contenção verbal e rigor elaborativo.
Avesso ao discursivo, à desossada
linearidade e ao aguado lirismo tradicionais, esse livro assenta-se
sobre a palavra, matéria da poesia e do poeta, sem a subordinar a
idéias, conceitos, sentimentos e emoções. Mesmo podendo contar com
um ou vários desses elementos, sua utilização, além de acidental ou
acessória, é trabalhada, burilada e filtrada pela inteligência,
sensibilidade, consciência e informação estéticas.
Entre as duas grandes vertentes
artísticas existentes, a barroca (exuberante, expansiva, criativa,
na linha, no Brasil, por exemplo, de José de Alencar, Guimarães
Rosa, Gláuber Rocha) e a clássica (objetiva, contida, rigorosa, na
linhagem, no País, por exemplo, de Machado de Assis, Graciliano
Ramos, João Cabral de Melo Neto, Nélson Pereira dos Santos), esta
obra insere-se, sem dúvida, na segunda, constituindo um de seus
pontos altos. Que nela, ou em qualquer outra obra de arte, não se
procurem mensagens, cifradas ou não. É que o artista não é estafeta,
mas produtor de beleza. E isso, exatamente, é que existe em O Azul
Menos o Nome: a beleza produzida pelo artista.
Leia a obra de Carlos Roberto Lacerda
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