Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

Sent: Thursday, March 10, 2005 7:51 PM

Subject: O susto. E levei mesmo!

 

Poeta Soares:

Achei muito original a teoria dos poetas crepusculares e aurorais. E também apreciei a interpretação pouco ortodoxa de “O Crime do Padre Amaro” e “Dom Casmurro”, com a qual, no fundo – embora eu tenha dito “pouco ortodoxa” –, penso que todo mundo concordará, sem o admitir. Não teria Eça escrito esse romance apenas para servir de moldura – uma moldura suja e feia, convenhamos, embora construída com a melhor das artes – ao retrato do abade Ferrão (um alter-ergo de Eça ou talvez aquilo que ele gostaria de ter sido se não fosse o “mau destino” do mundo a lhe impor obstáculos?) e não teria Machado de Assis composto o seu “Dom Casmurro” apenas para emoldurar o retrato em miniatura do José Dias?

Mas é como você disse: nem sempre nos damos conta de que escrevemos para isso, quer dizer, para descobrir a aurora no final da noite. Eu – um auroral? um crepuscular? Não sei: acho que, na verdade, estamos sempre a atravessar para o outro lado, isto é: creio que, não importa o que se diga em contrário, e não importa o que as evidências pareçam provar, só podemos existir – e só existimos de fato – na medida em que atravessamos, seja para que lado for. Observe que você não disse diurnos e noturnos, mas crepusculares e aurorais – criaturas em trânsito, portanto, seja a entrar na noite, seja a sair dela, mas sempre em trânsito, com a consciência de que, para me valer de umas palavras de Rilke, “sempre há o que ver” e de que é preciso (não me pergunte por que ou como) suster o títere, mesmo quando as lâmpadas se apagaram no palco.

Quanto à evocação de Augusto dos Anjos, aceito-a em parte, muito porque não é um dos meus preferidos, uma leitura “de cabeceira”, digamos assim. No entanto descubro ali um humor bastante sutil, que aprecio por ser o que é, e que sempre há de fazer da poesia de Augusto muito mais do que um passatempo para melancólicos. Comprova que todo grito de revolta, toda acusação “contra a vida”, para me valer mais uma vez das palavras de outrem (no caso, o arqui-sombrio e transilvânico E. M. Cioran), só pode ser, mesmo, um grito em favor da vida –a afirmar que, entre duas alternativas sombrias, não nos resta senão escolher a menos sombria, nem que seja para não parecermos idiotas? Ora, o que é totalmente escuro não pode ser visto (e muito menos pode ser lido), mas, por outro lado, o que é somente luz também nos ofusca, não havendo claridade que se sustente senão pela moldura de treva que lhe dê relevo.

As palavras lapidares: a tarefa da literatura – “a abordagem do humano, lá dentro, faca bem afiada cortando tão fino que a gente nem o percebe”. O mais? Eu acrescentaria: esse aprender cotidiano da lâmina, a coleção de feridas e esse aprendizado de desastres, mas sem o qual, se não estivermos dispostos a correr os riscos, nenhuma experiência se corporificará em nós (que o digam os esgrimistas japoneses).

Do fundo destes escuros, a atravessar para um dia cujos primeiros raios anunciam em nós o poema por vir,

envio o abraço, do

Renato Suttana

10-3-3005

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Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

From: Pedro Lyra
Sent: Saturday, March 12, 2005 11:28 AM
Subject: Re: Recital "Les nuits"

Caro Feitosa

Agradeço a remessa da sua entrevista, onde diz coisas corretas e interessantes e, como sempre, de forma bem humorada, o que prende o leitor até o fim.

Mas me permita discordar de uma passagem, que você evidentemente já sabe qual é: aquela que você afirma referir-se a umPedro Lyra tema que me é “ameno” – o tema “geração”.

Mas não, meu caro amigo, não é nada ameno. É, ao contrário, bem dilemático, polêmico como poucos itens científicos apropriados pela Teoria Literária.

“Geração” é um dos temas básicos de várias ciências – a Genética, a Biologia, a Sociologia, a própria História, universalmente movida, entre outros fatores, pela dinâmica das gerações. Portanto, dizer que é “palhaçada”, meu amigo, francamente! Palhaçada é falar de um tema científico de modo impressionista, como fez o autor da pergunta. Em que conceito e escala geracionais ele se fundamenta para falar de uma geração a cada década? Só por aí, quem tem alguma noção científica da matéria deduz a ingenuidade da colocação.

Você pode não “as crer”; mas, como as bruxas... Você pergunta, com um tom de quem nega a resposta, qual a geração de autores que cita. Basta definir uma escala e todos serão facilmente situados na sua. Castro Alves, por exemplo, é a figura epônima da 3ª geração romântica.

Depois, você diz que eu fiz uma antologia com os meus amigos. Dos 45 selecionados, dois eu nem cheguei a conhecer, porque morreram antes; outros três, só vim a conhecer pessoalmente depois da publicação; com vários, outros mantenho um contato puramente intelectual, à distância; e um deles não conheço até hoje. Além disso, cheguei a convidar autores a que não atribuo maior mérito mas a quem os outros atribuem e, portanto, eu não podia ignorá-los. Muito ao contrário do que você afirma, a minha não é, em absoluto, uma antologia pessoal – e talvez seja a única antologia da nossa poesia que se proclama impessoal. Lembre que os poemas foram escolhidos pelos próprios autores – e quase basta isso. Agora, é natural que sejamos amigos: afinal, circulamos num mesmo restrito universo. Eu não tenho nenhum amigo banqueiro... piloto... militar... Se não o incluí, não foi porque você não fosse meu amigo na época, mas porque não conhecia a sua poesia nem sequer o seu nome – e este fato atravessa um dos meus critérios (coisinha que muitas antologias por aí não têm).

A seguir, diz que “botei alguns já ultrapassados de idade na suposta geração escolhida”. Primeiro: a geração não é suposta – é real, vivente e, no momento, encontra-se na transição da faixa de vigência para a de retirada, ou seja: já começou o fatal desfile de mortes. Na sequência da escala geracional que defini nas 150 páginas de Introdução, dentro de uns 20 anos talvez não exista mais nenhum. Eu pedi a um de nossos amigos comuns (aliás, citado por você na entrevista) que se cuidasse, pois o próximo talvez fosse ele, e ele ficou furioso! Mas esses que você considera “ultrapassados de idade” são aqueles que qualquer teórico que encare a sério o conceito enquadra como precursores, tendo em vista a assimilação por uma identidade de fisionomia estética – fenômeno simétrico ao seu oposto, o dos ulteriores. Não se falará coerentemente sobre geração literária ignorando esses problemas inerentes a seu conceito. Ficarão no campo das vazias posturas opiniáticas.

Depois, você assume uma posição simplória, num choque frontal com a atitude científica com que pretendemos tratar a Literatura em âmbito e nível universitário: a recusa das classificações. Toda ciência procede por classificação, todas elas. Do contrário, poderíamos situar o ser humano no mesmo grupo particular dos insetos. 

E prossegue em sua injustificada recusa de um procedimento técnico universal com uma afirmação que é a incerteza absoluta, mas que você toma como a absoluta certeza: dizer que as “classificações nada têm a ver com a face do Homem, o espelho de Deus”. As classificações têm rigorosamente (e a ciência tem de ser rigorosa) tudo a ver com o Homem; e se Deus não existe, o homem só será espelho mesmo de sua própria condição existencial.

No final, você definitivamente se esquiva do enfoque científico do tema e divaga numa linguagem poética. Ficou bonito, mas a verdade não precisa ser bonita. É verdade que o juiz matou o vigia. E afirma que "poeta não tem geração". Só há um poeta que não tem geração. Você sabe bem qual é: aquele que não nasceu.

Porém melhor que especular sobre essas coisas complicadas é tomar mais um chope e escrever mais um poema!

E espero que aceite o abraço amigo, do

Pedro Lyra

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Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

Sent: Saturday, March 19, 2005 1:38 AM
Subject: Re: Três jovens poetas


Jamesson Buarque

Poeta, 

suas respostas-poema a Carlos William Leite, Francisco Perna Filho e João Aquino Batista me ensinaram:

 

 

Árvores derrubam meninos no chão;

Não há quem não empaque sorteado no verde.

 

Os jegues calculam o instante do freio;

Gessos nos pés levam os olhos aos vales e terreiros.

 

Quem cai da queda que inventou, ascende

Mais alto do que o Balão de São Prestes, Eliot.

 

Então derrubar árvores inverte os horários

Depois empaca coração e cérebro nos cemitérios.

 

Se os números são para os olhos no mundo,

Os asininos nos pais — de Vieira a Gonzagão.

 

Nem Lúcifer nem Gabriel sabem onde embaixo

Como mais embaixo dentro e fora sabem os poetas.

 

É por requisição que os versos às letras vaticinam

Onde entre cavernas e ruas transitam as almas.

 

Não há palavra maior do que o palavrão

Se criptografado ou a serviço nos vértices de esquinas.

 

Porque mais para dentro, que o diga Auchwitz,

Plantaram sílabas nas chãs dos mundos os poetas,

 

Homero e os outros até os dias mais cedo

Intervalados entre seus sopros, e “a poesia é um sopro”,

 

Em imagens de espelhos, Tebas e outras terras,

A América toda: de onças, palmeiras, condores,

 

Totens, águias e outras pessoas que sejam para sexo,

Que sejam para igreja e que sejam para fantasmas.

 

Plantar é construção e golpe nos minerais

E faz vaginação nas touceiras e nas aléais;

 

É fundação dos poetas: verdade certa,

Mesmo às cegas — recolhe ilhas e portas,

 

E nega fé às claras da glória, soprando

Sensações emotivas de idéias até a última sílaba,

 

Vagindo sensatez de martelo pelo que sabe

No tempo passado e no tempo futuro —

 

Para dentro e de fora, onde o presente e nascimentos

E invenções e aparições e feições do verbo

 

Quando julgam tarde, cinqüenta anos, por exemplo —

Gestação justa para bíblias… signo de eternidade.

Jamesson Buarque

 

Aquele abraço, poeta.

 

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Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

Sent: Thursday, March 10, 2005 11:24 PM
Subject: entrevista

Caro Feitosa, muito interessante a entrevista.

Acho bem legal sua forma democrática de lidar com a literatura. Apesar de você não ser fã de certos escritores, mesmo assim você osPaulo de Toledo coloca no seu site e demonstra respeito por eles, o que não costuma acontecer no meio literário, eivado de panelinhas destemperadas e vaidades homéricas.

Queria dizer também que sou fã do Haroldo e do Leminski :)

E que acho que palavrão tem hora. Mas tem hora que o palavrão não pode faltar. Não dá prum personagem do morro falar como uma madama do Leblon, nénão?

Sobre a poesia visual, te mando um poeminha que faz parte de um conjunto de poemas chamados POEMAS CONCRERÓTICOS.

Boa leitura! 

Abração,

Paulo

 

 

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