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Goulart Gomes


 


Carta anacrônica a um jovem poeta
ou: Escuta, João Poeta!

 


 

Você me diz que quer publicar um livro de poesias. Para que? O mundo não precisa da sua poesia. Já basta a poesia de Fernando Pessoa, de Cummings, de João Cabral, de Manoel de Barros, de Maiakóvsky, de Camões, de Lorca, etc, etc, etc. Para que a sua? O que ela vai acrescentar? Trinta milhões de livros já foram publicados no mundo. Não precisamos de novos escritores, basta ler os excelentes clássicos que já foram escritos.

Você me diz que vai mandar seu livro para as editoras. Acha que alguma delas vai publicá-lo? Nem chegarão a lê-lo! Seu destino é a lata do lixo, como a todos os demais. No máximo você receberá uma carta dizendo que a proposta não faz parte da linha editorial deles (ainda que faça) ou que o catálogo já está completo para os próximos três anos (ainda que no ano seguinte publiquem qualquer escritor estrangeiro que esteja fazendo sucesso mundial). As editoras não precisam de novos escritores. Quando elas precisam que um livro seja escrito, contratam um grupo de ghost writers e o encomendam. Depois, pagam a alguma celebridade para colocar seu nome abaixo do título. E pronto: lá vai ele para a lista dos dez mais vendidos.

Voilá! Você conseguiu que seu livro - por algum fantástico acaso sobrenatural ou pelo Q.I. (Quem Indica) do vizinho do colega de um amigo seu - seja publicado pela editora. Primeiro eles vão tentar lhe propor uma parceria: arrancar alguma "colaboração" sua, o bastante para cobrir os custos de impressão. Se não, lhe pagarão 5% ou 10% sobre o valor de capa da tiragem (o que vai lhe render, no longo prazo, uns dois mil reais). Ainda assim, você nunca saberá se o número de exemplares impressos realmente corresponde ao valor que você recebeu. Depois os livros serão colocados em algumas pouquíssimas livrarias onde, após uma semana de exposição, vão para no fundo das estantes empoeiradas, à espera que algum maluco por livros o encontre e compre.

Mas você é persistente, não desiste facilmente. Decidiu bancar a impressão do livro. Circulou um "livro de ouro" entre os amigos para arrecadar contribuições, tipo venda antecipada, ou conseguiu alguma microempresa que, por achar que está investindo em cultura (responsabilidade social está na moda!), resolveu custeá-lo, no todo ou em parte. Encontrou uma gráfica que parcela em seis vezes sem juros, entregando a obra após a terceira parcela quitada. Que maravilha! O livro vai sair da gaveta!

Então, você paga para alguém revisá-lo. Paga para algum escritor um pouco mais conhecido que você (e que precisa cobrar para sobreviver) fazer o prefácio ou as orelhas. Paga para alguém editá-lo em Page Maker. Paga para um designer fazer a capa em Corel Draw. Finalmente, o livro está pronto para ser entregue à gráfica. Um mês depois (faltou tinta, acabou o papel, a máquina deu defeito, o seu CD desapareceu, aconteceram greves de motoristas de ônibus e gráficos, nesse ínterim) você recebe um telefonema, dizendo que já pode retirar os exemplares.

Que alegria, enfim seus filhos nasceram! Infelizmente uns dez por cento da tiragem saíram com defeito, mas a gráfica se comprometeu a repô-los... com alguns exemplares que já imprimiram a mais, justamente para suprir essa necessidade, e que deveriam ficar com você, mesmo.

Agora é programar o lançamento. Primeiro você vai precisar achar um local. De preferência, bar, livraria ou espaço cultural que não lhe cobre trinta por cento sobre as vendas. Você vai precisar imprimir convites e enviar pelo correio para aquela turma que tem medo de computador, mandar e-mails para todo mundo que conhece e não conhece, além de ligar para todos os amigos e parentes relembrando, na véspera.

Você vai penar nas redações dos jornais locais que, como você não é famoso, vão lhe dar pouca importância. No máximo, publicarão um "tijolinho" na seção "Roteiro - Grátis" do segundo caderno ou na edição de domingo, que só trás amenidades.

No dia do lançamento, dez por cento das pessoas que você convidou vão aparecer (você pagou um buffet para cem pessoas), metade vai comprar o livro o que, no final das contas, não vai dar nem para cobrir as despesas que você teve com os salgadinhos encomendados a Dona Maria e o vinho Chalise ou Santa Felicidade.

Vai sobrar uns noventa por cento dos exemplares da sua tiragem, armazenados dentro de casa, torrando a paciência dos seus familiares, ocupando os poucos espaços disponíveis: abarrotando armários, dentro da geladeira, calçando mesas capengas, no porta-revistas do banheiro... Um mês depois você já estará dando o livro para quem aparecer na sua frente, só para se livrar do trambolho. Você vai procurar todas as livrarias significativas da sua cidade para deixá-los em consignação, a quarenta por cento do valor de venda. Algumas aceitarão, outras não. Três meses depois já estarão lhe telefonando para apanhar os exemplares não vendidos (quase todos), pois eles precisam do espaço para o novo lançamento de Paulo Coelho.

Você vai mandar seu livro para outros cinqüenta escritores com os quais você já fez algum contato na vida e uns dez vão lhe mandar uma cartinha básica, dizendo que gostaram muito, "principalmente do poema tal" (cataram um título qualquer no sumário). Seu livro pode até ganhar um prêmio daquelas associações culturais de cidades das quais você nunca ouviu falar, que promovem concursos para aumentar a biblioteca particular do seu fundador. E nada mais.

Seu livro será esquecido, você será esquecido e dê-se por feliz se, algum dia, encontrar algum exemplar em um sebo, aonde são vendidos os livros verdadeiramente bons e há gente interessante para comprá-los.

Isso é tudo. Para que você quer publicar um livro de poesias? Ou outro livro de ficção qualquer? O mundo não precisa do seu texto, a Literatura não precisa de você.

Mas, se depois de ler isto tudo, você sentir em seu coração a necessidade inegável de fazer chegar aos outros a sua mensagem, suas idéias, suas emoções, ainda que para isso tenha que gastar todas as suas economias ou tomar um empréstimo naquela financeira da esquina; se você acredita que pelo menos uma pessoa no mundo vai ler e decorar para sempre uma estrofe dos seus versos, e que isso para ela vai fazer uma grande diferença; que a publicação do seu livro é a concretização de um sonho pessoal, das coisas em que você acredita, ainda que você não ganhe um centavo, não apareça na Caras nem seja parado na rua para dar autógrafos, então vá! "Faze o que tu queres pois é tudo da Lei". Publique seu livro e seja feliz, pois você é um verdadeiro Poeta!



Goulart Gomes é um escritor baiano. Já publicou 10 livros individuais, participou de mais de 40 antologias e, como editor alternativo, colaborou para a publicação de uns 50 livros de novos autores e antologias (goulartgomes@hotmail.com).


 

 

 


 

17/07/2007