Carlos Graieb
CÂNONE
IMPERIAL
[in
Revista Veja,
Edição
1 689 - 28/02/2001]
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O
Cânone Imperial
Flávio
R. Kothe
Editora
UNB,
608
páginas;
48
reais
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Na
crítica literária, a palavra "cânone" identifica um
conjunto de textos consagrados. São as tais "grandes obras", das
quais ouvimos falar na escola. Para alguns teóricos radicais, no
entanto, a idéia de cânone é insidiosa. Listas de livros
fundamentais, dizem eles, são ideológicas. Impostas pelos
donos do poder, servem de instrumentos de dominação – e blá,
blá, blá. Flávio R. Kothe, autor de O Cânone
Imperial, é um representante dessa escola, que nos Estados
Unidos deu origem ao pensamento politicamente correto. Segundo volume de
uma trilogia, seu livro enfoca a produção de escritores românticos,
realistas e naturalistas do país, bem como os trabalhos críticos
a respeito deles. Do ponto de vista estético, segundo Kothe, a literatura
brasileira seria no máximo medíocre. Do ponto de vista político,
os autores seriam covardes ou acólitos de uma das sociedades "mais
espoliadoras, antiiluministas e autoritárias do planeta", na sua
descrição nada ideológica. Já os críticos
seriam culpados por jamais expor esses podres, perpetuando a farsa.
Para
Flávio Kothe, a obsessão com o problema da "brasilidade"
envenenou o pensamento literário no país. A função
de nosso cânone, diz ele, é traçar os contornos da
identidade nacional. Assim, os construtores do cânone silenciaram
as vozes dissonantes de índios, negros e imigrantes. Mais: por causa
da fixação no problema da identidade, medir o valor artístico
das obras nunca foi uma preocupação real. Se fosse, seria
forçoso reconhecer que até o "gênio" Machado de Assis
é um autor menor. Único antídoto, segundo Kothe: pôr
abaixo o cânone nacional e expor o leitor a uma dieta de grandes
obras estrangeiras, para fortalecer-lhe o juízo e abrir-lhe os olhos.
Defender
a leitura de grandes obras é sempre um conselho excelente. O que
Kothe não explica é por que a produção literária
estrangeira resistiria melhor a seu tipo de leitura do que as obras brasileiras.
A julgar pelos demolidores de cânones de outros países, a
literatura consagrada de qualquer tipo é uma praga a ser esmagada.
O ramerrão da denúncia ideológica feita por Kothe
às vezes beira o ressentimento e a paranóia. Mais grave ainda
é a generalidade de seu argumento. Atribuir a constituição
do cânone brasileiro apenas à sede de poder de grupos intelectuais
é uma tola caricatura. Além disso, nunca a melhor crítica
brasileira – exemplificada, digamos, por Antonio Candido – deixou de reconhecer
limitações graves, tanto estéticas quanto políticas,
nos clássicos. Kothe se nega a ver isso: não quer dialogar
com ninguém. Essa postura prejudica as passagens ricas de seu livro,
quando a contestação de verdades estabelecidas é provocativa
e não tola.
Carlos
Graieb
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