Concretismo
A multiplicação dos sentidos
Trabalho realizado pela
equipe de Redação do Caderno Mais!
Folha de São Paulo, 08.12.96
Leia, a seguir, um depoimento sobre o movimento concreto feito
por José Miguel Wisnik, professor de literatura brasileira da USP.
"Ao contrário de quem vê na poesia
concreto mero trocadilho, eu vejo super trocadilho, condensação
extrema, macro trocadilho, como no caso do poema "Cidade", de
Augusto de Campos: uma só palavra-fluxo diz a megacidade babélica em
três línguas simultâneas, numa vertiginosa multiplicação de sentido
que é, para mim, uma das sínteses líricas possíveis e poderosas da
experiência contemporânea. O fato de parecer (enganosamente) fácil e
factível -depois de feito- só aumenta o interesse desse poema ao
mesmo tempo vero e bem trovado.
O poema "s o s" é alta poesia da
solidão cósmica (sós/ s o s: outro trocadilho que se torna essencial
na dicção grave e elevada das polifonias circulares,
impressionantemente potencializadas na versão sonora e visual do
poema, girando em círculos em volta do oco/eco do mundo). O fato de
estar migrando para a visualidade e a música, e de ganhar muito
nessa migração sem deixar de ser poesia (como se pode ouvir e ver no
CD "Poesia É Risco" e em recente mostra de poesia-video-música no
Sesc-Pompéia), também só aumenta para mim o seu interesse e o seu
alcance.
Há leitores que buscam frustrantemente
na poesia concreta algo como o elixir miraculoso da poesia ancestral
(que eu também adoro). Mas nesse caso talvez não se trate de elixir,
e sim de sintomáticas pílulas semióticas de amplo espectro, índices
de uma subjetividade intermitente e não abolida.
Nunca me identifiquei com o lado mais
normativo da doutrina concretista. Sempre me interessei pela
ensaística, pelas traduções e pela poesia de Haroldo, Décio e
Augusto. Outro dia o Décio Pignatari me disse, com a sua sinceridade
efusiva, que no Brasil as idéias envelhecem mais rápido do que as
pessoas. Ele está vivo e certo.
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