Elio
Gaspari
in O Globo,
7.11.1999
A aluna era brilhante,
mas plagiou a professora
Estão nas livrarias
duas obras de Ana Cristina Cesar, refinada poeta carioca da geração
dos anos 70. O primeiro - "Correspondência incompleta" - é
uma seleção de cartas que escreveu a quatro amigas, entre
1976 e 1980. É um lindo livro, retrato da alma de uma jovem camaleônica,
absorvida num projeto intelectual severo e erudito. O segundo - "Crítica
e tradução" - reúne ensaios e artigos de Ana C. (como
se faria chamar), bem como poemas traduzidos.
A poesia é coisa fina.
Na parte ensaística, inclui um trabalho de mestrado que Ana entregou
à Escola de Comunicação da UFRJ em junho de 1979.
Dele perderam-se as primeiras páginas da introdução
e as notas bibliográficas. Pena, porque a autora morreu em 1983,
aos 29 anos, e agora não se consegue justificar as colagens que
assemelham esse trabalho a outro, de sua professora e amiga Heloísa
Buarque de Hollanda.
O trabalho de Ana C. transcreveu
parágrafos inteiros da tese de doutorado da professora, defendida
um ano antes, na Faculdade de Letras da UFRJ, e publicada em 1992 com o
título "Impressões de viagem - CPC, vanguarda e desbunde:
1960/1970". Trata-se de brilhante percepção de uma reviravolta
na cultura nacional.
Às páginas
65 e 66 do livro de Heloísa Buarque de Hollanda (3ª edição,
da Editora Rocco), lê-se o seguinte a respeito do clima cultural
que se seguiu ao tropicalismo:
"O tema da liberdade, da
desrepressão, da procura de ‘autenticidade’, nesse grupo, substitui
progressivamente os temas diretamente políticos. Ser marxista, no
fim de algum tempo, passa a ser visto como um estigma, principalmente se
vem acompanhado de alguma preocupação de participação
política mais efetiva, constituindo-se em demonstração
insofismável de ‘caretice’".
À página 216
do livro de Ana C., lê-se a mesma coisa, com a inexpressiva supressão
de quatro palavras.
"O tema da liberdade, da
desrepressão, da procura de ‘autenticidade’ nesse grupo, substitui
progressivamente os temas diretamente políticos. Ser marxista, no
fim de algum tempo, passa a ser visto como um estigma, principalmente se
vem acompanhado de algum engajamento político mais efetivo, constituindo-se
em demonstração insofismável de ‘caretice’".
É plágio, e
não é o único. A "cleptomania estilística"
de Ana C. já foi registrada, num comentário virtuoso. No
ensaio, os trechos e os exemplos plagiados passam da dezena e nada têm
a ver com estilo, mas com conteúdo. À época, ela contou
a um amigo que, com pressa de viajar para a Inglaterra, daria "uma colada"
no trabalho da professora. Viva, talvez não o publicasse em livro.
O mais interessante é
que em alguns momentos a jovem estudante de 26 anos extremou, para melhor,
algumas observações do original. Ela capturou um comentário
sobre a rejeição do "discurso militante do populismo" e trocou
"populismo" por "esquerda". Ana C. anteviu, e botou no papel, uma rejeição
ao esquerdismo, embrionária até mesmo entre os radicais da
época.
Nesse trecho, fez melhor
que Pedro Américo, que plagiou para pior o quadro "A batalha de
Friedland" (em exposição no Metropolitan de Nova York), do
pintor francês Georges Meissonier, e transformou-o em "O grito do
Ipiranga"..
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