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Henriqueta Lisboa


 

Caboclo - d'água 


Caboclo-d'água Ô
caboclo-d'água.

 

Caboclo-d'água
vem de noite
— assombração.

 

Caboclo-d'água
molengão
tocando viola.

 

Caboclo-d'água
vá-se embora
vá-se embora
caboclo-d'àgua
não me chame
não!

 

A chuva é muita
sobe o rio
no barranco.
 


O vento chora
mais que reza
uma oração.
 


Acende a vela
minha gente,
eu tenho medo.
 


Eu tenho medo
de afogar
na escuridão.


Publicado: O Menino Poeta (1943)
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Henriqueta Lisboa


 

Calendário


Calada floração
fictícia
caindo da árvore
dos dias


Publicado: Reverberações (1976)
 

 

 

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Henriqueta Lisboa


 

Ciranda de mariposas


Vamos todos cirandar
ciranda de mariposas.
Mariposas na vidraça
são jóias, são brincos de ouro.

 

Ai! poeira de ouro translúcida
bailando em torno da lâmpada.
Ai! fulgurantes espelhos
refletindo asas que dançam.

 

Estrelas são mariposas
(faz tanto frio na rua!)
batem asas de esperança
contra as vidraças da lua.


Publicado: Menino Poeta (1943)
 

 

 

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Henriqueta Lisboa


 

Denúncia


Os tresloucados do volante
— ó vendaval —
voam velozes e ferozes
à caça de carne humana.
Olhos de abutre
fisgam de rua em rua
alguma oferta de acaso.
Rindo brancura de dentes
mil poderes aceleram
rumo à vítima entrevista.
O mundo que lhes pertence
tomam ao revés — de assalto.
Sangram
despedaçam
matam
E ombros erguidos prosseguem
vitoriosos pressurosos
para os aplausos da seita.


Publicado: Pousada do Ser (1982)
 

 

 

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Henriqueta Lisboa


 

Depois da opção


Um reposteiro o mais espesso
caia sobre a tragédia dos Andes.
Os que a viveram não falem.
A língua que provou a carne
de seus irmãos emudeça
da mais humana miséria
para não se desnaturar
em sem remédio
depois da opção

 

Em estátuas de pedra
se transformem os seres
que amargaram a ponto
de negação a si mesmo
imprensados
entre o vulcão de sangue
e a geleira: fantasmas
caminhando brancas nódoas
negras hóstias em travo
depois da opção.

 

A dor de quem viu palpou
compreendeu e perdoou
o que a si próprio não
se perdoaria é covardia.
Heróica é a dor dos que sofrem
não pela fome ou sede ou frio
ou cegueira que sofreram

 

mas pela crua memória
do jamais deglutido
nos desvãos ruminando
entre a alma e os ossos
depois da opção.


Publicado: Miradouro e Outros Poemas (1976)
 

 

 

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