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Henriqueta Lisboa


 

Lenda das pedras verdes


– Fernão Dias, Fernão Dias,
deixa a Uiara dormir!


Tem um sabor secular
ressoando dentro da noite,
a voz monótona do índio.


A Serra Resplandecente
fulge ao luar junto à lagoa.
Pela escada de Jacó
sobem e descem estrelas.


– Ai, Serra Resplandecente,
Lagoa Vupabuçu!
Tantos anos de procura
como é que os hei de perder!


– Fernão Dias, Fernão Dias,
deixa a Uiara dormir!
A vida da tribo está
no grande sono da Uiara.
O grande sono da Uiara
reside nos seus cabelos.
Seus cabelos eram de água,
tornaram-se em pedras verdes.


Voz de raça moribunda
Fernão Dias não escuta.


– Sete anos há que deixei
minha terra e meu sossego
em troca de uma esperança
que é meu respiro e bordão.
Da Serra da Mantiqueira
até o Rio Uaimi,
quantos montes, quantos vales
para descer e subir,
que de sombras e emboscadas
antes do raiar do dia!


Vem de mais longe, profunda,
a voz do índio recordando:


– Nas noites de lua cheia
quando a Uiara cantava
branca e linda, emoldurada
pelas ondas dos cabelos,
mais de um valente guerreiro
por ela se suicidava.
Foi então que Macachera
com prudência soube agir,
mandando Uiara dormisse
velada por sentinelas
um sono igual ao da pedra.


– Vós que velais o seu sono,
desembaraçai as armas!
Ah! esse canto escondido,
essa beleza roubada,
esses cabelos que brilham
com viva luz de esmeraldas!
Ser guerreiro, ser valente,
depois dormir para sempre
nos verdes braços da Uiara!


– Fernão Dias, Fernão Dias!
deixa a Uiara dormir!
   

Publicado: Madrinha Lua (1952)
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Henriqueta Lisboa


 

Melancolia


Água negra
negros bordes
poço negro
com flor.

 

Água turva
densa escuma
turvo limo
com flor.

 

Noite espessa
sem lanterna
espesso poço
com flor.

 

sobra, corpo
de serpente
na oferenda
da flor

 

Risco de morte
violenta,
árdua morte
de asfixia
veneno letal
fatal
quase que puro
suicídio
com uma
lenta
lenta
flor.


Publicado: A Face Lívida (1945)
 

 

 

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Henriqueta Lisboa


 

Modelagem / Mulher


Assim foi modelado o objeto:
para subserviência.
Tem olhos de ver e apenas
entrevê. Não vai longe
seu pensamento cortado
ao meio pela ferrugem
das tesouras. É um mito
sem asas, condicionado
às fainas da lareira
Seria uma cântaro de barro afeito
a movimentos incipientes
sob tutela.
Ergue a cabeça por instantes
e logo esmorece por força
de séculos pendentes.
Ao remover entulhos
leva espinhos na carne.
Será talvez escasso um milênio
para que de justiça
tenha vida integral.
Pois o modelo deve ser
indefectível segundo
as leis da própria modelagem.


Publicado: Pousada do Ser (1982)
 

 

 

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Henriqueta Lisboa


 

Noturno


Meu pensamento em febre
é uma lâmpada acesa
a incendiar a noite.

 

Meus desejos irrequietos,
à hora em que não há socorro,

 

dançam livres como libélulas
em redor do fogo.


Publicado: Prisioneira da Noite (1941)
 

 

 

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Henriqueta Lisboa


 

Saudação a Drummond


Eu te saúdo Irmão Maior
pelo que tens sido e serás
dentro do tempo espaço afora
e além da vida: luminar
homem simples da terra
aprisionado no íntimo
para libertador de pássaros
e agenciador de símbolos.
Pela pedra no caminho
que foi ato de bravura
e foi cabo de tormentas.
Pelo brejo das almas
em verde com margaridas.
Pelo sentimento do mundo
com que orvalhas o linho
da comunhão geral.
Pelas fazendas do ar
em que brindas cultivos
de transcedentes dimensões.
Pelos claros enigmas
que decifras e que armas
em desdobrados ciclos.
Pela vida passada a limpo
em lâminas de cristal.
Pela rosa do povo
com que humanizas o asfalto.
Pela lição de coisas
que nos ensinas a aprender.
Pelo boitempo este sabor
de renascimento da infância.
Em nome de Mário de Andrade
— até as amendoeiras falam —
em nome de Manuel Bandeira
em nome de Emílio Moura
presentes embora silentes
no alto da Casa em outros
mais cômodos aposentos
de onde nos contemplam líricos
a nós abaixo no vestíbulo.
Saúdo-te mineiro Carlos
de olhos azuis como os da criança
guardada sempre mais a fundo
em candidez e malícia
ao largo de lavouras híspidas
ao longo de setenta outubros
vincados de diamante e ferro
sem nostalgia de crepúsculo.
Saúdo-te com sete rosas
em botão as mais puras
colhidas de madrugada
antes do sol em suas pétalas
por teu sétimo aniversário
outrora
de menino poeta.


Publicado: Miradouro e Outros Poemas (1976)
 

 

 

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Henriqueta Lisboa


 

Séquito


Seguir o rei
por toda parte
antes que a coroa
lhe caia


Publicado: Reverberações (1976)
 

 

 

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