estou enlouquecida
pelas ruas que se cruzam
no abismo,
pelos joelhos fraturados
do tempo,
pelas margens do rio
sem peixes,
pela verde angústia
das folhas
e pela lua que sai de
teus dedos.
estou enlouquecida
pelo presente que chora
numa garrafa fechada,
pelos tímpanos
feridos do homem sem gravata,
pelos livros inúteis
que querem ser estrelas,
pelo tédio que
prega um quadro na parede
e pelo silêncio
de tuas sardas.
estou enlouquecida
pela consciência
que se agita como um pássaro sem asas,
pela estranha virtude
das terras estéreis,
pelas quatro mãos
da loucura que me apertam o tornozelo esquerdo
e pela veia intumescida
da dor da espera.
estou enlouquecida
enlouqueço apertando
entre os dedos
um fruto áspero
como uma idéia,
um fruto marrom e desconfiado
como todos os frutos
do medo
estou enlouquecida
(a tarde é tão
mansa)
leões enjaulados
palpitam em meus seios
meu rosto é cansaço
sem enigma
meu amor é de
barro e sem enfeites
meu sexo dorme no fundo
de um copo
estou enlouquecida
reflito espelhos a cada
instante
e tranco a razão,
com chaves abstratas, dentro de um aquário
estou enlouquecida
muito
mastigo a vitória
do silêncio em tuas ausências
e, em breve, tocarei
apenas teus cílios
para poder morrer até
amanhã
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