Haydée Sorensen

Estou enlouquecida
 

estou enlouquecida
pelas ruas que se cruzam no abismo,
pelos joelhos fraturados do tempo,
pelas margens do rio sem peixes,
pela verde angústia das folhas
e pela lua que sai de teus dedos.
estou enlouquecida
pelo presente que chora numa garrafa fechada,
pelos tímpanos feridos do homem sem gravata,
pelos livros inúteis que querem ser estrelas,
pelo tédio que prega um quadro na parede
e pelo silêncio de tuas sardas.
estou enlouquecida
pela consciência que se agita como um pássaro sem asas,
pela estranha virtude das terras estéreis,
pelas quatro mãos da loucura que me apertam o tornozelo esquerdo
e pela veia intumescida da dor da espera.
estou enlouquecida
enlouqueço apertando entre os dedos
um fruto áspero como uma idéia,
um fruto marrom e desconfiado
como todos os frutos do medo
estou enlouquecida
(a tarde é tão mansa)
leões enjaulados palpitam em meus seios
meu rosto é cansaço sem enigma
meu amor é de barro e sem enfeites
meu sexo dorme no fundo de um copo
estou enlouquecida
reflito espelhos a cada instante
e tranco a razão, com chaves abstratas, dentro de um aquário
estou enlouquecida
muito
mastigo a vitória do silêncio em tuas ausências
e, em breve, tocarei apenas teus cílios
para poder morrer até amanhã
 

 

  Remetente : Cláudio Daniel
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