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José Alcides Pinto


Poesia e síntese
 

Ao gosto da verdadeira poesia, ou da arte poética, Soares Feitosa, inventor solitário e consciente de sua missão na literatura, recria seu universo poético do nada, como Deus criou o mundo, onde nada falta — da alegria da vida à tristeza da morte — extremos onde flore a felicidade e o amor.

Com o conhecimento prévio de todas as coisas, do que existe e do que inexiste, imprime ao texto poético uma dinâmica singular. Seu trabalho em constante mutação enriquece sua poesia e a distancia dos poetas de sua geração. A palavra necessária, em seu emprego adequado, corrige as distorções e os ledos enganos daqueles que pensam que fazer poesia é arrumar colunas de palavras como quem faz uma construção para nela se proteger da intempérie. Não é esta a segurança que Soares Feitosa procura, ante a certeza e a dúvida de que tudo que nos corre o perigo de desabamento e da destruição, menos o amor.

O amor prememonitório: nesse sentido vamos nortear nossa análise. No inabitável, no inacessível, no incomensurável onde as matérias da alma humana se perpetuam para cantar esse imenso amor, pediu o nosso poeta uma inspiração divina, e de joelhos, sim, e iluminado, profeta de fronte erguida para o céu, contemplou a estrela mais brilhante, ou cá na terra, de ouvido atento, o chilrear dos pássaros, a buscar o trino mais sonoro e mais doce para aproximar-se do regato de sua deusa-amante.

Poeta marcadamente cristão, mas também com as nódoas do pecado impressas na pele, ei-lo dele cativo e escravo a inspirar penas e cuidados, próprios dos amantes apaixonados, como dizem Camões e Pessoa.

Mas Soares Feitosa precisa da forma clássica do verso livre, moderno, para alcançar o objetivo desejado — decantar o amor que lhe fere o peito. E assim armado de metáforas audaciosas, símbolos e signos significantes, senta-se à sua escrivaninha e escreve os versos mais belos que possa imaginar.

Esse descobridor de imagens e de ritmos estranhos, na musicalidade dos sons e das cores, levanta o simbolismo de sua escrita e reconstrói nossa poemática, dando à mesma um sentido mitológico universal, tal Dante e Virgílio, Camões e Pessoa.

Soares Feitosa mergulha na essência da história, e descobre o sentido do verdadeiro e inatingível amor-amor eterno dos mitos que cria de sua fecunda imaginação e que a nada é comparado, posto que é do encanto de sua mente prodigiosa que se origina e o toma por inteiro, corpo e alma, floresce, vive, cresce, se expande ao vento, abarca o mundo e o alanceia.

Este amor está nas páginas dos dois últimos poemas que escreveu, recentíssimos, e que trazem os títulos Nunca direi que te amo e O prisioneiro, obras primas da literatura da língua portuguesa. Falar é fácil, inscrever esses poemas na mente do leitor é que é difícil, porque o inefável jamais se apreende pelo sentidos, mas pelo sonhos.

Para que o paciente leitor não saia desta resenha de mãos vazias, tentaremos mostrar o que não se mostra, dizer o que não se diz, porque as composições de Soares Feitosa as composições de Soares Feitosa de que já falamos acima são para senti-las. Sugestões de leitura que cobram do leitor toda atenção e sensibilidade ao melhor entendimento de seus versos. Veja no Nunca direito que te amo:
 

Sem nenhum aviso,
as sardas de um rosto, vieram as sardas
e eram notícia de uma navegação morena;
uma voz rouquenha, como se abafasse
o grito súbito sobre este porto
de nenhum aviso


 

Ficamos só nesta primeira mostra, pois já nos assalta o desejo de transcrever o poema por inteiro, tal o fascínio, o sortilégio e magia de que estamos possuídos. Por que o dilema? O que nosso poeta esconder ou querer evitar seu idílio amoroso? Talvez seja escusável dizer do secreto ciúme que permeia a beleza de sua amada, já que essa traz sem nenhum aviso as sardas de um rosto, que eram notícia de "uma navegação morena". Veja bem o leitor a originalidade da metáfora. E poeta continua em seu mistério e em sua secreta confissão. Deixemos o intérprete em suspense, perdido nesse labirinto de emoções, mesmo porque não podemos desvendar o mistério da transcendência de seus versos. Abandonemos o poeta que não nos abandona e passemos ao outro — talvez o mais belo dos dois ou quando já escreveu Soares Feitosa desde o seu livro de estréia, Psi, a penúltima.

Não sei nem ninguém saberá como ele escreveu O Prisioneiro, poema do que nos ocupamos agora, não parece obra do ser humano, tamanha a inefável beleza que porta, o que nos faz lembrar Rainer Maria Rilke, quando diz que alguns versos dos seus foram ditados por um anjo": Vamos a um trecho de O Prisioneiro:
 

Trouxeram-me a prisioneira ao interrogatório.
.....................................................................
Decretei a prisão imediata de todos os carrascos.

Mantive a prisioneira sob algemas,
que ninguém é louco de manter
tesoiro tão rico ao léu;


mas, prudência maior,
soltei-lhe os braços e mudei
as algemas aos meus próprios pulsos".

 


 

Pressupõe-se que esta peça a que nenhuma outra iguala em nossa literatura, tenha sido mesmo "ditada", o que nos leva a crer, verdadeiramente, que algum sopro divino conduziu o pensamento no poeta em estado de graça. O poema acontece num clima sobrenatural, num diálogo consigo mesmo, num prisma de encanto.
Não revelaremos o epílogo, nem saberíamos como fazê-lo. Cabe ao leitor inteligente e sensível imaginar, somente, imaginar, o desfecho de tamanho enigma.
 



Soares Feitosa, 2003
Leia a obra de Soares Feitosa

 

 

William Bouguereau (French, 1825-1905), Admiration Maternelle

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Tarcísio Holanda