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Joaquim Cardozo




Nota sobre Mateos de Lima



 

Os homens possuem, todos, um campo infinito e mais ou menos contínuo de poesia, mas o que eles nem sempre conseguem é vencer a repugnância de revelá-lo; creio mesmo que a mais pura poesia não deve ser revelada, a revelação é uma impureza; procurar exprimir, procurar um meio de transmitir a outrem um sentimento tão indefinido, tão impreciso, é a tarefa a que por fim, geralmente, se chega insatisfeito porque não se pode atingir a beleza imaterial com o artifício grosseiro de certas convenções ou símbolos.

A leitura de um poema nem sempre traz ao leitor o verdadeiro estado emotivo do poeta, muitas vezes deturpado através de associações e decalques que ficam muito longe do seu mundo subjetivo. A leitura, sendo por si mesma um campo de emoções, pode até despertar na pessoa que lê uma estranha fonte de sensações interiores como uma substância que se desprendesse das palavras escritas, frias e mortas.

O valor da poesia revelada dentro do limite das palavras é, na minha opinião, servir apenas de molde à poesia continua ilimitada dos leitores, e a boa ou má poesia está em bem ou mal satisfazer a esta finalidade.

Mateos de Lima no seu poema “Acalanto” me ofereceu oportunidade de compreender que certos motivos exteriores, atualmente, ao nosso mundo emotivo surgem, às vezes, transfigurados em ritmos novos e perfeitos.

O motivo desse poema é o velho tema lírico e banal, explorado por artistas de quase todas as artes e que, por isso mesmo, já alcançou um grau tão alto de banalidade concreta que somente poetas puros como Mário de Andrade e Mateos de Lima poderiam tratá-lo, ou antes, poderiam torná-lo ainda um molde de emoções profundas.