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José Inácio Vieira de Melo




Vaqueiro de Signos


Por Neuma Dantas
 

 


 

Ser multicultural à vista. Editor, produtor de eventos, divulgador de literatura, poeta, graduando em jornalismo (UFBA) e amante da música. Só José Inácio Vieira de Melo para escrever um livro com o título Decifração de Abismos. Das Alagoas, o poeta veio. Veio do povoado Olho d’Água do Pai Mané, município de Dois Riachos, onde nasceu em 16 de abril de 1968. A infância é um dos temas mais marcantes em sua obra poética: “é o lugar de onde eu nunca saí”, diz convencido.

Gosto de subir no telhado da casa
E olhar para dentro do quintal
É lá que estão o menino e a arte.

 

O inquieto “menino” comenta com entusiasmo sobre o oficio de fazer poesia, é com convicção no olhar que ele fala sobre seu assunto preferido. Grandes nomes da Literatura na Bahia e no Brasil reconhecem o resultado desse afã. Lya Luft é uma delas: “Gostei dos seus poemas. Tensos, sutis, sóbrios, inteligentes. Anda-se publicando demais coisa ruim por aí, de vez em quando aparece algo especial. Sua poesia está entre estes”. O poeta gosta de falar de suas raízes: “Sou uma pessoa da roça e sempre vou ser”.

Eu vou pra roça, começar o dia com um sorriso
Meu cavalo e eu – Centauro do Sertão
Sairemos campo afora
Apascentando a boiada, o milharal, o açude.
 

Goulart Gomes, outro poeta que faz parte da Coletânea de Novos Poetas da Bahia, “Concerto Lírico a quinze vozes”, organizado por José Inácio, diz sobre seu amigo que “a poesia baiana deve muito ao alagoano José Inácio. Não só por ele ter enriquecido a nossa cultura, publicando seus livros neste solo, como pelo trabalho de integração que tem realizado, entre as muitas ‘gerações’ de autores baianos e pela revelação de novos talentos. Além de primoroso escritor, José Inácio Vieira de Melo é uma grande alma, acima das mesquinharias, é solidário, fraterno e amigo”, completa.

A sua sala é grande, seus visitantes sentem-se à vontade, é o mundo do escritor. Inácio é espiritualista, seguro do seu talento e fé: “Ela me ajudou a deixar a bebida”. O poeta está gripado, ligeiramente abatido, mas continua bem falante. Senhor de seu espaço de estudo, o poeta recita. Está entre seus pares, não só nas estantes como no coração:

Eu sempre tive o desejo incontinenti de salvar o mundo,
Sempre escolhi por companhia os que não medem o tempo
E andam para cima e para baixo a praticar cigarras,
Os que têm por fortuna o dia todo – todos os dias.

 

Ele conta que passou a infância e a adolescência entre as cidades de Palmeira dos Índios e Arapiraca. Estudava na cidade, mas sempre passava os finais de semana e as férias na fazenda do pai, na Ribeira do Traipu. Fez o segundo grau em Maceió. Um dia o pai o mandou ganhar a vida. Em 1988, foi morar numa fazenda da família em Maracás-BA, onde ficou 10 anos. Foi justamente nesse período que desenvolveu o hábito de ler e começou a aceitar-se como poeta, pois não tinha outra opção: “nasci com esta praga sagrada”, diz. Viveu no campo, tangendo e aboiando o gado entremeado à leitura de boa parte das obras dos grandes autores do século XX. Das Alagoas, trouxe na bagagem o ardor do fogo presente no nome. Ignácio, ígneo, quer dizer fogo:

Eu, boneco de barro,
Cozido nas labaredas do Sertão,
Recebo o batismo da estrela rainha:
Ígneo, - Ignácio – Inácio.


Chega apaixonado, ardente e arrebata a Bahia

 

Numa rua pequena de Nazaré, mora o carpinteiro das letras. Adentrar no seu apartamento é entrar num mundo de sonhos, palavras, imagens e sons. O espírito inteligente e forte é coadjuvado pelas estantes repletas de livros e discos. José Inácio fala do filho distante, mas Carlos Moisés está presente ali, na tela do computador, com o brilho nos cabelos castanhos e no olhar de quatro anos, um olhar que herdou daquele, que, para ele, é somente o seu pai. “Esse é meu filho, meu amigo, é difícil viver sem ele”.

José Inácio tem fome de livros, é impossível não deixar de folhear as pérolas da literatura que ele apresenta a cada instante: Ariano Suassuna, Eça de Queiroz, Machado de Assis e mais perto Ruy Espinheira Filho ou Aleilton Fonseca. Permeando a conversa, a música de fundo traz o som da natureza. As cantigas dos ventos, da roça, das estrelas. Juraildes da Cruz canta o chamego, Fernando Lona canta os versos de Cid Seixas encarnado no “Cidadão do Mundo”.

Seu mote central é a vida no sertão, não o sertão longínquo que se faz apenas tema, mas o sertão na carne, na voz, nos gestos, na vida curtida durante 10 anos lendo à luz do candeeiro. As palavras de José Inácio o denunciam, é um autor nordestino, um cabra da peste. “O que importa é a busca da forma em meus poemas”, declara.

Um matuto sem eira nem beira,
Labutando com palavras,
Vaquejando boiadas de signos
Por caatingas labirínticas
Numa peleja sem fim.

 

O futuro jornalista foi um dos vencedores do Prêmio Iararana de Poesia 2001. Hoje é um dos co-editores da Iararana, revista de arte, crítica e literatura, uma das mais importantes do país, tema de dissertações, lançada também no exterior. Coordena o projeto Poesia na Boca da Noite. Publicou os livros Códigos do Silêncio (2000) e Decifração de Abismos (2002) e o livrete Luzeiro (2003). A terceira Romaria, foi lançado recentemente na Academia de Letras da Bahia. Participou das antologias Pórtico Antologia Poética I (2003) e Sete Cantares de Amigos (2003).

O seu universo não se limita à poesia. Também escreve em prosa, faz ensaios, críticas, resenhas e comentários, como: Entrevistando Neide Archanjo (poeta); Revelação da poesia; A propósito do Atentado Poético de 11 de setembro; Conversando com Aleilton Fonseca. Além dos temas principais citados o poeta também escreve sobre as mulheres que são versadas de forma teatral, versos carregados de significados das Alagoas:

Ah Cristina Hoyos, deusa da Espanha,
Vem bailando em nuvens e em versos de Garcia Lorca,
Vem com teus punhais para a minha peixeira de 12 polegadas,
Pois as nossas bodas só podem ser de sangue.


A descoberta da poesia

 

O escritor conta que, em dezembro de 1980, estava acampando nas Serras das Mãos, município de Folha Miuda, Alagoas. À noite fizeram uma fogueira e ficaram ao seu redor, bebendo chá e conversando. Um dos companheiros, eram cinco escoteiros, o mais velho, pegou um radinho e ligou. De repente, começaram a ouvir uma voz estridente e argêntea, era o jovem cantor cearense Raimundo Fagner. Ele berrava como um bode das caatingas, naquela noite prateada pelos encantos da lua, os versos de Patativa do Assaré, poeta até então desconhecido. Inácio tinha 12 anos e, naquele momento, o mundo ganhou um outro significado, pois a força mágica e reveladora da poesia, que se insinuava desde cedo, apossou-se do seu ser. “A partir de então, aproximei-me da música e dos versos. De lá pra cá, minha vida tem sido conduzir o fogo sagrado da poesia”, confessa. Além de Patativa do Assaré, José Inácio também foi influenciado principalmente pelos poetas João Cabral de Melo Neto e Gerardo Mello Mourão.

Esse talentoso homem das letras publicou seu primeiro livro, Códigos do Silêncio, pelo Selo Editorial Letras da Bahia (2000), depois cria seu próprio selo, Aboio Livre. “Escolhi o nome Aboio Livre porque é assim que sinto a minha poesia: um aboio livre que ajunta boiada de versos”. Diz que recebe várias propostas para publicação através do seu selo editorial pela qualidade do trabalho. Acrescenta que enquanto poeta é um homem de êxito, produz e divulga a poesia para os quatro cantos.

O homem da terra recita a natureza a partir das imagens de uma região, mas que logo se transformam em imagens universais. “Falo da minha aldeia para falar dos temas universais”. Sua inspiração é cosmopolita e ecológica:

Como bailam as algorobeiras,
Como exibem suas cabeleiras frondosas
De um verde que não há como dizer
A beleza é simples e é verde.
 

Com a mesma alegria daquele menino da roça, o autor se autodefine: “Costumo dizer que sou completamente poeta, mas não sou um poeta completo. Há muito que aprender”. Para quem ainda não se encantou com a poesia, José Inácio diz que é só encontrar a chave. “Você vai ver seu poder de transformação”.

É a receita do Vaqueiro de Signos.

 

 

 

 

12/07/2005