João Lanari
O Ar do Corpo,
de Maria Maia
Certa vez o poeta Augusto de Campos foi visitar João
Gilberto, e teve que aguardar na sala enquanto João fazia "yoga
de boca" no andar de cima. A yoga visava um controle milimétrico
sobre a estrutura nervo-muscular da boca ao plexo solar, modulando e afiando
o volume de ar, as interrupções da entrada e saída
de ar, vogais e consoantes. Cada Vogal significa uma saída contínua
de ar, modulada em diferentes tons. A consoante interrompe esse fluxo,
com a sonoridade conforme o modo e a abertura da boca. E tem ainda o nasal.
No limite a respiração de João
Gilberto almeja a extirpação da sonoridade, a distensão
absoluta a partir do plexo ao sistema nervoso. Os poemas da Maria
também respiram, impressos na folha branca, por abstração.
As palavras dessa poesia habitam a pleura da expressão.
Aquela membrana úmida, onde o signo acústico abandona sua
materialidade de ar, volume e contração muscular -
o significante - para transmudar-se em campo ideológico de investimentos
libidinais - o significado. Manipular a pleura - eis o risco.
Pois as palavras emergem e submergem nos ecos, nas
rimas fraturadas no interior e nas pontas das palavras, sons que
se comunicam internamente. Às vezes, na tormenta que significa a
designação do significado, o sentido se perde, quase
naufraga, e subsiste pela sonoridade. O sujeito-poético à
deriva agarra-se aos sons, e em nenhum momento fraqueja, apela para
o significado fácil, confessional. O projeto
dessa poesia é despedaçar o campo do sujeito, tarefa
dionisíaca, sem dúvida.
E é no deslize do significante que reside a
estratégia da escrita. Seduzidos pelas texturas sonoras, deixamos
escorrer por entre os poros o suposto saber que adviria do significado.
Desterritorializado,
assimétrico, só resta ao sujeito-leitor a re-descoberta
do significante como marco inaugural do simbólico. E seguir
adiante.
|