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José Nêumanne Pinto

 

O Enigma Permanente

 

A 24 de setembro de 1983, o JORNAL DO BRASIL publicou a história de um homem de meia idade, que, ao amanhecer, despiu-se de seu terno preto, dobrou meticulosamente as roupas sobre uma Bíblia, avançou em direção ao mar e nadou para a morte. No livro do suicida foi encontrada a inscrição manuscrita "paz, salvação y vida". Testemunha tempos depois de cena semelhante em Biarritz, o poeta Álvaro Pacheco escreveu um longo poema intitulado Balada do Nadador do Infinito, agora publicado em livro, o 11º da carreira literária desse piauiense que edita livros, distribui filmes, recebe amigos em sua casa de Joatinga, mas gosta mesmo é de escrever versos.

Os versos do poema como em uma espécie de sinfonia da palavra em torno de um tema, a perplexidade da vida. A morte, grande leit motiv, É o pano de fundo para a discussão o mais ampla que o Autor propõe sobre o exercício penoso de viver "...Uma reflexão vulgar// como as simetrias da vida que muita gente fica// sem prestar atenção. Por exemplo// Combinar-se com a morte? Como sabe// o relógio a hora certa, se estão ó sempre assimétricos// os seus ponteiros ó e como saber o tempo certo// do reencontro se nada lhe ensinaram// do amor, a sua matéria orgânica?..."

Como um leitor de jornal que se assusta com a complexidade do raciocino que levou o anônimo nadador do infinito a projetar-se ao mar, o poeta se questiona o tempo inteiro sobre o ato de se fazer presente ao mundo ao ó longo do tempo e pela vida. "diverge de si mesmo e se antagoniza nas costas da África", É muito frio no Algarve/ e estranho no Estreito de Bósforo ó cansado/ como os restos de uma caravela ibérica/que jamais cruzou os mares e tormentas/ seus marinheiros bêbados É o povo conquistado".

Álvaro Pacheco lida com a dúvida, prima próxima do absurdo. ... sua a voz que prega: não há mais tempo pra nenhuma vida/quando a hora se aproxima/ e não compreendemos o acontecimento/ do absurdo. Galileu conhecia a verdade/ mas fugiu da fogueira, agora/ confesso meu sentido do absurdo".

…... na incompreensão do absurdo que navega o poeta pela tensão de seu poema de 200 páginas. A perplexidade lhe garante o rótulo de poesia quando, narrativa linear de um acontecimento, bem poderia ser romance a história vivida do nadador que decifra na morte o enigma permanente da vida.

in JORNAL DO BRASIL, 19/12/1992
 


Álvaro Pecheco
Álvaro Pacheco

 

 

 

Da Vinci, Homem vitruviano

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Gerardo Mello Mourão