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Jornal do Conto

 

 

Jorge Pieiro


 


Bolha de osso


para José Alcides Pinto

 


repita luz, escolha veneno, cifra e lote de céu.
esqueça dores, dissolva imagem pelo lado de cá.
começar é perecer assim: de costela, de grito e caos,
de lama e ossos.
(georg schattenmann)



quase advertência

Sem iludir nem permitir falsa luz de obviedades, convém adverti-lo: prosseguindo, enrede-se e não se espante com desencantos. Deixe-se, de sentir. Morrer é casulo. Liberte-se. Torne-se. Nesses textos-contemas salve-se em espírito de soluços. Procure tornar-se cúmplice de palavras, sábio. Verá que natureza e amor se faz com inexatidões, perplexidades, alegorias e prenúncios. Se preferir, desista. Ninguém se quer mártir em folhas de papel.

jp, da fortaleza de panaplo

da umidade por dentro

1 prelúdio
 

Vocês, todos, deveriam ter encompridado os olhos para os céus. Mas o diabo daquela hora não permitiu. Então, repeti moda antiga:

Asas de diabo mais compridas...

Enquanto desviei céu e olhar, vi longas barbas, era Miguelão desfazendo de cruz o sinal de ex-pranto.

Vocês, atordoados, correram pelaí. O medo é uma corredeira. Eu engasguei na cantiga:

- Asas de diabo mais compridas...

No alto, Miguelão beijou Diadorim, enciumando Rosa entre as pernas de Riobaldo, que no meio de tanta dor, repetiu o gesto.

Longe dali, alguém se engoliu de cianureto. Débil. Cápsula de feliz morte, nele se desvivendo como sempre. Feito um incenso de enxofre…

E vocês, todos, só deveriam ter encompridado os olhos para os céus. Como para entender o presságio. Mas não, desapareceram comidos pelos olhos do diabo. Eu engoli a cantiga:

Asas de diabo mais compridas...

Do episódio, não entendi nada do que vi ou ouvi. Até hoje.

Nem sei onde estão vocês. Leitores.

2 beijo de anun
 

Mania toma seu homem entre mãos, beija-o. Com o facão parte aquele principal em dois. E o dá a seus cães.

- Isto é corpo da nossa última aliança.

Anoitece.

3 gêiser
 

Episódio único: Boite Steinbeck, noite.

Se arremessam contra as bolinhas do colar. Envolvem-nas a dançarina. Rolam sobre a madeira do palco. Mais afoito, ele agarra o pescoço de Nihila. Aperta-o de juventude. O outro tenta, mente arrependida, livrá-la de insano sacrifício.

- Solte-a, maldito!

Com jeito de não, um punhal dá-se a jato de entranhas e batiza alma e porcos.

4 kaletzip
 

Tem dois pés, duas mãos, cabeça, fome. Vontade de matar. Anda a noite toda pelas ruas de Fortaleza. Esquina-se com leões da última praça, desce a ladeira, encontra Íris. Primeiro lambe-lhe a coxa alta e olho. Depois descem de dois até a arena. Íris conhece aquele chão. Ali, ele esquece vontade, fome, mãos, pés.

Madrugada, língua-mar lambe os restos: espelhos, sal em bolsa e virilhas.

5 beco azul
 

Resolve sair de dentro. Dessa vida, dessa mulher. Pede perdão pela grosseria. Está exausto. Ainda lhe restam alguns minutos de vida. Veste-se, parte.

- Nunca mais vou ver você, Leriano?

- Nunca mais.

Depois de apagada luz, revivida, ela veste a calça de gurgurão, blusa pela metade, entrega-se a outro valete de espadas, transeunte solitário.

- Você vai me querer de novo?

- Mais, nunca.

Beco azul de páginas policiais, corpos vão se amontoando. Veneno em boca quase batom.

6 testa de ferro
 

Em vez de olhar passagem de trens, extemporâneo, ele escala o viaduto. Esperá-los. Quando se dá, lá vem um, rangendo, engolindo os dormentes inertes sobre a cidade. Deixa escuridão nos olhos, parte para cima, outro bicho. Abre-se para monstruosidades. Por cima daqueles ferros, o destroçado cai trem sobre os automóveis da Antônio Sales. A avenida congestionada. Nada de grave acontece a ele, enquanto dinossauro permanece ali. Sem arribação, avesso a futuros.

7 ducha de sangue ou beco azul azul.
 

Lambe-se. Tem sabor de sangue, pele, língua. Há muito conhece esses desejos. Esquina de casa, espera por ele chegando.

- Quero te amar... para sempre!

- ???

Enorme, corpo mais mil vezes perfurado, espirrando sangues, ela se banha frementemente.

Essa cena se repete toda noite de amar outro para nunca.

8 feita para voar ou prelúdio à parte
 

Ludite tomba-se, assoalho antigo. Corpo pesado. Traz a bandeja, doces, copos com água, tabletes de veneno.

Diz: impossível morrer!

Entrega os olhos, incentivo feito asas a cada um.

Quem desacredita, fica sem doce. Muitos ficam sem doce. Finda sem restar ninguém pelas cidades.

Ludite, então, engole outro tablete. Voa em busca de descrentes mais próximos.

Dizem: se aproxima de Limoeiro do Norte, de lá já miram sombras em lua não identificadas.

9 carrossel
 

Lizabet escreveu assim a lição de casa: historinha sentimental das férias passadas, pensando nas aulas de catecismo:

… e girou tanto de cada corpo as vidas se confundindo com outros vazios, que os anjos centrífugos desbotaram horizontes pensando serem meteoritos...

O professor, boca enfezada, insistiu para ela penitenciar-se, em nome de todos, pai, filho, espírito santo. Lizabet demonstrou arrependimento.

Depois recriou-se bebendo o último frasco de sangue.

10 coisa
 

- Quantos anos você tem? cinco milhões? dez? cria bichos? por que não olha para mim? gosto, seu cheiro, sabe? por que não me responde? acaso sou feia? quer se sentar? assim você quer me sufocar? por que está me engolindo?

11 passarim de lodo
 

Correntinha no pescoço, Dazinho treme encontro com Juraci. Não sabe se fica com lábio mordido de nem-querer. Pelo jeito, a incógnita maior é decidir qual o lado da vida mais promissor. Juraci, nem liga, passa cuspida de assobios. Dazinho se esforça mordiscando os elinhos pendurados, passarim verde enfeitando o pescoço.

Será que passa também essa vida sem se definir Juraci, tanto faz? Dazinho não sabe se quer.

12 dreiunddreissig
 

- Diga 33.

Mesma coisa todo dia, horas.

O dentuço respira fundo. Tem ganas de afinar aquele pescoço roliço. Aquilo é guerra, sim! Fica calado.

- Por favor, 33.

O dentuço se elefanta, raspa de patada noticia voz arrogante.

Nem parece ele. Bate mãos, sem jeito. Baixinho se engasga, balbucia recompondo-se. Garganta e gesto.

- Dreiunddreissig!

O dentuço sorri satisfeito

- Você que dizeu 33, seu argentino de merda!

Dentes a menos, vendo estrelinhas borbulhando seringa a dentro, com se tangasse uma dança.

13 moreninha
 

13 aninhos, quer mais sonhar não. Rapagão passeia mãos, corpo. Pensa: Rapagão é Vasco da Gama.

Diz para ele cuidar de descobrir outros mundos. Rapagão gosta, danado. Sem fôlego, moreninha. Rapagão cruza fim de mundo. Cheio de especiarias, retorna.

Pensa: Índia, melhor lugar de qualquer mundo!

14 bolha de osso
 

Ainda boca resta em dentes.

- Chupe, minha filha, chupe. Tutano é assim mesmo.

15 sujeito
 

Azedo. Deve ser assim, enquanto maldito, maldizente. Só quer saber de Ingra quando está sonhando.

Ela chega. Aperta-o por trás.

- Saia daqui, mulher. Não estou dormindo ainda!

- ...

Então ela vagamundou-se. Ele deixou de dormir...

16 perna de milagre
 

Gigante tem graça não! Pois é anão. Para compensar sempre chega primeiro. Cria em bolsos besourinhos, eles voam. Talvez leve Janjão junto, ele chega por isso primeiro. Tardezinha, gritam com ele

- Perna de milagre! Perna de milagre!

Ele mostra o maior-de-todos. Vê Belino entre aqueles. Por isso, corre, voando até casa dele, sabe: Ninia agora está sozinha.

Ele chega. Ela se benze e geme, quando vê Janjão. Aquele perna de milagre, enfeitando milagre nela.

17 tiro com jeito
 

Metade cego. Torto, quasímodo. Não anda, espirro deambulando. Assim mesmo, cheio de virtude.

Encontra-se com Leinha, escondido, tal. Pai e mãe estorvam, sem saber desses agravantes. Chega e diz

- Te amo!

Ela se dá. Cheia de perfume, margarida penteada. Tem dor, toda vida. Ele fica calado, resulta, só gagueja depois, muito calafrio

- Por-por que te amo, ti-tiro com jeito!

18 sagüi
 

Escolhe o barro mais escuro. Ninguém por perto. Molda a xotinha. Um dois três? se instala nela. Ilusão de David, sono de Cage. Macaquinha desperta, fruta de seu lado. Começa de novo o sem-fim. Até hoje.

19 d de dedo
 

Fantasia única, o nuinho e Zabel, a Princesa. Adora gorduchinhas. Elasticidade, alcança-a pelo tempo de João, o dão VI. Zabel gosta, tremelicos, frenesi. Cheirosa, ele - entra alguém! - se espreme saião a dentro. Viche! Zabel limpinha embaixo.

Selvagem. Alguém fala. Nuinho acocorado, tenso, se lembra de papanicolau, toca. Uuhuhuh, Zabel ergue-se, uhuhuh, saia imediatamente, ordena, alguém sai sem entender. Sai ele também, nuinho suado.

- Seu dedinho, nenén? Não, esse não...

20 rabicó de frente
 

Marquês sofre suores. Aposta nessas virtudes. Faz bem a libido. Está encantado. Ela, plebéia, vende pães.

Fim de tarde, esquina a passagem dela. Tolinha, segue. Se encastelam em casa disfarçada. Marquês despe-a, olhos dela atravessam chão. Agarra-a, grunhe, insiste. Nada, pão dormido.

Mocinha, sorri. Enraivecido, ele resmunga. Bufa. Zero. Mocinha pega cabo de vassoura e faz Marquês suar ainda mais.

21 q-suco
 

João sente prazer, fica tigangundum. Pesando a vida, bamboleio adocicado. Firula – fiu! - se sustenta. Grudado, sangue escorrendo. Dias de Maniara. Cachoeira de alívio. Gosta assim, sangradinha.

- Te amo, groselha!

- Ô meu vampirim...

22 zorra
 

Os braços se remexem de adeus. Se abrem, desloca osso. Pode adeus não. Lerinha se vai. Estátua fica. Adeus dolorido agora só de olho. Amanhã ela vem de novo. Cama deles tem tiras de couro. Amarra mãos, braços, pernas. Bicho se desloca todo.

Precisar de ficar amarrado. Lerinha é felizarda. Capuchim fica domado, aiôôô Silver.

23 ante uno tango de Enrique
 

Rosa vermelha que ficou… do amor que se acabou.

Crime. Sem testemunhas. Aquele cara chega, aspira Super-Bonder. As narinas grudam. Liga a mangueira com água, mete-a goela abaixo. O espelho de frente se debatendo.

A causa? Primeiro, Mila sufoca, o cara aprecia. Depois enjoa. Cara mais fraco! O crime em si, por chifrezinho de nada.

25 segredo
 

Pode reclamar menos, pode.

Em casa, olho bravo, voz de macho. Selvagem. Pé fora, o instinto. De assassino, nem culpa. Pedem, não rejeita. Cumpre até dor.

Hoje, chega em casa tem ninguém mais. Ufa! veste sutiã, desfilando, sem bunda, antinha.

26 fidélia
 

Gosta de ser lambida. Bezerra nova. Vê quem chega, se entrega. Gosta de rapsódias azuis. Quem dá mais, leva mais tempo.

Juri, sem pressa, tem língua presa. Dificuldade de falar, ser útil. Se demora a ir-se. Desconta, mais de um carnaval de cada vez. Problemas? nunca! mas

- Querida, cheguei!

Fora de hora. A vez acontece. Juri se espanta tarde à frente do marido. Pow! Dá-se feito corvo poético. Falar? Nunca mais.

27 capadócio
 

Contempla. O frisante. Borbulhando. Barba por fazer. O gato cego roçando pelas pernas. Anão de parte de pai, revisa moncos. Insiste em querer voar. Suzi não deixa. Mas como ela ainda não chegou…

28 fogo gelado
 

Dona Mir não tem paz. Seo Diô cospe a fumaça de charuto dentro de casa. Há 48 anos. Os filhos? já de mundo sem fim. Em casa, os dois de par e Marialva, a criada que quis desestudar, cuidando de arengas. Todo fim de noite escuta

- Dona Mir, ô dona Mir.

- Saiu, ela responde.

- Vem cá, rolinha.

- Me deixe em paz, Diô, Alvinha num tá lá dentro!?

29 cavalo de égua
 

Boquina tem jeito. Adora banho de Jaguaribe. Flor rara de rapaz. Gertrudis gosta dele, que nem-nem. Mas só porque desconhece Elvira, egüinha de dentros rosados, esperta, todo dia. Ficam ali, Boquina, tem jeito, pensa que ela é cavalo, inocência de criança adejando. Dá certo. Gosta. Boquina sonha na égua, de cavalo.

30 crua
 

Covarde. Alguém é covarde. Cobre-se de capuz e adentra.

Tem três mulheres despidas. Ela chora, outra se torce, a terceira resmunga. Não sabem jogar. Ele chicoteia, o chão estala. Aponta

- Tu!

Ela deita-se de bruços. Empurradas por outros dois, duas colocam capuzes, também. Obrigadas, devoram a gritos carne de Tu.

31 de azul
 

- Encoste ele em mim!

- Onde?

- Comece pelo céu

- Boquinha, abre.

- Hmmm. Aftas dóem.

- Tenho cuidado, sou gaivotinha. Hmmm.

32 índia de areia ou do jeito do sagüi
 

Nhã chega mais cedo. Se enlameia. Depois areia, desenha pele. Pronto.

Coara.

Nhaíra de terra se molda. Nhã olha. Quase pronta.
Se levanta. Duas azeitonas, crava, areia dos peitos, mamilos.

Pronta.

Nhaíra se remexe. Nhã se agacha, olhos fechados de novo, azeitona, mordida. Nhaíra geme. Pronto. Areia se movediça.

33 brincar de estátua
 

Enquanto espera vida passar, vai morrendo. Hoje só tem apelo. Tarde. Mas, quem sabe?, deixa de escutar bentivis, se transforma em lodo. Lodo é verde...

34 campo
 

Por debaixo, roça de pernas. A mão querendo fisgar a hortaliça viçosa. Ninfinha sente, cada olho se arrepia, lacrimoso, a cada toque. A toalha esconde qualquer luz do sol inquisidor. Ninfinha não diz palavra. Sabe que adora.

Tem momento que sonha. Como deve ser abraçando! Ilusão a pino, não passa disso. Sabe de cor, veneno que tem esse desejo.
Por debaixo, roça de novo. Sonha de hortaliça viçosa.

35 mutilado
 

O telefone ocupado. Bichinha acertando outra escravidão.

Diacho! e pensar ficar a noite aqui sozinho.

Hora de sono, intervalo de alma rodopiando.

Beber sangue de galo, ficar batendo asas? Melhor voltar.
Telefone ainda ocupado. Friinho de noite.

Diacho! pior de tudo é não ter mão sequer para dispensar carinho.

36 cara pálida
 

Mata a índia, em qualquer primeira rua escura. Tem dente de ouro, afiado. Bala de prata, zorro. Tonto feito cão-morde-rabo. Promete que mata índia. Chega lá. Se encosta, muro liso. Olha de um lado, lixo. Olha do outro, parede. Aqui. Matar a índia. Diz primeiro, te amo. Depois arrebenta. Zíper abaixado. Mão de calo preciso.

- Uhhh! Iraceminha!

37 salada
 

Junte 200 gramas de beterraba, 20 mililitros de sangue, 04 perninhas de rã. Umedeça com bafo. Pitada de pêlos e três gotas de esperma. Clara de ovos, sementes de girassol, pimenta. Aqueça alho e porra. Espere Martinha chegar. Agarre-a por trás, unte cenoura com rodelas de quiabo. Banho-maria. Dentro de alguns minutos, sal.

Esprema gotinhas de suor. Por favor, não lave mãos, desejo ou qualquer virtude que possa interferir nessa alquimia.

Sirva em camadas. E cão de apetite!

38 tempo zangão
 

Primeiro dia fora da prisão. Tempo estreito para grandes promessas. De um lado a outro sempre passantes, os passageiros. Orena, bermudinha valente, esgarça-se quando eles passam. Mede as virtudes. Mas ninguém se engane. Gesto de Orena repugna segundos prolongados Desperdício, reclamam. Mas ela quer mesmo é voltar a ser abelha-rainha. Depois de tanto tempo.

39 frenesi
 

- Primeiro, beijo de nariz!

- Já sei. Vai falar do gosto de aço e morango.

- Pois você encosta nariz contra nariz, respira a sua dama.

Sentindo, pode até morrer. Experimente!

- Aço e morango, cheiro e gosto?

- Acontece. Booommmm. Sobe frio perna acima.

40 cola de prazer
 

Dentro, só penso. O corpo enfileirado, a equipe de beisebol dentro de senhorinha Joplin. Grande gozação.

Mas aqui sou só um, e ela nunca ouviu Joplin. E daí?

Pensando assim, Deus existe! – quem diz é longe alguém, li, ouvi dizer.

41 erudição
 

Tem quem leia como masturbação. Píncaros de prazer. Faz unhas, enquanto lê. Dedinho, mudinho.

Depois, empresta texto, arrota bafo de pirulito. Peixe, peixinho, nada, nadinha.

Enquanto isso, Creusa engole Ubiraci. E basta! poema primevo e sem papel. Tá!

42 artista de plástico
 

Dá-se com mão em quadril e jarra de leite para modelo. O artista zarolho, desvê rosto e sintomas de sombra e luz. Se borra e borra tela e cavalete. Fica de parecer sopro de bomba flit espumando farofa.

O modelo encarna, doidivano, quebra pote, leite e quadril. Beija-flor lutando sumô.

Dá-se esse céu. Vidinha de noite, cheio de estrela.

43 glicose vencida
 

- Valete de copas!

- Paus!

- Copas!

- Paus!

Dama coquete sonha noite toda. Acorda sem jóquei, sem ar. Ás, batida. Nervosa de doente.

Também, quem mandou vida toda catar ponto de infinito em fim de paralelas? queixo empinado, rumo de céu, feito biquinhos de peitos, anteontem? Taí.

44 vossa bendita regressão
 

Me assusto quanto retorno àquele lugar. Definitivamente noite, denso. Temperatura sempre, vezes todas. O veludo tranqüilo, gosto. Nunca tanta calmaria em outro lugar quando é calmaria. Mas, às vezes, susto maior que retornar é flagrar aquele inamigo, vez em quando. De dentro, vê-lo se introduzindo, unicórnio em minha direção. Movimento de cavalo danado dentro de minha mãe.

45 sem conceito
 

Não dá comentários. Lelinha tem caspa. Ontem amanheci nevado. Quis beijá-la mesmo assim debaixo da montanha.

Dia desses, amanhecerei fantasma. É bom assim mesmo.

46 cabeluda
 

Acha que sabe mentir. Diz que se corta com faca de carne. Outra, que espinho. E mais no arame farpado, atravessando para dentro do rio Cocó, quando vai lavar roupa. Tudo mentira. Nem sabe que eu sei. Se apaixonou foi por homem de circo, engolidor de fogo, punhal e prego. Sujeitinho magrelo, amarelo, que se deita em chão coberto de caco de garrafa. E ainda fica achando que convence. Essa cabeluda!

47 cabeluda, II
 

Dois dias em jejum. Outro homem. Quartinho com ceroto de suor. Ele, nem lembrar das 5 filhas, quase explorando redemoinho de fogo. A mulher, então, pranto de gordura vencida. Como é que consegue navegar em corpo cheio de cicatrizes, terra destocada? Ela tem uma aparição, um milagre de gruta. Só pode.

48 gosto de ontem
 

Quando Iberal enfia chave de fenda congelada em piupiu de Arusa. Há grampo, soluço, pano, tripa relevando. Tirinete de algazarra, estrupício. Sino toca se ouvindo, galo de tarde, lábio cortado, supersônico engolindo barreira de som.

Quando Iberal retira chave de fenda requentada de piupiu de Arusa. Ele sofre de inveja do compadre. Se afasta e geme ouvindo de castigo Arusa repetindo ladainha com compadre.

49 mea culpa
 

- Deixe qu’eu limpo dessa vez, soletra, pensando.

Enche a lata com querosene, assovia, espanta medo. Cobre Irinha. Pega latinha, sai ensopando nacos de lençol. Risca e fogo.

Depois se banha. Faz cruz engolindo fumaça de carne.

- Tem mais pecado aqui não.

50 tentação
 

Pega pelo braço, faz sentar sobre a mesa. Esfrega mão e mão.

Mostra os dentes alegres. Ali, frente a frente, gente e desfile de avião. Por perto só ar de vidro, negocinho delicado de se quebrar. Silêncio deve durar pouco. Consente tudo, aprova com outros dentes, ela quer mais é se dissolver dentro de ser mulher.

- Sim, titio, sem saber que titio é de outro século.

51 onça curta
 

Vale um carro zerinho. Basta se desvestir, jaula aberta, entrar. Até agora, ninguém. Cidade vizinha, também ninguém. Aumentaram a oferta. Vale um carro zerinho e noite com direito a vela, janta e gaúdio, duas pessoas. Zeninha se resolve, para desespero de Bigail, madrasta. Na porta do circo, confusão de Zeninha e madrasta. Jaula aberta, quem acaba entrando é Bigail.

Quando se miram, fera e fera, Zeninha torce. Torcida grita. Sem se desvestir, ela se encara, olho dentro no dentro, a onça se acua. Se pateia, querendo se desvestir. E fim, carro zerinho continuou zerinho, Zeninha pura, puta da vida!

52 andróide
 

Imperceptível. Por fora, delicada loirice. Senta-se para uísque e cerveja branca. Reconhece quem é parceira. E escurece de mão por debaixo. Mesa criada. Perna aceita. Conversa a três. Ela, uma fala de muitas viagens. Os dois nem reciclam assunto. Interesse de mentira. Pouco a pouco, ele sente que não se pode deixar descoberto. Quando pensa, sente quase dor, anestesiado de noite e uísque. Mas de dentro dela, olhar profundo, delicada loirice, lânguida, porém inesperada, dor mesmo, como se dentes de aço moendo de dentro da vagina, dedo e mão, sangue e osso. Absurdo.

53 vento de frio
 

Estaciona. Gira de braços abertos. Noite livre. Espero. Vem. Faço que não presto.

- Você é louco!, diz.

Não recuo. Sou.

54 ausstellung
 

R. Kriesch espera por mim. Desenho cripta, negras, vulva de elefanta, ainda. Vai esperar a inteira vida. Cinqüenta anos de velho é cedo. Nua para mim, aquela delas quer-se deixar.

Expulso-me. Aceito o revólver diluindo o coração. Parto a perigos. R. Kriesch se aborrece, relógio alemão, expõe sozinho, traços e fitas. Melhor sem mim? melhor estar aqui, dentro.

55 vazão
 

Agüinha de cloro. Bêbados, não sei como não cáem aqui dentro. Felizmente, enxergam só bolhas e monstrilhos. Por debaixo, fabrico bolhas, mais água. Submarino de carne prestes a emergir sunga de dentro. Agüinha maldita. Primeiro azul maldito.

Ela se preocupa com todos.

- Aqui, não!

Entra agüinha de cloro pela comportas, submarino triste, percebe o ralo. Shshshs.

56 segundo andar
 

Fachada, colocando pastilhas. Arquitetura interessante. Sacramento não desgruda, pensa ainda que é sonho, a casa própria se erigindo, assalariada, solteirona. Depois do almoço, visita diária, sozinha.

Na escada, cruza com o peão. Braço torneado, peito largo de cheiro. Sozinha. Pensa quanto pagaria, mas não há sobra. Ele respeita. Ela tem perfume, impõe tesão e respeito. Se afastam. Por que nunca tem coragem da palavra quero?

57 escola de sangue
 

Rompe com mãe, pai, irmã, tios. Início de tudo foi tapa de mão aberta em rosto de delegado. Polícia junta não segura Zezão. Vai embora e nunca mais.

Liinho, irmãozinho, repete. Insulta a cidade inteira. A mãe chora de novo, o pai se tranca, a irmã se vira de costas, os tios desconhecem afinidades. Início de tudo foi vingança. Polícia segura Liinho, delegado cumpre aberração.

Mas ele não quer ir embora. Nunca mais. Gostou.

58 joão batista
 

- Próxima vez, traga protetor solar. Em pleno abril, nunca cearazinho foi tão amigado de sol. Quem nunca disse de queimação mesmo com tanta sombra de catacumba, só podia andar em hora diferente. Nove horas da manhã dá mais pra tirar roupa, não, viu? esqueça não, Maria. Nos proteja!

59 encanto
 

No ávido labirinto da ternura. Na febril veemência do encanto. Acontecerá. Antes de transportar o corpo ao abismo de mistérios, antes do espetáculo de silêncios. Muito antes de renascer ou sagrar-se de infinito, veste-se o homem de amar.

Tempera a língua com o vinagre das vaginas.

60 duplo homicídio
 

O sêmenaseringa. O porosotersido. Morreu de antes ser. Vingança d’amar.

61 lúcio
 

Beijo o seio da virgem, enquanto ela bebe veneno, pronta para a morte. Gáudio. Alguns minutos mais e poderei amá-la: abutre que ama a carne a ser devorada por vermes. Agonizante, olhou-me, balbuciou:

Vem!

Ainda não…

Até que suspira, os olhos perdem a efervescência, a carne esfria, as moscas surgem para tocá-la.

Tomo-a, então, entre meus braços, beijo os lábios tensos, dispo-a e penetro no mundo maior do remorso. Com prazer.

62 freud
 

O pênis é o infinito. A agulha do orgasmo. O grito. Dentro da gruta, o morcego. Radares no corpo. O pênis soluça a sua própria morte.

do aroma por fora

63 espelho
 

O cão ressona. O cão de tão grande quilate. O cão de ouro. Acordado é medonho. Em panaplo, cão é cão, deus é deus. O animal não existe. E o cão tão grande energiza a rua em quilowatt. Izrita telefonou um dia.

Você tem medo de cães?

Você não conhece nenhum como eu conheço. Por que não
vem aqui?

É difícil sair daqui. São tantos espelhos…

Eu sei o caminho. Não lembra que vim daí?

Sozinha não vou. Não tenho coragem…

Infelizmente não posso ir buscá-la. O cão. Tenho medo.

Pensei que havia deixado de sentir.

Sentir não é de todo ruim. Só incomoda quando a gente se
distrai.

Patético!

Ela desligou. Distraído, senti o cão se acordando. Acordado ele é medonho. Comecei a me tremer. O cão me energizava. Em panaplo, cão é cão, deus é deus, o amor é um espelho antigo e sem reflexo.

64 praça da sé
 

Há duas semanas o sino badala a praça da Sé. As mulheres rodeiam a praça. Os homens cercam a praça. Há três meses quermesses. As mulheres se esbaldam. Os homens laçam-nas como água em baldes. Há quatro anos, viventes de estudos edipianos procuram um nome de pai. E quem não merece um nome? Na praça da Sé, um espelho gigante foi colocado diante do sino. E ninguém vê o reflexo do sino badalando. Quem flete o joelho se aproxima do focinho dos cães. Há quanto tempo uma heresia permite livre o amor diante da praça da Sé?

65 cão sem razão
 

Dog. God. Cachorro-quente. Deus-quente. Onisciente. Que homem não tenta ser todo potente? Nem sente. Jamais poderá ser todo presente. O mundo não tem memória. Dog. Gog.

Ostrogodos. Visigodos. Dogmas. Vulcão e magma. Imundo é sujo. Mundo é limpo. Mas os homens não moramos nele. Dog. God. Goddard e a virgem Maria. Guimarães, toma esta rosa. Arranha essa manha pesarosa das troças de Miguilin. Viche! Ao demônio de antemão no reino do mundo. God. Dog. Besouros são pecados do mundo. Nenhum cão come besouros.

66 milton
 

Quantas gerações de formiguinhas pretas conseguem transportar um mamoeiro-anão, depois de sua passagem, de um muro a outro? In god we trust! O engodo é um truste. O fracasso das orações. Subordinadas ao paraíso, as personagens de Milton se distraem movendo utopias. Ou não. Quem já leu o lost paradise? Quantas gerações perdemos com orações… Um dia, o homem estará perdido para nunca.

67 arthur
 

Murciélagos são mais morcegos que morcegos. As letras flapejam no espaço da palavra e parece que se orientam mais ativamente com os seus radarezinhos de som. O diabo é que ainda são ratos!

68 misericórdia
 

Tanta, a vida nos braços. O crime nesta casa. Melhor seria esperar o sino romper a pedra barulhenta da rua, mais alto, para despertar a letargia da hora. O que será da aurora depois desta? A mão crispada, culpada, sai da minha mão. O pavor dizem meus olhos e a boca arredondada.

Silenciosamente, os olhos encontram a janela. Lá fora, os loucos imitam a vida aqui dentro. Não sairei daqui. Ante esta ilusão, ela, vazia sobre o tecido corporal do objeto cama, sou mais nada.

Cordeiro de Deus, sirvo-me como oferenda. Escuto pela última vez um barulho.

69 ???????
 

As duas mulheres cabiam na palma da mão. Detiveram-se por longuíssimo tempo perdidas entre as linhas, aquelas de pavor e desespero, abraçadas, comprimidas. O cara conhecido por Mundo das Neves parecia salivar, possesso, completamente bêbado, enterrando a cruz de ponta ainda afiada no peito daquele infeliz tornado vampiro.

Roque bebia com as mulheres desde cedo. Mundo das Neves unira-se ao grupo. Depois de chorarem pela saudade de uns queridos, resolveram comprar mais bebida e retornar ao macabro piquenique no cemitério de Brejo Santo.

Quando as horas decidiram escorrer, as estranhas luzes engoliram