Jorge Pieiro
Aço e morango
ele carregava
pelas ruas uma cara triste e uma rosa de plástico. a rosa parecia
murcha. e quem haveria de receber uma rosa de plástico, sem cheiro
de rosa, desse homem triste andandoandando pelas ruas?
ele andava com a
cara triste, mas solene. totem ambulante, a cabeça curvada para a
direita, um passo lento, a rosa sempre erguida na mão esquerda. ele
era o doido da cidade, repleto de paixão dentro da gabardina.
numa festa,
meteu se na multidão. o mundo era amplo no pensamento dele, mas
apertava o coração. ele abriu caminho entre a mata de homens e
mulheres cegos.
uma vez,
esbarrou em duas mulheres. isaura, não fora gorda nos anos de
juventude, quase não sentiu o encontrão. a outra, jovem, assustou se
e levou a mão à boca. ele foi gentil com a viúva. tirou o chapéu de
desculpas. num lapso de paraíso, ele sentiu o cheiro de ninguém
sentir. a jovem exalava um cheiro de aço e morango. o coração
endoidou. ele ergueu a mão e ofereceu a rosa de plástico à jovem.
isaura sorriu, todos sorriram. isaura falou, leve a. ele brilhou.
leve a para sua casa que se abre com os sinos da catedral... num
instante, isaura sumiu na multidão. ele sentiu mais forte o cheiro
de aço e morango. ela beijava a rosa de plástico.
ele repuxou as
extremidades da gabardina, distanciou se na fronteira da fantasia,
ofereceu o braço a ela, cheirando ainda a rosa de plástico. eles
abriram um caminho nupcial na multidão.
ele deixou a
cara triste. a rosa de plástico abriu se no orvalho da manhã
seguinte.
no meio da praça
vazia, o palco, os corpos exalavam um poderoso aroma de aço e
morango.
os sinos da
catedral abriam as portas do mundo...
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