Jornal de Poesia

 

 

 

 

 

 

José do Vale Pinheiro Feitosa


 

A história da mancha branca de Cadinho

 

Cadinho tinha uma mancha branca no cabelo. Os irmãos e os amigos de Cadinho ficavam brincando com ele, porque ele era diferente e tinha uma parte do cabelo que ao invés de ser loura, era branca. Como ninguém sabia porque Cadinho tinha esta mancha, gozavam dele pela ignorância. Ai Cadinho resolveu que ele mesmo iria descobrir porque era diferente.

Cadinho acordou antes de todo mundo, levantou-se da cama sem fazer barulho, trocou o pijama por uma roupa comum, calçou as alpercatas e saiu pela porta da frente da casa. Era tão cedo que o sol ainda não tinha nascido e tudo ainda estava escuro. Mas Cadinho não tinha medo, pois a curiosidade de saber porque tinha a mancha branca era maior.

No terreiro da casa ele encontrou o Galo que cantava para o dia amanhecer. Cadinho parou e perguntou se ele sabia porque tinha uma mancha branca no cabelo. O Galo bateu as asas, respondeu bem alto, para todos os outros galos dos terreiros distantes:

- Cocó ri Cocó! Cadinho me deu um nó.
- Qui qui ri qui qui! Cadinho molhou a cama de pipi!
- Cacá rá Cacá! A mancha branca tá lá!

 

Cadinho jogou uma pedra no galo para ele deixar de mentir. Cadinho não fazia pipi na cama. Ai ele saiu e quando já começava a deixar o terreiro da casa, passou um gato. Cadinho chamou pelo gato e repetiu a mesma pergunta para ele. O gato se espreguiçou todo, os pelos das costas se eriçaram e abrindo a boca com preguiça disse:

- Ron Ron Ron Ron! Cadinho nasssceuuuuu!
- Ron Ron Ron Ron! O leite derrraammmouuu!
- Ron Ron Ron Ron! Na caaabeççaaa de Caaadiiiinhhoooo!

 

Cadinho nem gostava de leite, quanto mais deixar o leite cair na cabeça dele. Saiu andando a procura de outras fontes de conhecimento. Quando passava debaixo do pé de Timbaúba ele viu os pavões que dormiam no galho mais alto da imensa árvore. Cadinho gritou, perguntando aos pavões porque tinha uma mancha branca na cabeça e era diferente das outras crianças. Os pavões responderam:

- Coéeemmm! Coéeemmm! O raio riscouôôôôô!
- Coéeeemmm! Coéeemmm! Queimouôôôôô!
- Coéeeemmm! Coéeeemm! O quengo de Cadinhoooooo!

 

Cadinho balançou a cabeça insatisfeito pois nunca ouvira falar em tal raio. Os pavões poderiam saber dos mistérios das noites, reconhecer as novidades e gritar para alertar a todos, mas não sabiam nada de mancha branca no cabelo.
 

Cadinho, já estava meio chateado com a situação e resolveu ir pelo canavial até a beira do Rio Batateira. Chegou a beira d´água, ela corria mansa e silenciosa no seu leito transparente. Os primeiros raios do sol iluminaram a água do rio e Cadinho viu um Jundiá passando mansamente na água. Cadinho gostava muito dos Jundiás, pois sempre que ia tomar banho no rio, brincava com eles e então ele disse:

- Meu amigo Jundiá, eu já estou cansado. Eu quero saber porque tenho uma mancha de cabelos brancos na minha cabeça. Eu quero saber porque eu sou diferente.
 

O Jundiá foi até o centro do rio, se afastando de Cadinho. Cadinho ficou agoniado, pensando que ele se afastava sem querer responder ao problema. Aí Cadinho gritou para o Jundiá não deixá-lo sem resposta. O Jundiá apenas tinha se afastado para ter um momento de solidão e meditar sobre a resposta do problema que Cadinho havia lhe trazido. O Jundiá voltou e disse:

- Calma Cadinho nunca se afobe por uma resposta. Uma resposta mal dada é pior do que uma pergunta não respondida. Eu não poderia responder logo o que me veio na cabeça e por isso fui meditar a resposta.
 

Cadinho ficou inteiramente atento à resposta do Jundiá e por isso ficou bem junto da beira da água para ouvir melhor. O Jundiá começou a dar a resposta:

- Cadinho você quer saber porque o sol tem luz? Se quer saber também deve querer saber porque a luz surge quando o sol queima o hélio. Se quer saber porque o hélio queima e assim por diante, encontrar a razão primeira da sua cadeia de perguntas, vai encontrar uma resposta que já não tem nada a ver com o valor da luz do sol.
 

Cadinho não estava entendendo aquela resposta filosófica do Jundiá e por isso escreveu num papel para depois perguntar para o pai o que o peixe queria dizer para ele. E o Jundiá passou para a segunda parte da pergunta:

- A mancha branca no cabelo de Cadinho está lá como a luz do sol está nele. Sem a luz não tem sol e sem a mancha não tem Cadinho. Cadinho e a mancha nasceram juntos, no mesmo minuto e são inseparáveis.
 

Cadinho já compreendeu melhor e se aproximou mais ainda, se abaixando em direção à água. E o peixe terminou a explicação:

- Agora Cadinho você não é diferente porque tem a mancha branca. Você é diferente pela sua natureza, todos nós somos diferentes e não dependemos de uma manchinha para isso. Eu sou Jundiá, você é Cadinho, o rio é o rio e todos somos diferentes por que já nascemos diferentes. Mas nascemos diferentes e ao mesmo tempo iguais. Pois eu sou igual aos outros Jundiás e você é igual aos outros meninos.
 

Cadinho estava tão entusiasmado com a sabedoria do Jundiá que se descuidou e tibungo na água. O Jundiá tomou um baita de um susto e Cadinho se molhou todinho. Mas Cadinho achou foi bom aquele banho na sabedoria do Jundiá. Saiu da água, espremeu as roupas e foi para casa tomar café. Assim que chegou pediu à avó:

- Vovó junte um café preto com o leite branco e me dê para beber uma mistura marron.

 

 

 

 

 

22.09.2005