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Luís Antonio Cajazeira Ramos



O Poeta é entrevistado por Ricardo Vieira Lima

Veneno na veia poética

In A Tarde, Literatura
19.08.02
 

“Um poeta de veneno nas veias não se faz; nasce pronto, ou quase pronto. (...) A partir do primeiro poema, começa a arder na fogueira de sua infernal inquisição (...). Ele próprio se condena e nos arrasta consigo, denunciador e verdugo a um só tempo. Mas sai absolvido no fim, como se purificado pelo fogo, por obra de uma misericórdia que é nele inata.” Com essas palavras tão contundentes quanto plenas de sensibilidade poética, o crítico literário e ficcionista baiano Hélio Pólvora apresenta o poeta e conterrâneo Luís Antonio Cajazeira Ramos, que, nesta quinta-feira, dia 19, na Academia de Letras da Bahia, lança seu terceiro livro de poemas, “Temporal temporal”, com a poesia inédita, vencedora do Prêmio Nacional Gregório de Mattos, reunida aos trabalhos anteriormente publicados.

“Temporal temporal” foi lançado primeiramente no Congresso Nacional, em Brasília, no mês de junho, com a presença de grande público, onde se incluíam mais de cem parlamentares de todo o país e de diversas cores partidárias. Em agosto, foi lançado na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, para escritores, críticos e jornalistas, com destaque para ilustres acadêmicos como Alberto da Costa e Silva, Ivan Junqueira, Eduardo Portella, Josué Montello, Celso Furtado, Evandro Lins e Silva, Nélida Piñon e outros. Em setembro, foi a vez de Recife, a convite de várias instituições de Letras, para acompanhar as homenagens ao escritor Ariano Suassuna, vencedor do Prêmio Nacional Jorge Amado, do Governo do Estado da Bahia.

A comissão julgadora do Prêmio Gregório de Mattos, composta pelos escritores Antonio Carlos Secchin, Florisvaldo Mattos e Ruy Espinheira Filho, reconheceu os méritos da polêmica obra de Luís Antonio – que aborda, de forma simples e direta, temas delicados e controvertidos. Com singular postura iconoclasta, Cajazeira dá vazão à sua arte, à sua veia poética – por vezes venenosa, seguindo a trilha aberta entre nós por Gregório de Mattos –, bem como às suas idéias, algumas das quais expostas nesta entrevista, concedida a A TARDE Cultural.

 



RICARDO VIEIRA LIMA: “Temporal temporal” reúne seus dois livros anteriores, mais os poemas inéditos. Por que resolveu intitular a reunião com o mesmo título do livro premiado? Acredita que esse título aparentemente específico resuma o conjunto da obra?

LUÍS ANTONIO CAJAZEIRA RAMOS: O título de um livro não precisa resumir a obra. Ele é apenas uma possível denominação. A expressão “temporal temporal” surgiu-me e foi usada no poema “Bolero ou coisa assim”, mas ganha novos sentidos e mais densidade quando destacada para ser título do livro – seja o trabalho premiado pela Academia, seja a obra reunida. Acho sem graça “Temporal temporal e poesia anterior”. Prefiro o título enxuto. Um temporal enxuto.

RVL - Seus livros – os três de poesia – apresentam títulos insólitos, originais, curiosos. Poderia explicar a concepção de cada um, sinteticamente?

LACR - Um dia tive uma sensação de plenitude meio nirvânica, que, como em “A máquina do mundo”, de Drummond, logo se escafedeu – e “Fiat breu” é essa escafedêutica, essa percepção da falta de percepção. Noutra ocasião, o saudoso poeta Paulo Garcez de Sena disse que minha poesia era como se, como se, como se..., e lhe faltou a palavra, e me chegou o “Como se”. Mais recentemente, sei lá quando, mas em casa, sem quê nem pra quê, calhou de eu associar o substantivo “temporal” ao adjetivo “temporal”, e surgiu “Temporal temporal”.

RVL - Em que esses novos poemas diferem dos anteriores?

LACR - Os novos poemas acrescentam-se harmonicamente aos outros, e vou ampliando aqui e ali o universo temático, as sugestões semânticas, as cores rítmicas, as fronteiras da linguagem, pois desconheço barreiras e limites para a poesia. Assim, para exemplificar com a temática do “eu” lírico essa ampliação de horizontes, arrisco dizer que no primeiro livro o “eu” conversa mais consigo mesmo; no segundo, o “eu” projeta-se mais vezes no “outro”; e nesse terceiro o “eu” dialoga freqüentemente com o “outro”.

RVL - Ao reunir sua poesia, você optou pelo critério cronológico. Algum poema ficou de fora ou sofreu alterações?

LACR - Pouca coisa ficou de fora. Só não coloquei poemas inacabados e os textos que não me convenceram como poesia. Acho até que fui muito condescendente comigo mesmo. Já as alterações, foram muitas. Na obra reunida, “Fiat breu” está muito modificado, enquanto “Como se” sofreu menos mudanças. Mesmo quando ainda eram inéditos, praticamente todos os poemas dos três livros foram retocados muitas vezes, seja numa palavra, num verso ou em toda a composição. Minha poesia é provisória todo o tempo.

RVL - Seus poemas mais antigos – como se vê no livro – datam de 1979. No entanto, sua primeira obra só veio a ser publicada em 1996. Por que demorou tanto para estrear na literatura? A formação e a carreira técnica atrapalharam?

LACR - Não demorei a estrear, e sim a escrever. Não fiz poesia na infância nem na adolescência. Meu primeiro verso é de dezembro de 1979, aos 23 anos. No início dos anos 80 escrevi uma overdose de besteiras, que dava para encher uns dois ou três grossos volumes, mas joguei quase tudo fora. Depois veio uma longa fase bissexta. Só em junho de 1995 baixou forte em mim o poeta. A carreira técnica também começou tarde. Tenho aptidões aparentemente contraditórias: estudei para cadete do Exército, cursei Engenharia Elétrica, Agronomia, Educação Física, Medicina e Direito, gostei de matemática, ciências, filosofia, religiões, arte, literatura, experimentei drogas, meditação, malhação, alimentação natural. Larguei tudo, hoje sou funcionário do Banco Central e dirigente sindical, gosto de sexo, de sofismas e de poesia.

RVL - Quem lê sua poesia, logo faz algumas associações óbvias: Gregório de Mattos, Olavo Bilac, Castro Alves, Augusto dos Anjos. Que poetas, além dos já citados, o influenciaram?

LACR - Essa coisa de influência é algo relativo. Na adolescência, li poemas nos livros didáticos, sem prestar maior atenção. Escrevi tolices aos vinte e tantos anos sem ter lido detidamente nenhum poeta, achando que em poesia se incluíam as letras de música popular, os gritos dos poetas marginais nas ruas e as garatujas dos concretistas e seus sucessores. Li Pessoa em 1983 e Drummond em 1984. Aí fui lendo os demais. Não me vejo próximo de Castro Alves e de Bilac. Alguns temas e soluções formais podem me aproximar de Augusto dos Anjos e de Gregório, mas não tenho a poética augustiana ou gregoriana. Tenho, sim, minha linguagem, meu ritmo, minha poesia.

RVL - Alguns críticos já disseram que você ri, sarcasticamente, dos outros e até de si mesmo. Acredita que o riso – irônico, crítico – é fundamental para a arte?

LACR - Fundamental em arte é exprimir a intenção estética de forma criativa e tocante, seja pela sugestão intelectual, emocional ou sensorial. Cada linguagem artística tem seus fundamentos, e não resta dúvida de que o humor perpassa todas elas. Há várias tonalidades de humor, desde o doce enlevo de uma leve afetação, até o impacto corrosivo de uma grave provocação. O humor é um instrumento da linguagem, um veículo que ela utiliza para se movimentar sem amarras e truncamentos, mas também é resultado, é um elemento do objeto artístico em si. A arte e a poesia contemporâneas propiciam leituras cada vez mais críticas, com base no humor que regeu ou tangenciou o momento criativo do artista.

RVL - O poeta, contista e professor universitário Aleilton Fonseca, na introdução crítica de “Temporal temporal”, afirma que a galhofa, em você, viria, em parte, porque, no fundo, sabemos que a poesia “perdeu a aura”. Concorda com essa afirmação?

LACR - A galhofa em mim não me parece ter motivação numa tendência da poesia contemporânea, como o foi o poema-piada dos modernistas. É, sim, um modo pessoal de expressar-me poeticamente, juntamente com outras características bem próprias de minha poesia. Tenho freqüentemente um comportamento galhofeiro no convívio familiar, na vida social, até mesmo nas relações profissionais. Justamente porque faço poesia como quem vive, muito de mim impregna meus versos. O poeta que invento acaba sendo eu mesmo. E não sei se a poesia perdeu a aura, justo agora, quando ela me chega áurea, auroral, areando os horizontes.

RVL - Como define seu estilo? Num de seus versos, você diz estar “destacado do tempo”. Assis Brasil afirma que você é um poeta pós-modernista. Aleilton Fonseca diz o mesmo, embora de forma sutil. Eu também já o classifiquei assim. O que pensa sobre essas opiniões?

LACR - Adoro essa coisa cartesiana de classificar para efeitos didáticos, de que resultam os enumeráveis “ismos” taxionômicos. Embora eu me proclame destacado do tempo, posso e devo aceitar ser enquadrado na contemporaneidade, nesse tal de pós-modernismo. Com certeza não sou modernista, pois não tenho as preocupações e pretensões dos que fizeram a poesia brasileira na primeira metade do século passado e dos que lhes seguiram a cartilha e o discurso. Muito menos ainda tenho a ver com os que na segunda metade do velho século abandonaram o verso e pretenderam estabelecer novos fundamentos formais para a poesia. Poetar, para mim, é pegar um pretexto qualquer e fazer disso um texto, com palavras e em versos, pleno de ritmo, carregado de sentido, capaz de provocar comoção.

RVL - A questão do “eu”, do sujeito, na sua poesia, é essencial. O português Luís Carlos da Silva, na revista francesa Latitudes, destacou isso. No entanto, essa não parece ser uma característica comum de boa parte dos poetas atuais. Muitos, até, afirmam que a questão do eu poético estaria superada, já que suas origens estariam no romantismo, estilo que – segundo alguns – já deu o que tinha de dar. O que acha disso, e, mais, como essa questão do sujeito poético se resolve na sua poesia?

LACR - O lirismo do eu é característica comum aos poetas de hoje e de sempre. Não é uma questão superada e não se origina no romantismo. O que caracteriza o romantismo não é a tematização do eu lírico, mas a busca de idealização do mundo, do sentimento, da existência, e com tal intensidade, que o caminho seguido quase sempre levou à fuga da realidade. Como em qualquer época, o romantismo foi lírico e épico, além de produzir poesia dramática. Os clássicos, os barrocos, os simbolistas, os modernistas, todos foram líricos e trataram do eu. Até mesmo os parnasianos. Mesmo quem foge do eu e nega o lirismo, como tentou João Cabral, expressa subjetividade.

RVL - O amor, assim como a religião, muitas vezes são vistos por você de forma pessimista, impiedosa. Isso ocorre devido às suas experiências pessoais, ou é uma questão de visão de mundo, baseada em leituras filosóficas?

LACR - Vivi e vivo as costumeiras paixões de amor, mas não tive experiências amorosas traumáticas, que me conduzissem a um pessimismo impiedoso, nem vejo o amor dessa forma. Gosto das intemperanças do amor e de sua fugacidade. Quando tematizo o amor, percorre em mim a timidez de mãos roçando fugidias, o ardor de corpos insaciáveis, a baba pegajosa do ciúme, o inquebrantável silêncio da indiferença, etc. A religião é outra história. Jamais fui religioso, não creio em deuses, duvido da santidade humana e não sei separar o bem e o mal. Em todo caso, gosto de profanar essas coisas sagradas, como Deus, amor, eu, vida e morte.

RVL - Sua poesia incorpora também a visão feminina e o homoerotismo. Fale sobre essas duas temáticas.

LACR - Transito facilmente pela poesia homoerótica por razões óbvias, incorporadas através de minha pele até a raiz da pelugem pubiana. Além do mais, como já disse, não tenho limites de caráter pessoal para a poesia. Minha personalidade histriônica conduziu-me a assumir qualquer papel para o eu poético, qualquer estado, qualquer circunstância. Externo no poema o pensamento e o sentimento de alguém que sou eu apenas ali no espaço da poesia. Algumas vezes me transfiguro com tal intensidade, que invento um personagem. Já fui Deus, mulher, coisa. Ora sou bacana, ora sou malvado, ora vulgar. Às vezes estou bem, às vezes mal. Não há território externo ao chão de minha poesia. Não há face estranha à minha face poética.

RVL - A metapoesia permeia sua obra, só que de uma forma diferente. Você faz uma metapoesia, diria, existencial – característica, de resto, presente na maioria dos seus textos. Parece-me que, o tempo todo, você está tentando se descobrir. Poesia, então, para você, é uma espécie de auto-análise?

LACR - Creio que poesia é bem mais uma transformação, transportação, transição, transferência, transcendência, ou algo que o valha. Não pretendo me descobrir, nem me auto-analisar, e sim existir no poema, estar no poema, ser o sujeito do poema, o sujeito cujo universo é o poema. Estou no poema como quem está na vida, por isso toda minha poesia é existencial, por isso que estou ali para sempre representado, a quem sempre me reapresento a cada leitura. E em cada nova leitura me vejo e me redescubro. Não é descobrir-me, mas redescobrir-me no que fui, mesmo sem ter sido, e que lá permanece, para ser eu sempre a cada visita.

RVL - Em sua produção recente, há poemas de acentuada carga surrealista. Certos críticos e poetas, contudo, acreditam que o surrealismo, atualmente, está esgotado. O que acha?

LACR - Não sei o que significa “o surrealismo, atualmente, está esgotado”. Deve ser uma expressão surrealista. Não sei o que é assunto, forma ou tendência esgotados em poesia. Aliás, o esgotamento de qualquer coisa é um bom tema para a poesia: o esgotamento, a esgotadura, o esgoto. Pelo escoadouro de meus novos poemas, além do surrealismo vazaram o lirismo amoroso e a poesia licenciosa, pouco presentes nos dois livros anteriores. Quanto ao surrealismo, girou mundo no século XX, foi até Portugal e América Latina, mas no Brasil, ao contrário de esgotado, foi abortado, com o advento do modernismo nacionalista e piadista e dos posteriores formalismos inanes auto-intitulados de vanguarda. Em todo caso, imagens surreais só aparecem eventualmente em minha poesia, com poucos poemas surrealistas no todo.

RVL - A chamada baianidade – com suas crenças e formas de cultura popular – também parece não lhe atrair. Por quê?

LACR - Trago um sentimento paradoxal. Realmente, não me identifico com as crenças e demais manifestações da baianidade. Mas, se eu fosse de outro lugar, também não me identificaria com a cultura popular local. Tenho dificuldade de aderir a ritos tribais. Em quase tudo isso sou sempre alguém de fora, que olha mais para os lados. No entanto, sou radicalmente adaptado ao jeito baiano de ser no mundo, no cotidiano da vida, nas relações sociais comuns e banais. Estou sempre em casa em qualquer ponto de Salvador, nenhum outro lugar me deixa tão à vontade. Sem as crenças nem o deleite das manifestações culturais da baianidade, tenho o estado de espírito baiano.

RVL - Sua poesia oscila, freqüentemente, entre o padrão clássico e a linguagem chula. A que se deve isso? Acredita que a poesia fescenina de Bocage e Gregório também deve ser considerada como alta poesia?

LACR - Mais do que oscilar entre o clássico e o chulo, minha poesia associa e integra o que nosso maniqueísmo separa em compartimentos estanques e nossa burocracia mental ordena em departamentos hierarquizados. Assim como eu beijo, eu urino, e a poesia pode falar das duas coisas. Mesmo porque o beijo pode ser um ato de traição, enquanto a urina pode ser um fertilizante agrícola. Não há valores que não possam ser questionados. O barroco de Gregório e o neoclássico de Bocage desassociam o belo e o feio, o sagrado e o profano. Eu não faço assim. Foder é divino, amar pode ser tormento, ser é uma aparência. Alta poesia é qualquer poema bem resolvido, como alguns dos licenciosos de Gregório e Bocage.

RVL - Segundo a maioria dos críticos que já escreveram sobre sua poesia, é no soneto que você se sente mais à vontade como poeta e, nessa forma fixa, estaria o melhor da sua produção. Concorda com essas opiniões? A que ou a quem credita o seu interesse pelo soneto?

LACR - Quatro de cada cinco poemas que faço seguem essa forma fixa, de modo que minha melhor produção, estatisticamente, é de sonetos. Prefiro o soneto pelo tamanho e ritmo da composição. Em minha contabilidade poética, o número de versos, a métrica, a rima, a disposição espacial e os recursos gráficos compõem o elemento formal extrínseco do poema: o formato. A forma, intrinsecamente, é a linguagem. Não me preocupo em inovar no formato. Deixo que os formalistas façam por aí suas revoluções. Poesia não tem nada a ver com isso, pois não é uma questão de formato, e sim de forma.

RVL - E quanto ao conteúdo?

LACR - Não me importa o conteúdo. Posso fazer um poema sobre o insubstituível prazer de atrair uma criança de sete anos, violentá-la, matá-la, esquartejá-la, assá-la e comê-la coberta de sorvete de morango e calda de chocolate. Com alegria hedonista ou medonha crueldade, a poesia se expressa na forma: a linguagem e sua riqueza sintática, semântica e rítmica. Não o valor ético, mas a comoção estética que o texto provoca.

RVL - Gregório de Mattos passou para a história como o “Boca do Inferno”. Se algum dia lhe derem uma alcunha – se é que já não lhe deram – qual seria a mais precisa?

LACR - Sei lá! Tenho muitos apelidos dados pelos outros e atendo a todos os chamamentos. Mas eu próprio não sei me apelidar. Crie uma alcunha para mim, que eu aceito tranqüilamente.

RVL - Na sua opinião, quem é o grande poeta brasileiro, se é que haveria o maior? Ou, quem são os grandes poetas brasileiros de todos os tempos?

LACR - A poesia do século XVI é incipiente. Gregório de Mattos foi senhor absoluto do século XVII. Não houve um grande poeta no século XVIII. Gonçalves Dias, Castro Alves, Olavo Bilac e Cruz e Sousa destacam-se no século XIX. Augusto dos Anjos inaugura o século XX, que nos presenteou com Carlos Drummond de Andrade. Posso engordar a lista do século passado com Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar. Que tal pensar em mim para o século XXI?

RVL - Em que outros novos nomes da Bahia a mídia do Sudeste precisa prestar atenção?

LACR - A mídia cultural quer saber mais de espetáculos e de celebridades. Quanto à literatura, a divulgação passa pelo entrosamento entre autores, críticos e jornalistas, vida social, correspondência, viagens, concursos. Autores que viveram discretamente, como Sosígenes Costa, passaram despercebidos do grande público e precisam ser redescobertos. Na atualidade, são poucos os que, como Ruy Espinheira Filho, conquistaram um espaço nacional. Alguns, como Myriam Fraga, são conhecidos pelos mais atentos, em razão de um livro ou um poema. Poetas admirados na Bahia, como Florisvaldo Mattos, são quase desconhecidos fora de nosso estado. E há os promissores, como Kátia Borges, que nem a Bahia conhece direito.

RVL - Como vê a poesia brasileira de hoje?

LACR - Em vários lugares, neste momento, há gente debruçada sobre o papel, com uma caneta na mão, rabiscando versos. Os lançamentos de livros, os jornais e revistas literários, os portais eletrônicos na Internet, como o Jornal de Poesia, editado por Soares Feitosa, dão uma boa idéia da produção nacional. Existe poesia para todo gosto. Terminou aquela longa noite de ausência criativa, artificialmente mantida pela mídia vesga e pela crítica estéril, quando se produziu muita tolice formalista, muito lixo escrito em letras de luxo. Vivemos um saudável retorno ao verso e à perenidade da melhor poesia.

RVL - Quais são seus próximos projetos? Como anda a antologia sobre os poetas baianos?

LACR - Não tenho escrito poesia. Projetos eu os lanço a cada instante. Como bom brasileiro, meu projeto mais ardorosamente esperado é ganhar sozinho na mega-sena. Enquanto isso, eu me dispus a ler toda a poesia baiana de alguma importância e fazer uma antologia, mas o trabalho anda a passos muito lentos. Pretendo retomá-lo ontem. A vida tem-me roubado o tempo com suas conspirações comezinhas. Termina que as coisas comigo só acontecem na hora certa. Aí então me entrego com ardor, mas completamente alheio aos fins, feliz da vida.