Leonardo S. Oliveira
O limiar do conhecimento
O que rege a
vida? Interessante questão. Alias, foi tudo o que Haroldo sempre
quis saber. Na verdade, pouco ele soube sobre a vida e seus cursos
indeterminados, infinitos, tão errados. Ele sempre procurou
estabelecer uma relação entre o que acontece e o que poderia
acontecer; afinal, as coisas não passam de probabilidades.
E foi assim que, meio sem querer, Haroldo foi bolando o seu grande
plano. O plano da sua vida e, acima de tudo, sobre a vida.
Impressionante foi a carreira e a ascensão repentina do menino que,
logo em seus planos iniciais, pareceu ousado, louco; genial.
Enfim, ele cresceu em uma cidade no interior do país e sempre foi,
com absoluta certeza, o melhor aluno de todo o histórico escolar
daquela cidade. Um menino gordo, de bochechas fartas e sorriso fácil
que ficava sempre com a cara enfiada no livro, ouvindo o que os
professores tinham a falar. Com todas essas qualidades, não era de
se esperar pouco do menino e, com certeza, este correspondeu às
expectativas.
Nos seus últimos anos escolares, para a alegria de todos, Haroldo
descobriu seu dom. Ele seria matemático; afinal, as coisas não
passam de probabilidades. E assim foi feito. Nos anos seguintes, se
dedicou inteiramente a arte mais exata de todas as artes. Estudava,
criava, calculava e inovava. Brilhante? Sim. Extraordinário.
Entretanto, não parecia satisfeito. Andava pela rua e via
acontecimentos por todos os lados. Namorados se beijando; meninos
jogando futebol; uma roda animada de amigos conversando; enfim, uma
variedade enorme de coisas aconteciam, dia após dia, e o que gerava
aquilo? Difícil de se dizer. Com todos esses pensamentos na cabeça,
Haroldo teve uma idéia. Uma idéia daquelas que vem de repente, não
planejada, uma idéia daquelas que nem mesmo ele poderia prever; nem
hoje, nem nunca.
A questão foi a seguinte. O menino, que agora já era um adulto,
estava sentado num banquinho verde, que se situava em meio a uma
praça, e fitou duas crianças brincando de arremessar um disco uma
para outra. Naquilo ele não via nada demais. As crianças brincavam,
o disco era jogado, toda vez, através de um lançamento oblíquo (o
qual ele já havia anotado a equação no caderno que segurava) e a
brincadeira continuava. Entretanto, meio que de repente, percebeu
que a força dos ventos havia aumentado levemente, coisa que apenas
um gênio ou um meteorologista perceberia, calculando, assim, o
desvio que ocorreria na rota do disco. Infalível. O movimento
aceleraria um pouco, o suficiente para surpreender o garotinho e
acertá-lo em cheio no rosto.
Indiscutivelmente, Haroldo estava satisfeito; afinal, o que ele
previra fora o que realmente veio a acontecer. Ele sorriu,
levantou-se, olhou o menino a chorar e foi orgulhoso para casa. Após
aquela cena, ele estava decidido. Iria descobrir a equação que rege
a vida e todas as suas possibilidades.
Cumprindo sua promessa, deslocou-se até a sua casa e passou a
analisar tudo que acontecia ao seu redor; tudo que acontecia no
mundo lá fora; tudo o que ele via na televisão. Passou a analisar
até as coisas mais simples, como a vontade que lhe dava de comer
sorvete e o ronronar que fazia o gato da vizinha; enfim, nada mais
passava despercebido. Deveria haver uma equação para a vida e ele
iria achá-la.
Nesse ritmo, passou os anos seguintes reparando em tudo, procurando
números e equações para explicar cada coisa. Já não saía mais de
casa; afinal, se ele não conseguia explicar nem dez porcento do que
via em seu lar, imagina no mundo lá fora. Era lastimável, mal comia,
mal bebia, privava-se de qualquer vontade, pois tinha medo de ter de
equacioná-las.
Com o passar dos anos, começou-se a ouvir gritos e “quebra-quebras”
advindos da casa do matemático. Os vizinhos, muito assustados,
ligaram para o hospício.
Em pouco tempo, Haroldo foi pego, analisado e levado para o
sanatório. O pobre do homem estava branco; olhos arregalados, mal
podendo falar de forma coesa. Ele mesmo não se conformava. Numa de
suas passagens pelos corredores do hospício, em um de seus momentos
de lucidez, fez uma pergunta a um outro louco, um louco menos louco
que ele mesmo, e ouviu a resposta de que tanto precisava saber.
- Ei, você! Diga-me: como eu, um homem brilhante, um gênio, uma
pessoa pronta para ter sucesso total na vida, acabei assim? Como?
- A vida é assim mesmo, Napoleão! Imprevisível.
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