Leontino Filho
Os verdes abutres da colina
26.07.1999
“Recebo Os Verdes
Abutres da Colina”, narrativa maravilhosa, escrita com a sabença dos
que exercitam e dominam a sabedoria total, a sabença que mapeia
veredas e aponta estreitos caminhos para a arte genial e, também, a
sua “Trilogia da Maldição”: maldito é todo aquele que passar pela
literatura sem ler esta sua obra.
A “Trilogia da
Maldição” é o olhar tridimensional do seu gênio criador, gênio que
investe impiedosamente contra a mesmice, contra a verborragia
narrativa dos incautos e sebentos escritores de obras agridoces e
sem encanto algum. Suas narrativas redesenham o humano de maneira
trágica, propiciando a nós, leitores, a oportunidade única de
adentrar no universo do demasiadamente humano - ser ponte de
qualquer modo - como bem o queria o mais lúcido dos loucos: o
poeta-filósofo Nietzsche.
O Dragão nos impele
à vida, pois viver com a força demente do amor e da paixão é o que
nos resta: “a nuvem de poeira crescia no horizonte” e nós somos a
triste sombra de todos os ocasos. A fúria que emana deste seu dragão
atinge o coração de todas as lendas e de todos os mitos. Você narra
a trajetória dos heróis decaídos, anjos que se esfacelam pelo chão,
anjos que não alçam vôos, preocupados que estão com a reles
sobrevivência -, anjos também sobrevivem. Os seus anjos têm caras
comuns, são do tamanho de todas as gentes, possuem o cheiro e a
ânsia de qualquer indivíduo. Seu Dragão é o anjo por trás de todos
os espelhos - que vara todos os caminhos, veredas que vão de Sobral
ao infinito do mundo, é um dragão de muitas moradas, como todo
dragão tresloucado de bom.
“Os Verdes Abutres
da Colina” é uma densa e deslumbrante narrativa: a beleza áspera da
paisagem faisca nos nossos olhos. Sua precisa descrição dos fatos e
dos feitos dos moradores da “colina” alumbra nossas vistas, perturba
nossa mente e nos convida para outros banquetes - o banquete que
partilha as migalhas de pão que o vento sopra, e olha o vento
sereno, molhado, esperado e sonhado que vem dos confins do Aracati,
é um vento de maresia que busca habitar a sua colina sem se importar
com o amanhã, pois os abutres, sempre verdes da colina, são do
tamanho do mundo: demônios que a brisa não leva, vagas procelas não
confinadas pelo mar. Ando com coragem pelo deserto de todos os
caminhos, desde que eles terminem no povoado “assombroso” de uma
colina onde os matutos são as sombras passageiras de todas as nossas
vontades.
João Pinto de Maria
(Biografia de um louco) recorta as lembranças de um homem que sonhou
com o seu passado e viveu o seu futuro sem nunca olhar para o
presente: João Pinto de Maria desfigura a geografia cronológica da
existência, pois o seu tempo é o tempo do não tempo, na terra do
nunca sua aventura se des-faz. É sonho num sonho, uma aventura numa
aventura, a palavra maldita na maldição de cada silêncio. João Pinto
de Maria des-faz todos os roteiros do nascimento até a sua
‘improvável morte’ o caminho torto e roto de suas andanças pecam
pela indecência de toda decência, pela virtude de não conhecer
virtudes, de não obedecer o catecismo piegas das receitas salvadoras
de todas as fés. É um louco talhado na santidade, como os ‘bons’ e
‘maus’ santos peca por não saber o que é pecado, por isso está salvo
e goza dos requisitos dos iluminados pela fé. A santidade reside na
loucura vã de cada trincheira feita de amor e paixão. Na sua
biografia de um louco, temos a radiografia de um santo que purga
todas as suas culpas por apenas um único delito: o de não possuir
culpa alguma.
Estas três
digressões narrativas servem tão-somente para configurar nas minhas
retinas e na minha predileção literária, um pequeno painel da
excepcional “Trilogia da Maldição” do genial José Alcides Pinto, que
sua maldição se espalhe por muitas cabeças deste País por vezes tão
pio mas tão medonho, chamado Brasil. A “Trilogia da Maldição” é
leitura que apavora e salva. Mas, também, condena todo aquele que
dela se afasta. Portanto, é imperioso conhecer esta fascinante obra.
Outra trilogia não menos genial, já está a caminho, comecemos pela
primeira, a da maldição e aguardemos a do tempo dos mortos, e então
saberemos cada vez mais, o que é a sabença do criador de veredas
mil, de caminhos sem fim, de loucuras que nos fazem mais gente, eis
o prazer e o saber da magistral escrita de José Alcides Pinto, que
antes de qualquer outro parentesco artístico-literário, descende
dele mesmo: senhor de todas as criaturas que povoam os mais áridos
desertos, descritos através de uma escrita soberta. (A Trilogia é um
lançamento da Topbooks. Rio, 1999)
Leia José Alcides Pinto
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