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Linaldo Guedes


 

Ah, como é bom nadar contra a corrente!

 

No final da década de 70, Chico Buarque de Holanda compôs um sambinha gostoso, intitulado de “Corrente”, que representava, de certa forma, uma negação ao novo, aos modismos de então, recheados de discoteque e outros salamaleques musicais. Na letra da música, Chico reafirmava sua opção pelo samba tradicional – aquele que o tinha revelado para o mundo cultural brasileiro. Apesar do título, parecia mais que o genial compositor estava na contramão do que vingava no cenário musical da época. Tanto que o samba não fez tanto sucesso assim. O lance eram os requebros de Sidney Magal ou o samba menos criterioso de Benito Di Paola.

Frederico Barbosa, poeta pernambucano de prestígio nacional, chega ao terceiro livro mantendo coerência com a sua forma de ver, sentir e pulsar a poesia. “Contracorrente”, este o título do livro lançado pela Iluminuras. E, de fato, o poeta navega no mar excessivamente limpo da literatura atual brasileira buscando sujá-la um pouco da poesia que se não é de toda “nova” (no sentido de revolução estética), mas que com certeza não há de ser nunca conformada. É que para a poesia tupiniquim de hoje parece ser cada vez mais lógico o verso exato, preciso, diria parnaso às avessas (como insinua FB em um dos poemas). Talvez sem o rigor literário dos discípulos de Olavo Bilac, mas com muita falta de furor, de energia, de vontade de espernear no caldeirão de signos que existe em nossa língua. É aquela poesia que nem fede nem cheira. Termina-se a leitura do livro, fecha-o e depois vai dormir com a sensação do dever cumprido. E é justamente isso que, parece, não querer o Frederico Barbosa. A sensação do dever cumprido, da obrigação literária.

“Contracorrente” é filho dileto do Concretismo. Mas diria que às vezes um filho ingrato, que flerta com o pós-modernismo e não tem vergonha de apaixonar-se desbragadamente com o próprio autor. Ou seja: para além de encaixes em escolas e tendências, Frederico Barbosa é ele mesmo em seu terceiro livro, com direito a vôos personalíssimos que o deixam à vontade para pousar no cemitério de cetins da nossa poesia atual.

Fica a impressão, após ler “Contracorrente”, que realmente está faltando “porrada” em nossa cena literária atual. E Frederico Barbosa expõe isso no primeiro poema do livro. Mas engana o leitor, quando diz que “de tanto tomar porrada/ (...)eu/ insulto/ calei”. Fosse assim, não excitaria o desabafo em outros versos do mesmo poema: “arrisco sem meta/ ou metro estimado”. Não, Frederico Barbosa sabe que nada mais é “pé no saco” do que o verso chato. E ele sabe que “(...) não basta/ achar sentido” no que não tem sentido.

Todas as páginas do livro buscam preencher essa fuga do inodoro, do insosso poético. A busca da poesia perdida nos alfarrábios acadêmicos. A contracorrente da própria contracorrente. “Sem ensaio arrisco”, diz em “I, the tempest”, outro poema do livro. É como se dissesse: berro, logo existo.

Há também, em Frederico Barbosa, poemas existenciais, aqueles que nos fazem refletir sobre nossa condição de espectador e/ou provocador do mundo. Mas até nisso, a sua poesia carrega uma carga forte do imprevisível. Do achado literário, da paixão de encontrar uma forma nova para dizer que vida já se bastou há muito tempo. Confiram “Desexistir”: “quando eu desisti/ de me matar/ já era tarde.// desexistir/ já era um hábito.// já disparara/ a auto-bala:/ cobra cega se comendo/ como quem cava/ a própria vala.// já me queimara./ pontes, estradas,/ memórias, cartas,/ toda saída dinamitada.// quando eu desisti/ não tinha volta.// passara do ponto,/ já não era mais/ a hora exata.”

O poeta também pratica exercícios de memória, falando do “Raro cantar” em tempos distintos de sua veia poética que não dispensa a contracorrente da lida que canta ao amor entre os escombros. Outros exercícios de “desexistência” fazem parte da poética de Frederico Barbosa. Isso pode ser lido no erotismo domado de “Jeans”, na singeleza consciente de “Sabia”, na irreverência juvenil de “Lá”, no platonismo que fala da “Paulistana de verão’, no experimentalismo concretista de ‘O”, ou da conclusão de “Malarmé falsificado”: “quem precisa de pressa,/ se pode posar/ de preciosista?”.

Diz Frederico Barbosa, na orelha do seu livro: “arrisco lançar minha Contracorrente nesse mar de “correção” retrógrada que tem dominado a nossa poesia nos últimos tempos. (...) Mas onde está a poesia pungente, que fere, que coloca o dedo nas feridas? Feridas da linguagem e – por que não? – da vida”. A poesia de Frederico Barbosa é respaldada por Antônio Risério e Antônio Cândido, entre outros. Eles reconhecem, e entendem, que o autor de “Contracorrente” é um dos poucos que coloca o dedo na ferida, tanto da linguagem quanto da vida.

Até quando fala de política – “Ditadura da popularidade” – Frederico Barbosa usa um toque de irreverência, de cinismo, de deboche e da boa ironia que anda em falta nas nossas letras. Até quando faz elegia – “Pior do que a morte”, dedicado a João Cabral de Melo Neto – FB é anti-qualquer forma de homenagear nossos ícones.

O livro “Contracorrente” tem capa e projeto gráfico de Carlos Fernando. E o visual de suas páginas é um prazer a mais para leitura. Suas páginas são simples, sem enfeites desnecessários, mas imprevisíveis e agradáveis de se ver.

Mas melhor do que ver, é ler a poesia de Frederico Barbosa. Lendo-a, é como se não deixássemos nunca de sermos jovens. Nesse final de século, nada como a alegria/trágica/mórbida/irreverente da juventude, tão bem reforçada por Frederico Barbosa, para nos fazer pensar sobre o nada que somos nós.
 


Frederico Barbosa

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05.11.2004