Luiz Paulo Santana
Blue Azul X Tatuaçu
Temente a Deus, seguia em linha reta
Evaristo Bigode, quarto zagueiro do Blue Azul (Blue que em língua
inglesa significa azul, ôpa! mas, senhor presidente, perguntou o
cronista, por que então Blue Azul que é o mesmo que Blue Blue ou
Azul Azul? Ao que o presidente, pacientemente, responde: Blue é Blue,
Azul é azul, meu filho. E isso é tudo.). Mas eu dizia, seguia o
Evaristo quarto zagueiro do Blue Azul de Itapitu (que em língua
indígena significa pitu de pedra, pitu todo o mundo sabe o que é,
por via das dúvidas eu digo, é um camarão grande), pensando, o
Evaristo Bigode, em como poderá parar o camisa 10 do Tatuaçu (que em
língua indígena significa tatu grande), já que o Itamirim (que no
dito vernáculo quer dizer pedra pequena) estava desclassificado.
Mas era justo por causa de um jogador
do Itamirim (desclassificado) que Evaristo estava preocupado. No
jogo em que se enfrentaram o Blue ganhou pelo escore mínimo. Mas
Evaristo acertou uma canhota na região da canela direita do dito
cujo jogador, que saiu de campo jurando vingança pela alma do finado
pai, famoso central do Itaoca (que no léxico silvícola quer dizer
casa de pedra), logo se saberia o porquê: o irmão do ofendido era o
dito camisa 10 do Tatuaçu, nego franzino mas bom de bola.
No dia do jogo Evaristo tomou uma Pitu
que era açu (mas não era camarão grande) e entrou em campo falando
sozinho. Não temia de jeito nenhum canelada do mirim (pequeno), mas
a ginga desconcertante, o drible seco e tangente no contrapé. E
tinha motivo.
No primeiro lance Evaristo Bigode teve
que sair na cobertura do filho-da-puta daquele meia armador
come-e-dorme que perdeu a bola muito justamente para o tal. O 10
recebeu limpinha. Todo lampeiro deu logo uma gaúcha e passou ao
largo das chuteiras arrepiadas do Evaristo, mas Tonico estava atrás
e interceptou. Em todo o caso, deu em nada.
Durante 15 minutos Evaristo Bigode
descansou. Ficou até maneiro depois que a Pitu lhe assentou nos
cornos. Matou uma no peito, pôs na grama, rolou com refinada classe
diretamente para o meia come-e-dorme, inclinando o corpo altivo na
hora do toque. Mas o meia perdeu outra vez. Quem ficou com a redonda
foi o 5 do Tatuaçu, que, aí sim, enfiou uma comprida, sabe pra quem?
pro desafeto 10, dobrando a aposta.
Há momentos em que certas conjunções
são francamente prenunciadoras. Essa, por exemplo. Matar a bola no
peito, amaciá-la no chão, olhar e tocar a redonda no capricho para
um companheiro, eis um momento em que o anjos tocam trombetas e o
deus dos estádios cintila nas arquibancadas. Mas se no momento
seguinte a preciosa oferenda é bisonhamente perdida, esfacela-se a
magia e o que se ouve é um coro de vaias. Conjunção disjuntiva de
fatos futebolísticos. Evaristo Bigode não teve tempo de xingar (do
quimbundo kuxinga, injuriar, descompor).
O 10 recebeu de costas pro Evaristo,
gingou pro lado direito, staccato, sim, não, saiu pro mesmo
lado deixando o Evara mais perdido do que cego em quarto escuro.
Depois parou e esperou com a chuteira sobre a bola. Bufando,
Evaristo cercou outra vez o 10 pirralho, que não se lançava, que só
balançava a rendonda mas não partia, na cabeça do Evara uma
dilatação de tempo insuportável, a criação do mundo, o homem sobre a
Terra, o apocalipse prestes a acontecer. Então Evaristo Bigode ouviu
com os seus ouvidos que a terra um dia há de comer, “Chupa meu pau,
branquelo de merda!”
A noite baixou nos olhos de Evaristo
Bigode, que partiu pra cima do pequeno como um marruá de rodeio, o
soco armado na catapulta do braço. Nisso o árbitro entrou. Meia hora
depois o árbitro acordava com o cartão vermelho na mão. No fim das
contas, o pequeno 10 marcou dois dos quatro tentos do Tatuaçu,
lavrados depois que o Evara saiu entre dois meganhas. Só depois que
ele saiu, diriam na resenha. Honra seja feita. E isso amenizava o
porre. E animava a próxima peleja. O Blue-Azul não fez nada e tomou
de quatro. Também, pudera. Sem o zagueirão. Já Evaristo Bigode tomou
todas e não encontrou o caminho de casa. Só no outro dia.
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