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Luiz Ruffato




Operários da palavra

Conversa com Márcio de Souza
 



Márcio de Souza, autor do romance "Mad Maria" (Editora Record), e Luiz Ruffato, ganhador do Prêmio Jabuti de 2001 (com "Eles Eram Muitos Cavalos", Editora Boi Tempo), conversam sobre o trabalho literário, seus livros, o mercado...


Márcio Souza: Você se considera um trabalhador das letras?

Luiz Ruffato: Eu me considero um operário da palavra. Vivo do que escrevo. Abandonei o jornalismo há dois anos e meio, no meio de uma carreira que reputo interessante (cheguei a secretário de redação de um jornal importante de São Paulo), para me dedicar à literatura. Vivo de direitos autorais (daqui e do exterior) e do entorno da literatura, com palestras, conferências, resenhas etc.

Souza: O que aconteceu com a imprensa brasileira, que encolheu o espaço dedicado ao movimento editorial?

Ruffato: Este foi um dos motivos do meu desencanto com o jornalismo. O jornalismo brasileiro hoje é superficial, irresponsável, desinformativo, colonizado. Tirando uns poucos resistentes de segundos-cadernos, não há debate cultural no jornalismo. Temos algum espaço para resenhas descritivas e nenhum para a reflexão. A elite brasileira, dona dos meios de comunicação, renunciou ao papel de indutora da reflexão cultural. Entregou-se à vulgaridade, como todos os outros setores da sociedade brasileira.
 
Souza: Como se sente escrevendo num país em que o preço de um livro mediano é quase um terço do salário mínimo?

Ruffato: Indignado. Não pelo preço do livro, apenas, mas principalmente pelo valor do salário mínimo. O que ocorre é que preço é sempre algo relativo. O livro é muito caro para um aluno pobre, que trabalha o dia inteiro e pega ônibus e trem para fazer uma escola ou faculdade de segunda linha. Mas não é tão caro para o aluno das escolas particulares, que gasta o preço de um livro numa ida ao botequim da esquina. O que me irrita, de um lado, é a irresponsabilidade dos órgãos públicos, que tornaram as bibliotecas públicas em simples depósitos de livros, impedindo que sejam organismos vivos e interessantes; de outro, a repetição genérica e equivocada (principalmente nas universidades públicas) de que o livro é caro por si. Um aluno de medicina não deixa de comprar um compêndio de anatomia porque seja caro; mas é corrente um aluno de letras xerocar livros inteiros sob o argumento de que são caros.

Ruffato: Você acredita na literatura como fonte de modificação da humanidade?

Souza: Tudo é política e todo mundo faz política o tempo todo, mas não creio que faça literatura eminentemente política. O que sei é que não escrevo literatura reflexiva. Meus textos estão mais para a narrativa, para a ação. Talvez minha contingência venha carregada de fatos políticos. Afinal, sou da geração de 68.

Ruffato: "Galvez, Imperador do Acre", um de seus livros mais conhecidos, insere-se na literatura pícara, sem tradição no Brasil. Qual, na sua opinião, o motivo dessa ausência?

Souza: Literatura pícara é coisa da Península Ibérica, especialmente da Espanha. "Galvez, Imperador do Acre" está melhor situado - acredito -, na velha tradição humorística e crítica da literatura brasileira. Galvez é primo do Policarpo e irmão do Serafim Ponte Grande.

Ruffato: "Mad Maria" resgata um episódio pouco conhecido da história recente do Brasil. Outros episódios, como a Revolta dos Malês, os quilombos, a Guerra do Contestado, também são pouco estudados e conhecidos. Por quê? Somos um país envergonhado de si mesmo?

Márcio Souza: "Mad Maria" é uma das muitas sandices econômicas cometidas na Amazônia. Aqui pelo menos é uma história bem conhecida. O que já não acontece com a Revolta dos Malês, por exemplo, que por sinal acho sinistra; uma tentativa de impor ao Brasil o fundamentalismo islãmico. Mas você tem razão a propósito do desconhecimento da história do Brasil, mas não vejo nisto nenhuma conspiração. O que acontece é que a universidade aqui no nosso país é recente, e é a universidade, a academia, que gera pesquisadores, cientistas e historiadores.


 

 

 

 

29/06/2005