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Lucas Tenório



 


Escrever poesia hoje – alea jacta est

 



 

Quando inicialmente tracei algumas primeiras linhas formais sobre a questão da poesia relativamente problematizada, estava a comentar com o editor do Jornal de Poesia, Soares Feitosa – brevemente e por e-mail -, uma observação do poeta Alexei Bueno sobre a poética brasileira “atual” (a de fins de 1990). Alexei, considerado pela crítica como “metafísico” (pelo que li de forma esparsa do hipertexto do próprio Jornal de Poesia), menos esquadrinhava que depreciava: principalmente da replicação insossa e estéril de fórmulas gastas – clichês? – no argumento do signo poético, fazia ele, pelo que me pareceu e se não erro, o termo de denúncia do esvaziamento lírico-espiritual-transcendental de um fazer poético anêmico, desidratado e eminentemente substantivo, uma malograda revisitação de Cabral pelos andaimes e roldanas do elevador “obsoleto” do pós-concretismo.

Li um pouco de Alexei, especialmente um seu poema chamado “Helena”, evocado, então, como um dos representativos, e no bojo da ocasião disse ao Feitosa ter encontrado no verso um conjunto formal com um “conteúdo” menos que proporcional.

O poeta da “pós-modernidade”, penso, encontra-se numa situação difícil, mas consigo mesmo. Não há escolas, movimentos, referências, mesmo estilos; não como ordinariamente os conhecemos. Há os grupos que me parecem mais escolhidos que egressos, adventícios da dinâmica psicopedagógica do escrever, da comunhão com o mistério da literatura: dos eleitos – pelo mistério; e não dos escolhidos, escolhidos por um filosofismo propedêutico e estruturalista do semântico/semiótico que é a (ou pretende ser) fina-flor de sua poesia. Mistério como, no dizer de Roland Bhartes, seria o Texto, a escritura, com tudo o que se lhe significa, e não algo infantilmente e simplificadamente esotérico.

Dificuldade do poeta consigo mesmo porquanto, se não eminentemente narcisista, ele se quer (também) espelhado em algo/alguém, parecido – verdade da cultura -, mas significativo do novo, do enigmático – mistério que em nossa época seria a decifração dos caos – verdade da escatologia. (Repousa ainda em nós o bom e velho homem de antigamente! Da costela de Adão e do Barro, o homem homo sapiens?)

Elucubrações à parte, li também no JP a conhecida carta de Mário Quintana em resposta a um jovem poeta que lhe pedia orientações em matéria de poesia. Quintana, depois de dizer ao consulente que seguisse seu próprio caminho, pediu que voltasse a falar-lhe depois de algumas dezenas de anos. Bom, frustrações à parte, o Quintana em questão ouviu o jovem poeta, respondeu-lhe, disse-lhe para voltar! E ah, Deus! Como seria bom se nós, poetas de 2005, tivéssemos o nosso Mário Quintana como conselheiro! Como isso nos seria reconfortante frente à mudez e frieza de tantos e tantos “consultados” diante de um discreto pedido de apreciação, um comentário, uma sugestão. É difícil hoje se receber, se se mereça, claro, um: “você escreve bem”; “gostei da sua poesia (do seu poema)”; “você precisa observar esse ou aquele detalhe”. Não. Não há resposta nesse sentido, acredito que com pouquíssimas exceções. Da minha experiência, há o silêncio como que a salvaguardar o descompromisso, o distanciamento, o não-envolvimento, o não-endosso a priori. A priori? De quê?

Vivemos essa era de dificuldades sem mecenas. Sem círculos - desarmados e espontâneos - de diálogo, conversação, troca de idéias. O que fazer aquele que pretende escrever poesia hoje e a um só tempo dialogar com outras perspectivas (tanto menos a dos afetados-iniciáticos), descontente com a retumbância singular e surda de sua própria voz?

A poesia brasileira está tão ruim quanto disse Alexei? Paulo Leminski, Ana Cristina Cesar, Manoel de Barros, César Leal, Glauco Mattoso não fizeram a sua parte? Os letristas da MPB (essa uma outra nutrida controvérsia) não são poetas? Há espaço editorial fora das universidades e dos “clubes” literários fechados do velho eixo Rio-São Paulo?

E especificamente a jovem poesia, ou poetas da “agoridade”? A esses, o tatear no escuro. Não que a “descanonização” em si seja nociva, pelo contrário: provocadora, fértil; e o escuro, o horizonte difuso do devir da aurora!? Não. Uma espécie de eclipse que teima em manter-se “em cartaz”. A sorte está lançada ao poeta dos nossos tempos: com um dado viciado.

 

 

 

 

14/09/2005