revista de poesia
nº 1 - março de 2004

ensaio

1925-1975: 50 anos de poesia brasileira pela pena de Murilo Mendes

Não se trata de ser ou não ser,
Trata-se de ser e não ser.

Murilo Mendes, Poesia Liberdade

 

Decorria já o ano de 1972 quando Benedito Nunes resumiu finalmente em breves e decisivas palavras a verdadeira dimensão do carácter representativo e convergente da obra poética de Murilo Mendes (Juiz de Fora, Brasil, 1901-Lisboa, Portugal, 1975) no contexto da poesia brasileira do século XX. Ao apresentar o livro de Laís Corrêa de Araújo dedicado ao poeta mineiro mais universal do Brasil, o ensaísta perspectivou a generalidade da sua obra para acentuar categoricamente que o «decurso entre a publicação do primeiro livro, ainda quente da rebeldia instaurada pela Semana de Arte Moderna de 1922, e o livro mais recente, sintonizado pela radicalidade da linguagem com os processos inventivos de vanguarda, faz de sua obra, nos vários lances que a definem, um verdadeiro perfil da evolução operada na própria poesia brasileira de todo um longo e vigoroso período»[1]. O crítico tomava então como limites o primeiro e o último livros de poesia publicados em vida por Murilo Mendes - Poemas, de 1930 e Convergência, de 1970[2] -, para reequacionar em definitivo o sempre invocado carácter metamórfico da sua obra, durante décadas objecto de mal-entendidos e de críticas menos iluminadas. Pela voz de Benedito Nunes, portanto, a obra de Murilo Mendes era colocada no seu devido lugar, pois o poeta do movimento e da transformação incessantes, da diversidade, da irregularidade e da desconformidade, construiu em boa verdade uma espécie de mise-en-abîme da poesia brasileira do século XX, o que faz com que através da sua obra se possa apreciar as várias inflexões que a própria história literária do país experimentou, desde o Modernismo de 22 ao Concretismo das décadas de 50-60. Meio século de poesia brasileira, já que as composições que integram Poemas foram escritas a partir de 1925, e visto que só no ano da sua morte o poeta deixaria de produzir, como se pode verificar na edição da Poesia Completa e Prosa organizada por Luciana Stegagno Picchio e acessível desde 1994, onde se encontram inúmeros textos até então inéditos[3]. Ressalve-se porém que a plurivalência poética de Murilo o fez incorporar as várias correntes com que privou - mesmo quando ausente do Brasil -, sem que alguma vez tenha perdido ou ignorado a marca de originalidade que sempre o definiu, o carácter específico e imanente da sua obra, que Manuel Bandeira havia exprimido ao descrevê-lo como «um dos quatro ou cinco bichos-de-seda da nossa poesia, isto é, os que tiram tudo de si mesmos»[4].

Murilo Mendes preferiu seguir a via da modernidade em que o novo nos seduz não por novo mas por distinto. Poeta de vanguarda na justa medida em que, de acordo com a síntese de Octavio Paz, a vanguarda implica «uma intensificação da estética da mudança» em que «as mudanças estéticas deixam de coincidir com o passo das gerações e ocorrem dentro da vida de um artista»[5], Murilo praticou um desdobramento sucessivo cujo verdadeiro significado resumiria no célebre lema estampado à entrada da sua obra reunida em 1959: «Não sou meu sobrevivente, mas sim meu contemporâneo»[6]. À imagem e semelhança de Deus ou do barroco Proteu, o poeta visou apresentar‑se como «o Ser infinitamente variado na sua unidade, capaz de todas as metamorfoses, […] único actor que não repete diariamente seus papéis», como declararia ainda nas anotações em prosa de A Idade do Serrote (p. 974). A textura poliédrica e proteiforme da sua obra derivou assim de uma heterogénese de cariz tanto histórico quanto tipológico, notória na assunção tardia de que a sua poesia é «work in progress» ou «opera aperta», como se pode ler ainda em Convergência (p. 662), no que poderia constituir uma reformulação da conhecida súmula de Siciliana (1959), «Transformar‑se ou não, eis o problema» (p. 567), ou dos versos cruciais de Tempo Espanhol (1959): «Eu sou o não-figurativo, o não‑nomeado, / O não‑inaugurado, o que sempre se perfaz» (p. 584).

E no princípio era Rimbaud e Mallarmé: ao assumir desde cedo uma dupla filiação e uma admiração repartida pelas obras dos dois poetas franceses, Murilo Mendes exibiu de imediato uma síntese dialéctica, contrapontística como se adequava às suas preferências musicais dodecafónicas, das duas grandes linhas da modernidade inauguradas na literatura do século XIX - e um lado o Rimbaud da poesia alógica e de forma livre, do outro o Mallarmé da poesia do intelecto e de forma rigo­ro­sa. O sensorial e o intelectual, o concreto e o abstracto, a imagem e a ideia, o subconsciente e o sobreconsciente articularam-se assim desde logo na es­trutura profunda da obra muriliana, pelo que a antinomia entre a fête de l’intellect valériana e a faillite ou débacle de l’intellect de Breton e de Éluard, que Hugo Friedrich identificou como uma das grandes antíteses da poesia moderna, ou a distinção feita por Marcel Raymond entre artistas e videntes, perderam nesta obra a razão de ser, graças a uma convergência essencial que lhe conferiu uma coerência criativa iniludível. Compreende-se assim neste contexto que o facto de a crítica ter insistentemente chamado a atenção para a heterogeneidade como traço que descreve a matriz evolutiva do discurso poético de Murilo Mendes se deva a um olhar estritamente histórico-literário sobre a sua obra, que sempre preferiu ignorar a poética específica e explícita do escritor.

A história da literatura brasileira diz-nos que a colectânea Poemas nasceu numa conjuntura modernista. E no entanto a inclusão do nome de Murilo Mendes no grupo de autores brasileiros que ficaram reunidos sob a etiqueta modernista não é nem foi nunca linear ou pacífica, o que se conclui facilmente da existência de três atitudes críticas diferentes perante a atribuição do rótulo ao autor de Poesia Liberdade. A primeira, e a mais unânime, proclamou a sua pertença incontestável ao movimento que se iniciou no Brasil com a Semana de Arte Moderna, em 1922, e foi protagonizada por críticos como Adolfo Casais Monteiro, Dámaso Alonso e José Guilherme Merquior, tendo o primeiro colocado Murilo ao lado de Manuel Bandeira e Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Ronald de Carvalho e Mário de Andrade, Jorge de Lima e Drummond, considerando-os a todos agentes do movimento modernista, para sublinhar o papel de representatividade em relação ao movimento que desempenharam quer Murilo quer Jorge de Lima, enquanto Merquior anunciava com entusiasmo que ao passo que «os Rô­mulo e Remo da Roma modernista, Mário e Oswald, chegaram - como Bandeira - ao estilo avant-garde», Drummond e Murilo «já nasceram moder­nistas»[7]. A segunda atitude, visível nos discursos críticos de Laís Corrêa de Araújo ou de Júlio Castañon Guimarães, também bastante difundida e complementar da primeira, tendeu a relativizar a integração de Murilo Mendes num Modernismo de grupo, mediante a ênfase no seu papel original e único no âmbito do movimento[8]. Por fim, a terceira atitude, encabeçada por estudiosos como Antônio Soares Amora ou Gilberto Mendonça Teles, insistiu sempre na recusa integral em incluir Murilo no grupo dos vanguardistas de 22[9].

É sabido que durante a Semana de Arte Moderna Murilo Mendes se manteve intencionalmente afastado dos acontecimentos, não tendo tido qualquer tipo de participação activa no movimento que então nascia, como ele próprio fez questão de frisar: «Em 1922 eu estava no Rio, olhando de longe e com simpatia o movimento, mas sem aderir oficialmente, porque nunca tive instinto gregário, o que sempre me impediu de fazer parte de qualquer grupo»[10]. É claro que este desvio do espírito de grupo o impedia à partida de se alinhar numa revolução estética que, como qualquer acto vanguardista, se sediava por defeito numa acção conjunta de natureza polémica e eliminatória. Apesar do distanciamento assumido, o poeta publicou os seus primeiros textos nas principais revistas do Modernismo, como a Revista de Antropofagia, Verde, Terra Rôxa, Festa ou Lanterna Verde[11] e aderiu, ainda que não estruturalmente, no dealbar da década seguinte - com Poemas, de 1930, Bumba-meu-Poeta, de 1931, e História do Brasil, de 1932 -, a algumas das linhas mais provocatórias, sobretudo a um certo nacionalismo e à utilização do humor e da paródia na elaboração do discurso poético. O lado efémero deste método de abordagem na sua poesia foi porém desde logo flagrante no facto de ter excluído História do Brasil, anos mais tarde, da edição das suas obras, mesmo perante os protestos de Carlos Drummond de Andrade, ainda que tenha sido justamente pela via do humor e da paródia que Murilo se integrou nessa fase histórica do Modernismo. Bastará ter-se em conta que Poemas abre com uma paródia da incontornável «Canção do Exílio» do romântico Gonçalves Dias, na linha do que fizeram Oswald de Andrade, com «Canto do Regresso à Pátria», Cassiano Ricardo, com «Ainda Irei a Portugal», e o próprio Drummond, com os poemas «Europa, França e Bahia» e «Nova Canção do Exílio». A essa paródia de Poemas poderia juntar-se ainda um inédito incluído no conjunto de originais do poeta guardados por Mário de Andrade, intitulado «Teus 18 anos de Exílio»[12]. Foi neste contexto que Abgar Renault considerou História do Brasil, não uma vénia de Murilo Mendes ao veio nacionalista do Modernismo brasileiro, mas uma ridicularização dessa atitude, num posicionamento exterior e não interior ao movimento. Segundo Renault, «a sua contribuição ao movimento modernista foi das mais poderosas», pois apesar «de haver surgido já quando o Modernismo finalizava a sua luta de destruição, Murilo Mendes não deixou de satirizar, no seu ‘História do Brasil’, o toque nacionalista com que o Modernismo se inaugurara e substituira o helenismo parnasiano por motivos nacionais, tão falsos, a nosso ver, como os reflexos da Grécia»[13].

E de facto o que Murilo Mendes foi beber de essencial ao Modernismo de 22 situava-se nos antípodas desse ufanismo que foi doença geracional: em rigor, interessavam-lhe dois princípios relativos ao acto de criação artística, os princípios da liberdade e da universalidade. Para lá da dedicação transitória às inclinações mais provocatórias do movimento, que por isso mesmo desapareceram nas obras subsequentes, o poeta enraizou na arquitextura da sua obra o que nas conferências de Graça Aranha representava o diálogo com o espiritonovismo de Apollinaire, ou seja, o engrandecimento da liberdade na literatura e a proclamação da universalidade da arte[14]. São estes dois alicerces estéticos que compõem desde o início o tecido imanente da sua escrita: «A poesia confere a investidura na universalidade», afirmaria nessa longa arte poética que é O Discípulo de Emaús (p. 833). Esta postura anti-provinciana e altamente cosmopolita não pode surpreender na obra de um poeta que se estreou em livro no ano de 1930. Apesar da perda que constituiu a morte de D. H. Lawrence, o ano em que se iniciou a segunda fase do Modernismo no Brasil, com a publicação das primeiras obras de Murilo Mendes e de Carlos Drummond de Andrade, foi o ano em que se editou Ash-Wednesday de T. S. Eliot, As I Lay Dying de William Faulkner, The Bridge de Hart Crane, e The 42nd Parallel de John dos Passos e em que apareceram no cinema L’Age d’Or de Buñuel e Le Rang d’un Poète de Cocteau. Isto significa, desde logo, que o primeiro livro de poesia de Murilo Mendes surgiu numa fase de consolidação e maturidade dos triunfos dos primeiros modernistas, não só à escala brasileira, mas mundial. E é na justa medida em que revela esta mesma maturidade estética que o livro se aproxima, antes de mais, do Modernismo na sua vertente anglo-americana, em particular de dois poetas que Murilo sempre admirou, Ezra Pound e T. S. Eliot. A grande afinidade entre o autor de O Visionário e estes dois nomes centrais e decisivos da literatura do século XX relaciona-se menos com o Imagismo a que Pound deu o nome e com a despersonalização configurada na teoria do correlativo objectivo formulada por Eliot no famoso ensaio sobre o Hamlet de Shakespeare, do que com uma questão crucial que atravessa a poesia de ambos: a polifonia entendida como confluência de toda a tradição literária no espaço poemático. Murilo di-lo claramente: «Em minha poesia procurei criar regras e leis próprias, um ritmo pessoal, operando desvios de ângulos, mas sem perder de vista a tradição». Não por acaso Affonso Ávila notou que a tradição repensada é definidora nota fundamental do Modernismo em Minas, ressaltando que não se tratou de «romper com todo o passado intelectual da região, mas, ao contrário, de valorizá-lo de forma crítica»[15]. No caso de Murilo Mendes, mineiro universal, esta reflexão alarga-se para lá dos limites do passado intelectual da região, já que tal tradição repensada é o próprio fundamento do vínculo do poeta ao cânone artístico. E foi a partir desta óptica que Murilo criticou os modernistas brasileiros mais radicais, uma vez que, segundo ele, «acreditaram que se podia fazer uma ruptura completa com a tradição, com a cultura clássica e com os valores eternos»[16]. Para o autor de Tempo e Eternidade, a tradição implica sempre a absorção do Outro, é o mais literal de todos os actos de antropofagia. Esta atitude declarada de integração num sistema constituído por escritores e obras do passado afastou-o desde logo de uma das tendências fundamentais do Modernismo brasileiro de 22, na sua vertente mais revolucionária: a recusa do passado e dos seus «malditos mestres», apregoada violentamente por Menotti del Picchia nos dias de Fevereiro de 1922 em que se realizou a Semana de Arte Moderna, e por Mário de Andrade nos seus primeiros manifestos[17]. Mário da Silva Brito sintetizaria esta atitude, anos mais tarde, ao afirmar que os modernistas «não têm mestres no Brasil», «ou porque estão mortos ou porque, mesmo vivos, são como praticamente inexistentes para eles»[18]. Murilo Mendes afastou-se, assim, de tudo aquilo que no Modernismo brasileiro de 22 era Futurismo importado da Europa, como ele próprio confessou a Carlos Drummond de Andrade: «Mesmo porque nunca comunguei com certas idéias do Graça - perpétua alegria, entusiasmo pela máquina, América do Norte, etc»[19]. Há portanto um vector anti-tradicionalista de índole destrutiva, lema manifesto das vanguardas modernistas do início do século XX, assente na antinomia maniqueista passado-futuro - que se acentuou no caso concreto do Modernismo brasileiro pelo facto de, como frisou Gilberto Mendonça Teles, o Futurismo ter sido «o grande modelo inicial» do movimento -, a que Murilo não pôde aderir, e que por conseguinte rejeitou liminarmente[20]. Não sendo por certo um modernista brasileiro no que esse Modernismo teve de radical combate vanguardista, Murilo Mendes filiou‑se antes num propósito construtivo do momento literário em que viveu - como sublinhou João Gaspar Simões, foi, ao lado de João Cabral de Melo Neto e, acrescente-se, dos modernistas anglo-americanos, um clássico do Modernismo[21].

No mapa tipológico da obra do clássico Murilo Mendes há um formante nuclear de estirpe barroca ou maneirista que regulou o impulso de transformação permanente e que foi crucial para a fundação de uma lógica dialéctica que sempre visou anular distinções dualistas de qualquer espécie, a fim de instituir uma realidade poética cimentada na coabitação dos opostos. Por isso não é de espantar que tenha sido justamente a partir do contacto aprofundado com os artistas barrocos do século XVII, sobretudo no campo da pintura, que o poeta tenha acedido a um universo em constante expansão que desde muito cedo designou como surrealista. Apesar de na sua poesia o Surrealismo não ser uma moda histórica a que tenha aderido por razões circunstanciais, mas sim o lugar onde se cruzam uma série de vectores permanentes, trans-temporais, que formam a estrutura profunda da sua poética, a verdade é que em termos históricos, ultrapassados os tributos iniciais e necessários ao Modernismo, livros como O Visionário, Os quatro Elementos, As Metamorfoses, Mundo Enigma ou Poesia Liberdade, produzidos ao longo da década de 30 e nos primeiros anos da década de 40, exibem uma clara atracção pelo universo insólito surrealista bebido na fonte de Rimbaud e de Lautréamont, e responsável por uma poesia que modela a língua por dentro e que intersecciona tempos e espaços distintos através da energia conjuntiva da imagem[22]. As primeiras duas décadas de criação literária de Murilo Mendes encontram-se repassadas obsessivamente por um tropo dominante, a metáfora. Quer dizer: a heterogénese da sua poesia gerou um percurso retórico de raiz dialéctica, polarizado progressivamente em duas figuras - a metáfora, marcando o período de índole surrealizante, e a paronomásia, que caracterizaria fundamentalmente os textos compostos no final da década de 50 e ao longo da década de 60, reunidos em duas obras da máxima relevância, Tempo Espanhol e Convergência.

Mau-grado a interminável polémica acerca do Surrealismo muriliano, foram vários os críticos a chamar a atenção para a sua presença logo na obra de estreia, desde o pioneiro Mário de Andrade, que em 1931 aludia já, a propósito de Poemas, ao «aproveitamento […] convincente da lição sobrerrealista», e apresentava Murilo como «uma das realizações mais poderosas do anarcoerotismo surreal» e do «iconoclasmo surrealista». Décadas mais tarde, num ensaio de 1965 consagrado à publicação de Tempo Espanhol em Portugal, Óscar Lopes sublinhava que «o Surrealismo de Murilo Mendes, não apenas se antecipa ao nosso de vinte anos, como nasce já brasileiro de gema, com aquela naturalidade e largueza já proverbiais em ‘Mulher em todos os tempos’ e ‘Jandira’ [de O Visionário, 1941]», Affonso Romano de Sant’Anna ressaltaria que Bumba-meu-Poeta reafirmava «o descentramento presente nas paródias do primeiro livro de Murilo (Poemas - 1925‑1929) e no Surrealismo já inaugurado aí mesmo antes de abrir-se em O Visionário», e José Guilherme Merquior concluiria peremptoriamente que «o que Murilo introduzia na literatura brasileira em 30 era a prática do Surrealismo»[23]. Ora, efectivamente, a amplitude de visão estética que desde o início assinala esta obra foi de imediato manifesta na co-presença, em Poemas, de rasgos especificamente modernistas e de certas opções retóricas e poetológicas que pela mesma altura vigoravam já na Europa, particularmente em França, no círculo de Breton. Murilo Mendes travou conhecimento com as linhas basilares do movimento surrealista francês bastante cedo, como relata em algumas pá­ginas das suas memórias, onde nos informa que já na década de 20 Ismael Nery, Mário Pedrosa, Aníbal Machado, ele próprio «e mais alguns poucos» descobriam no Rio o Surrealismo, então verdadeiro «coup de foudre». O amigo pintor havia-se deslocado à Europa duas vezes, «conhecendo pessoalmente alguns membros do grupo, em Paris», e trazendo «abundante documentação sobre o movimento, em especial sobre o De Chirico e Max Ernst», «cujos nomes ainda estavam longe da irradiação atual». Desde a primeira época de formação do Surrealismo, relatava ainda, Murilo informou‑se «avidamente sobre essa técnica de vanguarda», a qual, embora «não adotasse como sistema», o fascinava, compelindo‑o «à criação de uma atmosfera insólita, e ao abandono de esquemas fáceis ou previstos». E acrescentava: «Tratava‑se de um dever de cultura. O Brasil, segundo Jorge de Sena, é surrealista de nascimento, de modo que a minha ‘conversão’, ainda que parcial, àquele método, não foi difícil» (pp. 1238 e 1270-1271). Não será assim de espantar que Poemas, publicado no ano em que se editava em opúsculo o Segundo Manifesto do Surrealismo, surgisse já com uma série de composições que o inseriam numa certa linha do movimento, que teria plena afirmação a partir de O Visionário.

A «conversão parcial» de Murilo Mendes ao Surrealismo passou, num plano imediato, pelo enaltecimento da liberdade e pela recusa das limitações do homem. Em 1947, trazia a lume o volume Poesia Liberdade, onde se apropriava de uma das palavras de ordem do discurso surrealista: «A simples palavra liberdade é tudo o que me exalta ainda», confessava Breton no Manifesto Surrealista de 1924[24]. O livro-divisa de Murilo surgia, para além disso, num momento capital, pós-guerra, em que ainda ecoavam os versos da liberdade de Paul Éluard[25]. Para o poeta brasileiro, a palavra de ordem tinha a importância fundamental de transpor os limites políticos, sociais ou ideológicos que naturalmente implicava, para afirmar concomitantemente o lugar da poesia como o espaço ilimitado de reacção contra a ideia de medida do homem. O reequacionamento da condição humana, levado a cabo pelos poetas e pintores surrealistas que admirava, permitia-lhe apreender o homem como totalidade: «tudo deveria contribuir para uma visão fantástica do homem e suas possibilidades extremas», rejubilava-se no retrato-relâmpago de André Breton (pp. 1238‑1239). A sua poesia é a melhor testemunha da adesão significativa ao que no Surrealismo constituiu a recusa dos limites humanos e consequente exploração das zonas limítrofes do homem, concentrada na sondagem do inconsciente. Os topoi da alucinação, da loucura, da infância e do sonho encontram-se difundidos por toda a obra, como garantias de uma liberdade absoluta que a vida consciente não conhece. Murilo interessou‑se, de forma particular, tal como os surrealistas numa primeira fase, pelo fascínio da imagem do homem dormindo - pelo sono e pelo sonho. O que não o impediu, a par de Jorge de Sena e com a aguda lucidez histórica que sempre o acompanhou, de ter a noção clara de que a arte surrealista retomava nesse âmbito um estímulo a que os românticos alemães e os simbolistas franceses haviam já dado resposta no universo estético do século anterior: no retrato-relâmpago de Magritte, Murilo lembraria que «certos pintores - como também certos escritores - apesar de praticarem o culto do sonho e do inconsciente, que muito antes de Freud os ligava aos românticos (especialmente a Novalis, Achim von Arnim, Hoffmann e Nerval), não eram de fato uns instintivos, mesmo porque percebiam nitidamente a polaridade entre forças cerebrais e forças ancestrais» (p. 1255)[26]. A sua atracção pelo sono foi desde logo notória na confessada curiosidade por Georg Christoph Lichtenberg, surrealista alemão do século XVIII por quem Freud nutria grande respeito intelectual, e que o próprio Breton havia editado em francês[27]. No retrato-relâmpago que lhe dedicou, Murilo sobrelevou as palavras de Lichtenberg sobre a necessidade de analisar o homem não desperto: «Toda a nossa história não é mais do que a história do homem desperto: ninguém ainda pensou na história do homem dormindo» (p. 1207). A atenção que consagrou às experiências iniciais dos surrealistas torna-se flagrante na generalidade da sua obra, até ao ponto da obsessão: «Que pena não poder me ver - puro - dormindo» (p. 435); «uma das minhas manias era querer ver o sono, o exato milésimo de segundo em que adormecia, o traspasso da vigília ao sono, absurdo, sei, por isso mesmo fascinante, que seria de nós, ahimé! sem o absurdo» (p. 925).

Paralelamente, o esboço de paisagens oníricas percorreu a poesia muriliana desde o primeiro livro, num vasto percurso por um espaço-tempo de associações insólitas e de imagens desprovidas de uma qualquer finalidade imediata. A omnipotência do sonho, que Breton mencionava na definição de Surrealismo apresentada no Manifesto de 1924, foi um dos motivos insistentemente cultivados por Murilo, o que o levaria a produzir textos onde reconstituía a fusão de planos e de perspectivas intrínseca ao espaço onírico e, in extremis, a afirmar a autonomia do próprio sonho em relação ao homem, numa muito particular encenação da morte do autor. Repare-se todavia que, como notou com acuidade Alberto da Costa e Silva, Murilo Mendes «não sonha; faz o sonho», já que, «racionalmente, com os recursos do abismo, monta, andaime por andaime, - como se fora o primeiro De Chirico -, a surpresa, a angústia, a espera, a aflição, a realidade do sonho»[28]. Poemas exibia já uma série de composições geradas nessa atmosfera insólita construída, como era o caso de «Alegoria» (p. 109)[29], mas foi sobretudo a partir de O Visionário, e em alguns textos em prosa, que se pôde encontrar essa ausência de dimensão de que se alimenta o sonho, como nesta sequência de Conversa Portátil: «bombeiros munidos de mangueiras, vestidos de macacões vermelhos, galgam escadas enormes para apagar uma bomba atômica que explode às gargalhadas, gritando-lhes: Idiotas! Não sabem que já morreram no dia em que eu nasci?» (p. 1452). E seria ainda mais tarde, em As Metamorfoses, de 1944, que o sonho virá a adquirir uma existência autónoma já prometida no poema «1500» do volume História do Brasil, e condensada no título calderoniano de uma composição suprimida da segunda edição de O Visionário, «O Sonho É Vida», a que o poeta regressaria em Tempo Espanhol: «Eu sonharei a vida, ou a vida me sonha? / [] // Calderón, ainda no contexto atual do século / la vida es sueño» (pp. 596‑597). O valor que atinge para Murilo o onirismo, onde muitos desvendam a sua mais representativa marca surrealista[30], deve-se essencialmente ao modo como, nessa esfera, ao criador é facultada toda a liberdade na arte. Daqui deriva a reflexão do poeta, no retrato-relâmpago de Joan Miró, acerca das potencialidades dessa outra realidade mais real, onde tudo é permitido, pois uma vez mais o que está em causa é a recusa dos limites do mundo tal como são apreendidos pela razão: «[Miró] Sabe que o mundo através de seus sistemas gastos impede por exemplo o pássaro de telegrafar à pedra; impede as estrelas de jogarem aos dados; a formiga de pedir a palavra; um cachorro de puxar aquela moça por um cordel. […] transforma em realidade a faixa onírica» (p. 1275). O que o encanta na surrealidade é o facto de ser uma realidade absoluta, resultante da fusão do sonho e do real, de acordo com a síntese de Breton, e de se situar num ponto de perfeição onde a poesia respira. Grau zero da realidade, a surrealidade é o lugar onde tudo surge originariamente, ilimitadamente, em perpétua fusão. Por isso o despaisamento a que aludia Breton no texto dedicado à obra de Max Ernst[31] é integrado estruturalmente por Murilo Mendes, num vasto processo de desvelamento de uma dimensão outra da realidade, onde tudo emerge destituído da sua função no mundo da vigília, para que as fronteiras da própria realidade se dilatem ad infinitum: «Dorme, dorme, visionário: / A realidade cresceu» (p. 539).  

Hélio Rôla (Brasil)       Hélio Rôla (Brasil)

Murilo Mendes nunca defendeu que a surrealidade constituísse uma outra realidade, como ressaltou no texto fundamental que é o retrato-relâmpago de André Breton: o que verificava é que as conquistas do Surrealismo lhe permitiam edificar uma imagem diferente da realidade, on­de «o diamante dirige-se ao liceu dos pássaros descalços que o destroem. Duas árvores com medo da polícia agacham‑se atrás de um morto. Certas letras de imprensa censuradas batem à porta da Inglaterra. Uma águia desvia um jovem avião de Elsinore para Cuba enquanto eu assimétrico medito sobre Kierkegaard. Os tupamaros propõem libertar o embaixador de saturno em troca de 10 quadros e 10 gravuras de Perilli» (p. 1330). Excertos como este, do livro em prosa A Invenção do Finito, elucidam não apenas o modo como Murilo produziu a surrealidade que perseguia, mas também a incorporação que levou a cabo de uma série de objectos próprios dos textos e quadros surrealistas, como é o caso do diamante ou do pássaro. Veja-se ainda os manequins, por exemplo, desde o primordial «manequim vermelho do espaço / que de noite eu levanto a mão para tocar / chega perto de mim / tem um ritmo próprio / um andar quase humano» de Poemas (pp. 109-110), a evocar o manequim feminino que ornamentara o Bureau de Recherches Surréalistes, criado a 11 de Outubro de 1924, ou muitas das telas de De Chirico. E prossiga‑se com as estátuas do mesmo livro, com os pianos de As Metamorfoses, ou com as suas máquinas. Alie-se a este cenário mecânico a figura altamente erotizada da mulher, e aportar-se-á na riquíssima galeria de figuras surrealistas que atravessam toda a obra de Murilo Mendes, desde o seu primeiro livro, o que levou críticos como Júlio Castañon Guimarães a verem na presença destes objectos uma das vertentes mais significativas do seu Surrealismo[32].

Um dos grandes impulsos para este cenário surreal residiu, desde o início da actividade criadora de Murilo, numa urgência compulsiva, de raiz rimbaldiana, de transformar o mundo pela imaginação. O que o atraía para essa ditadura do imaginário era a possibilidade que o mundo criado lhe oferecia de fazer coexistir aquilo que, no mundo racional, não lograva presença simultânea devido aos limites impostos pelo espaço e pelo tempo. A imaginação permitia aproximar realidades distantes num plano não pertinente, de acordo com a fórmula de Lautréamont, fundindo totalmente os dados da realidade. Tal como a Breton, interessava-lhe encontrar o ponto supremo de superação das antinomias, habitar o texto poético como espaço e tempo onde os contrários deixassem de ser apreendidos contraditoriamente, onde construção e destruição se tornassem sinónimos, como resumiu no texto que consagrou a Marcel Duchamp (p. 1271). Esta tensão adquiriu desde o início um carácter imanente, assumido por ele próprio ao declarar expressivamente que tinha abraçado o Surrealismo «à moda brasileira», tomando dele o que mais lhe interessava: «além de muitos capítulos da cartilha inconformista, a criação de uma atmosfera poética baseada na acoplagem de elementos díspares» (p. 1238). Encontramos assim nos seus versos a imagem poética tal como os surrealistas a definiram e defenderam pelas vozes de Reverdy, Aragon e Breton - uma imagem geradora de traços de fogo, que funde realidades distantes e contraditórias ao nível racional. A maioria das composições murilianas, com destaque para o «Texto sem Rumo» que abre o volume Conversa Portátil, de 1974, progridem, na senda das composições surrealistas, como uma sequência de ima­gens que desafiam o bom-senso, para utilizarmos a fórmula de Marcel Raymond[33]: «Uma égua admira enluvada os cabelos de coral de certa maçã passeando. A violeta é uma dália que passeando no Vietnã contraiu-se, mudou de côr e perdeu a voz. Entre o tinteiro e o esgoto passa uma corrente subterrânea de entendimento tácito» (pp. 1451-1453)[34]. Acresce que o texto que abre o volume de poemas de Murilo em francês, Papiers, apresenta logo no primeiro verso uma imagem directamente bebida em Breton e em Éluard: «Le soleil bleu se lève / derrière les derrières / des femmes en éventail» (p. 1567)[35].

Foi este culto da imagem que aproximou a sua poesia da pintura, desde Poemas, e em primeira instância dos processos de montagem e colagem, como se pode verificar desde logo pela informação paratextual de títulos como «Colagem para Drummond», «Colagens», «Jean Arp», e «Collage pour Arp» (pp. 712, 1020, 1526 e 1585). A vulgarizadíssima intersecção da arte verbal com as artes plásticas torna-se particularmente significativa quando se pensa no Surrealismo de Murilo Mendes, já que o poeta conheceu o movimento não através da literatura mas da pintura de De Chirico e de Max Ernst, que aliás incorporou no seu livro de estreia, como confessou no retrato-relâmpago de Tarsila do Amaral: «Telas como ‘Distância’, ‘A cuca’, ‘O sono’, ‘A negra’ [de Tarsila do Amaral] viajarão clandestinamente ao longo dos meus Poemas, alternando com outras de Max Ernst, do primeiro Cícero Dias e do primeiro De Chirico» (p. 1250). O cruzamento da poesia muriliana com a pintura surrealista teve o seu momento culminante na edição rara de um poema do autor, vinda a lume em Paris em 1949, com ilustrações de Francis Picabia (Janela do Caos, Paris, Imprimerie Union), o pintor dadaísta que em Paris se associara, nos anos que imediatamente precederam a eclosão do Surrealismo, a André Breton, Louis Aragon e Philipe Soupault na divulgação da revista Littérature.

Murilo pretendeu representar na sua poesia o totalmente indizível, num trajecto aprofundado de alargamento das fronteiras da própria linguagem. Este investimento na elasticidade da língua não passou nunca, no entanto, pelo culto do mecanismo fundamental de criação defendido pelos surrealistas: a escrita automática, esse «modo de expressão pura» pelo qual pretendiam exprimir «o funcionamento real do pensamento», «na ausência de qualquer vigilância exercida pela razão, para além de qualquer preocupação estética ou moral»[36]. Decerto com a estrelinha de Mallarmé a piscar no seu horizonte, Murilo Mendes não aderiu ao primeiro ponto da definição do Surrealismo proposta por Breton em 1924, chegando mesmo a recusar categoricamente tal modo de criação: «O surrealismo pressupõe um abandono total da razão e da vontade; o pintor surrealista deveria ser um médium pintando quadros sem a menor interferência do consciente, o que, na prática é impossível»[37]; «Claro que pude escapar da ortodoxia. Quem, de resto, conseguiria ser surrealista em regime de full time? Nem o próprio Breton» (p. 1238). Por isso se deveria falar, mais do que de Surrealismo, daquele Surrealismo lúcido com que Luciana Stegagno Picchio caracterizou a obra muriliana[38]. Nesta invulgar lucidez, onde José Paulo Paes divisou «um encontro da lucidez construtiva do cubismo» com «a ilogicidade onírica do surrealismo», cabem a recusa do acto de criação ditado pela inspiração e a defesa do carácter trabalhado e artesanal da poesia[39]. Em suma, um abandono vigiado que coloca Murilo Mendes no ponto hegeliano de superação dialéctica das antinomias, para exibir um vidente que se assume como artista.

Só assim se pode compreender que na segunda metade da década de 40 Murilo Mendes tenha escrito algumas obras onde é manifesta a sua adesão às tendências mais marcantes do grupo de autores posteriormente reunidos sob o rótulo de Geração de 45. Apesar das diferenças que os distinguiam, todos se assemelhavam estruturalmente, como sublinhou Lêdo Ivo, «no tocante a uma poesia voltada para a construção, a forma, a composição»[40], isto é, todos se homogeneizavam ao considerarem o poema como um artefacto. Murilo juntava-se deste modo à linhagem da poesia brasileira do século XX cujos antepassados não eram já, como no caso do Surrealismo, Blake, Rimbaud ou Lautréamont, mas o Edgar Allan Poe de A Philosophy of Composition e de The Poetic Principle, Mallarmé ou Paul Valéry. O que poetas como Lêdo Ivo ou João Cabral de Melo Neto pretenderam foi precisamente o regresso à valorização do trabalho na poesia, a recusa total da inspiração como origem do poema, o repúdio pelo «poema mediúnico trazido pelos anjos»[41]. Tratou-se basicamente de representar a comédia intelectual valériana: «A Geração de 45 encarou a poesia […] como uma arte a ser conquistada, com obediência a princípios teóricos, pois sem estes não há edifício artístico ou literário que vá além da improvisação. Na elaboração do poema, o poeta de 45 não se prende apenas ao seu corpo total, mas ao de cada estrofe, de cada verso, de cada palavra, de cada sílaba, de cada som», resumiria Domingos Carvalho da Silva[42]. À semelhança de outros, Murilo encarou a Geração de 45 como um momento de continuidade em relação ao Modernismo de 22, explicitando que «o movimento poético de 1945 não poderá ser desligado dos de 1922 e 1930» porque se tratava «de mais uma etapa do desenvolvimento do processo revolucionário»[43]. Mas a verdade é que esta geração pugnou pelo regresso a algo que era anterior a 1922, e que de alguma forma se distanciava dos principais valores estéticos daquele movimento, conforme sublinhou o mesmo Domingos Carvalho da Silva em 1948: «Estamos, em conclusão, diante de uma nova poesia, profundamente, radicalmente diversa da que prevaleceu até poucos anos atrás no ambiente literário nacional. […] O Modernismo foi ultrapassado»[44]. Não por acaso Lêdo Ivo, na entrevista citada, confessava que o que queria dizer era que «havia necessidade de reação por parte dos novos», pois acreditava muito «nas gerações parricidas». A tentativa de retorno às «construções que resistem ao tempo»[45] resultou numa adopção generalizada das formas fixas, que o versilibrismo modernista fizera esquecer, concentrada essencialmente no verso decassilábico e no soneto. E foi neste encadeamento que Murilo escreveu, entre os anos de 1946 e 1948, um livro constituído unicamente por sonetos - Sonetos Brancos[46] - e publicou, em 1954, a obra Contemplação de Ouro Preto, maioritariamente constituída por composições em verso decassílabo, endecassílabo ou alexandrino, e integrando ainda alguns sonetos. Interessava-lhe, de modo idêntico à Geração de 45, a valorização dos autores do passado antigo, em cujas leituras se havia iniciado. Daí que ao referir‑se a Alphonsus de Guimaraes, um dos poetas brasileiros que leu afincadamente na juventude, Murilo enfatizasse com insistência o rigor do seu ofício e dos seus versos polidos (pp. 490-501). A simpatia pelos poetas da Geração de 45 deveu-se, portanto, não a uma qualquer ruptura com a sua poética, mas a uma exploração assumida daquilo que desde o início defendia com Valéry: perfeição é trabalho.

Ora é justamente nesta aposta num labor limae assente no princípio basilar da construção que se deve descortinar uma das raízes imanentes da derradeira inflexão poetológica de Murilo Mendes, que o conduziria para o caudal da corrente que na literatura brasileira do século xx se seguiu à Geração de 45 e que, ao contrário desta, se integrou numa tendência vanguardista mais disseminada a nível mundial: o Concretismo. Desde as vanguardas históricas, de que o Cubismo de Apollinaire, o Futurismo italiano de Marinetti, o Cubo-futurismo russo de Khlebnikov, o Dadaísmo de Tzara e o Surrealismo de Breton constituem as manifestações mais exemplificativas, que a criação literária (aliada, num vasto movimento trans-semiótico, à pintura, à escultura e à música) se debruçou quase exclusivamente sobre os modos de transformação da funcionalidade utilitária da língua em erupção lúdica e erótica do corpo da língua. As parolibere e a destruição da sintaxe proclamadas por Marinetti nos manifestos que constituem a sua verdadeira obra futurista, a par do neologismo que, na formulação dos futuristas russos, permitia ampliar o volume de vocabulário da língua, sedimentam a explosão verbal que estará na base de grande parte das neovanguardas que irrompem após a Segunda Grande Guerra, sejam o Letrismo de Isidore Isou, a Poesia Experimental, ou, no caso da literatura brasileira, a Poesia Concreta, Neoconcreta e Praxis. Neste contexto histórico-literário, a obra poética de Murilo Mendes firma-se indubitavelmente como um dos exemplos mais representativos na poesia em língua portuguesa da dissolução e transfiguração policentrada do discurso convencional.

Tempo Espanhol e Convergência nascem sob o signo do concreto. Não por acaso, por altura da morte de Murilo, em 1975, E. M. de Melo e Castro se comprazia no reconhecimento de que «com o tempo o discurso Muriliano foi-se concretizando cada vez mais até atingir um elevado grau de pesquisa linguística e experimental que o coloca (com Convergência) na primeira linha dos Poetas de vanguarda da década de 60 e dos anos 70»[47]. A verdade é que, se Convergência irrompeu como o ponto-limite desse experimentalismo no plano da manifestação linguística, até porque se assumiria igualmente como o ponto de chegada de uma obra em incansável metamorfose, o certo é que Tempo Espanhol revelava os primeiros passos de um Murilo Mendes cansado de uma poesia dominada por preocupações de carácter semântico, ou seja, expunha os primeiros passos de um sujeito poético alterado que fazia implodir a própria expressão. É neste sentido que o livro publicado em Portugal deve ser encarado como uma obra crucial, quando se pretende traçar o percurso das sínteses progressivas que singularizam a poesia de Murilo Mendes: Tempo Espanhol representa o lugar de uma alteração, e portanto de uma alteridade, do sujeito e da poesia murilianas. É o lugar onde a imagem surrealista, sémico jogo de espelhos, se dissolve para dar espaço a uma infinita refracção dos significantes, prenunciando o que em Convergência se transformará no que se poderia denominar a imagem concretista - o mesmo jogo de espelhos projectado no plano morfológico. O que significa que, não sendo ainda uma obra concretista no que este Concretismo implicava como movimento historicamente datado, mesmo que o decisivo A Luta Corporal de Ferreira Gullar já tivesse visto a luz do dia (1954), Tempo Espanhol se apresentou como «uma proposta, paralela mas independente, de relativa concreção poética»[48]. Esta concreção é desde logo evidente, não apenas na recorrência do próprio lexema «concreto» ao longo de todo o livro, mas também no anúncio do que viria a ser, em Convergência, o intenso e exaustivo investimento na concretude do significante. Tempo Espanhol prenunciava a opção do seu autor, na obra seguinte, por um investimento produtivo no pólo metonímico da linguagem, em detrimento do pólo metafórico que até então se apresentava como princípio de organização estrutural de grande parte das composições.

À altura da publicação de Convergência, em 1970, e ao longo dos anos em que o poeta foi compondo os textos que integram o livro, entre 1963 e 1966, a poesia brasileira, assim como a portuguesa e também alguma poesia europeia, vivia o embate e a maturação de um novo movimento de vanguarda, semioclasta na sua origem. Tendo como nomes principais Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, o Concretismo brasileiro nasceu e desenvolveu-se ao longo da década de 50, altura em que, simultaneamente, na Europa, o suíço Eugen Gomringer e o sueco Öyvind Fahlström criavam uma poesia visual de constelações inspirada na música e na pintura con­cretas. Em rigor, na década que assistiu à eclosão do movimento concretista no Brasil, Murilo Mendes encontrava-se praticamente ausente do seu país: entre 1952 e 1956 - os anos em que Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari criam o grupo Noigandres e lançam o primeiro número da revista homónima, em que escrevem grande parte dos textos teóricos do movimento e em que este é lançado oficialmente na Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo - o poeta fez a sua primeira digressão à Europa. Regressou precisamente em 56, por pouco tempo, dado que no ano seguinte viajaria definitivamente para Itália, a fim de ocupar o cargo de professor de cultura brasileira na Universidade de Roma, estando portanto de novo ausente do Brasil aquando da publicação, no número 4 de Noigandres, do texto-manifesto «Plano-Piloto para a Poesia Concreta», e por altura da dissidência do grupo concretista, que daria origem ao Neoconcretismo liderado por Ferreira Gullar. Ainda assim, Convergência nasceu sob o signo do concreto, na linha de Tempo Espanhol, mas também sob o signo do Concretismo.

Os poetas concretistas pretenderam antes de mais arrogar-se uma «responsabilidade integral» perante a própria linguagem[49], apresentando-se como o caso-limite de uma modernidade que tinha como «eixos radiais», na expressão de Haroldo de Campos[50], as figuras de Mallarmé, de e. e. cummings, de James Joyce e de Ezra Pound, e, em segundo plano, as experiências de Apollinaire e dos futuristas e dadaístas. O exercício bivalente de destruição-construção da linguagem, que pretendiam operar, tinha como objectivo fundamental a transformação e reestruturação das formas instituídas. Negando a norma enquanto exercício do poder no seio da língua, os concretistas ambicionaram mover-se no lugar do sistema, isto é, no lugar da língua em liberdade, conjunto infinito de possibilidades. A sua acção concentrou-se antes de mais sobre o texto como unidade tridimensional: proclamando-o como elemento do­ta­do de qualidades espácio-temporais, a poesia concreta começava «por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural»[51], criando assim uma tipografia funcional de que «Un Coup de Dés» de Mallarmé havia sido o texto matricial. A valorização do espaço como elemento substantivo da estruturação poética implicava naturalmente a ruína de um discurso temporal-linear, que passava pelo repúdio liminar do verso, já que este não reconhecia o «espaço como condição de nova realidade rítmica, utilizando-o apenas como veículo passivo, lombar, e não como elemento relacional de estrutura»[52]. Para os concretistas, o texto poético deveria apresentar‑se com um duplo isomorfismo: um isomorfismo «fundo-forma» e um isomorfismo espaço-tempo, gerador do movimento. Este duplo isomorfismo permitia-lhes desde logo afastarem-se da poesia pictográfica dos caligramas de Apollinaire, a quem criticavam o «preconceito figurativo», o «puro desenho figurativo», e o «decorativismo sem sentido»: «poemas em forma de bandolim, de Torre Eiffel, de metralhadora - o que, desde logo, impossibilitava toda e qualquer estruturação rítmica e escamoteava a visão do verdadeiro problema que, em substância, era o problema do movimento». Em «Ovo Novo no Velho», Décio Pignatari chegaria a reproduzir o milenar «ovo» de Símias para desvalorizar os caligramas de Apollinaire e sublinhar a natiguidade da poesia «em forma de»[53]. A estrutura-conteúdo do poema concreto manifestava-se, antes de mais, sob a forma de uma estrutura dinâmica, o que afastava à partida rótulos reducionistas como o de «poesia da forma» e aproximava a nova poesia de um método de composição diagramático ou, como preferiram os próprios concretistas, ideogramático, baseado na justaposição directa - analógica, não lógico-discursiva - de elementos: tratava-se, nas palavras de Haroldo de Campos, «de organizar de maneira ‘sintético-ideogrâmica’ ao invés de ‘analítico-discursiva’ […] a totalidade do poema»[54]. Tratava-se então de abolir o discurso ou o discursivismo ocidentais, silogísticos e fundados numa lógica de identidade, substituindo-os pela reflexão analógica característica do pensamento chinês, baseado numa lógica de correlação[55]: «Rejeitando o ordenamento lógico-discursivo, abrindo-se às sugestões do método ideogrâmico de compor, que é do tipo analógico e não do tipo digital, lança-se a poesia concreta à fascinante aventura de criar com dígitos, com o sistema fonético, uma área linguística não-discursiva»[56]. Por esta via, a linearidade ou monovalência temporal do discurso era fracturada num movimento de ruptura com a sintaxe lógico-discursiva. À abolição do discurso correspondeu a uma «mudança de atitude sintáctica»[57], actualizada na au­sência da crono‑sintaxe ha­bitual e na criação de uma sintaxe visual, analógica, relacional, paratáctica e paralelística, em textos onde as posições das unidades se tornavam variantes livres, e não mais variantes combinatórias. Como resultado desta comutação, e porque «em muitos poemas concretos o próprio verbo pareceu dispensável», a relação sintáctica passou a fazer-se entre os substantivos[58].

Contrariando uma das linhas de força das vanguardas do século XX, o Concretismo tendeu a respeitar a integridade morfológica da palavra, considerando assim ter superado as experiências linguísticas deformantes e atomizantes de James Joyce ou de e. e. cummings. Aos concretistas interessava a palavra enquanto entidade «verbivocovisual», o que os inseria numa antiga tendência da literatura de criação de uma relação erótica com a língua e a linguagem. Os concretistas apropriaram‑se do termo de James Joyce (Augusto de Campos é o primeiro a fazê-lo, em 1955, no ensaio intitulado «Poesia Concreta»), com o qual pretendiam chamar a atenção para a tridimensionalidade da palavra enquanto objecto. Haroldo de Campos figuraria ainda de outra forma essa tridimensionalidade, num texto de 1956 intitulado «Olho por Olho a Nu»:

 

                        a palavra tem uma dimensão gráfico-espacial

                                                            uma dimensão acústico-oral

                                                            uma dimensão conteudística

                        agindo sobre os comandos da palavra nessas 3 dimensões  3[59].

 

A instauração de uma barthesiana erótica do texto actualizava-se assim numa renúncia da transparência dos signos e na sua consideração material: «poesia concreta: tensão de palavras-coisas no espaço -tempo»[60].

Abolida, num primeiro momento, a linearidade do significante, os concretistas pretenderam também, a um nível microtextual, proceder à anulação da arbitrariedade do signo, expondo e contestando essa falsa solidariedade entre o significante e o significado[61]. O que lograram foi a transformação do signo - estrutura ternária implicando duas relações radicalmente distintas: de significação entre o significante e o significado, de denotação destes dois com o referente - em símbolo enquanto estrutura binária conhecendo apenas uma relação entre os seus dois termos constitutivos. Juntaram‑se assim à generalidade das práticas vanguardistas, todas marcadas por esse fascínio pela dimensão corpórea do significante e pela sua prevalência sobre o significado. Por isso se assiste, em grande parte dos poemas concretistas, a operações metaplasmáticas que inscrevem o texto no domínio da teratologia verbal, mas sobretudo à criação de jogos de palavras assentes em atracções paronímicas e homonímicas e num interseccionismo morfológico. A tal ponto e com uma tal intensidade que, retomando a definição jakobsoniana da função poética, Décio Pignatari propôs que se considerasse a paronomásia, e não a metáfora, como «a figura adequada ao eixo paradigmático das similaridades»[62].  

Paulo Neves (Portugal)       Paulo Neves (Portugal)

O intuito experimental do último livro de poesia publicado em vida por Murilo Mendes foi desde cedo evidente no título original de uma das suas partes, que seria posteriormente alterado, Exercícios, inscrito no âmbito de um desejo expresso pelo escritor de proceder a uma reformulação da sua linguagem poética[63]. O intuito especificamente concretista tornou-se visível no facto de Murilo ter divulgado uma série de poemas da obra no número 5 da revista Invenção (de Novembro de 1966 -Janeiro de 1967), mas sobretudo em algumas referências explícitas dentro do próprio livro ao movimento ou aos seus protagonistas, como a que faz ao «plano-piloto» no «Grafito para Mário de Andrade»: «Avante epos do homem / Avante plano-piloto / Contra o autosatisfeito / Caos» (p. 636). Repare-se ainda que não escapou ao livro nenhum dos autores do paideuma concretista ou com ele relacionado, com destaque para Mallarmé (no «Murilograma para Mallarmé» e na citação do célebre verso do poeta francês que integra o soneto «Ses purs ongles très haut dédiant leur onyx» - «Aboli bibelot d’inanité sonore» -, no «Murilograma a Clara Rocha»), Ezra Pound (no «Murilograma a Ezra Pound» e no «Murilograma a c. d. a.»), e. e. cummings (no «Murilograma a c. d. a.») e James Joyce (o Finnegans Wake do autor irlandês comparece por duas vezes em Convergência, quer em referência explícita, no «Murilograma a António Nobre», quer na citação da expressão com que Joyce definiu o seu livro, «a work in progress», no «Murilograma ao Criador»), Apollinaire (na epígrafe do «Murilograma a n. s. j. c.»), Maiakovski (o «Plano-Piloto para a Poesia Concreta» viu-se acrescentado, após a sua primeira publicação, de dois versos do poeta russo, e Maiakovski está presente no livro de Murilo Mendes, quer no «Murilograma» que lhe é dedicado, quer em referência e citação directas no «Grafito para Mário de Andrade»), Sergei Eisenstein (no «Grafito para Sergei Eisenstein») e Sousândrade (no «Grafito para Sousândrade» e no «Murilograma a c. d. a.», texto onde surge colado à referência a Noigandres: «Além de Cummings & Pound / Além de Sousândrade / Além de ‘Noigandres’»). e. e. cummings seria ainda objecto de um poema no livro em italiano, Ipotesi, onde Murilo Mendes chama a atenção para as operações sobre a sintaxe e o discurso levadas a cabo pelo autor norte-americano - «Un poeta spezza il texto / cambia la sintassi / tronca il discorso» (p. 1560) -, dilucidando a génese de poemas como «Dido», de Conve­gência (pp. 730-731), onde é óbvia a influência do processo de construção atomística característico da poesia de cummings.

Mas foi sobretudo Anton Webern o artista ligado à poesia concreta a ter presença mais vincada em Convergência, a ponto de Murilo confessar antropofagicamente, em «Texto de Informação», «Webernizei-me». A música dodecafónica e a melodia de timbres do compositor haviam sido apropriadas pelos poetas concretistas, nomeadamente por Augusto de Campos, que em 1955 escrevera «Poetamenos», nelas directamente inspirado. Numa entrevista concedida à Folha de S. Paulo, o alemão Claus Clüver afirmaria mesmo que, se «tivesse que citar um modelo para a poesia concreta brasileira, diria que é musical - é a música de Webern», precisando que na música de Webern se poderiam encontrar «todas as características, transplantadas, obviamente, para a música». O que esclarece na íntegra a apóstrofe com que no «Murilograma a Webern» Murilo se dirigia ao compositor: «tu / Intacto Anton Webern / És concreto» (p. 696). No caso particular de Murilo Mendes, a assunção desta influência da Escola de Viena mais não faz do que clarificar e conferir um substrato sólido a uma das vertentes mais significativas da sua poesia: o tão criticado carácter amelódico, que o poeta assumiu com indisfarçado prazer num artigo de 1959: «Persegui sempre mais a musicalidade que a sonoridade; evitei o mais possível a ordem inversa; procurei muitas vezes obter o ritmo sincopado, a quebra violenta do metro, porque isso se acha de acordo com a nossa atual predisposição auditiva; certos versos meus são os de al­guém que ouviu muito Schonberg, Stravinsky, Alban Berg e o jazz»[64]. Talvez só um artista concreto estivesse assim em condições de entender o desconforto sonoro do verso de Murilo Mendes não como um defeito mas como um traço imanente praticado com intencionalidade estética, tal como faria com inteira pertinência o próprio Haroldo de Campos num ensaio célebre, ao aproximar a poesia muriliana da música, para a inserir numa estética moderna radicada na dissonância, no amelódico e na polifonia[65].

Falar de influência ou de afinidade concretistas em Convergência implica todavia a constação de que tais laços se atenuaram em certas opções poemáticas, especialmente no que diz respeito à eleição do espaço gráfico a elemento estruturador do poema, à valorização da página em branco, à abolição do verso e à criação de uma sintaxe visual ou espacial. Tais procedimentos encontram‑se, com efeito, muito moderados ao longo de toda a obra. O que se presencia, fundamentalmente, é a criação obsessiva de uma sintaxe de justaposição paralelística e um jogo incessante com a loucura dos significantes nas suas relações de atracção e de repulsa. Depois de reconhecer que a poesia analítico-discursiva estava em crise[66], Murilo Mendes decidiu optar por uma exploração ainda mais eficaz e assumida daquele «mundo substantivo» de que a sua poesia já se havia arrogado no famoso aforismo de O Discípulo de Emaús - «Passaremos do mundo adjetivo para o mundo substantivo» (p. 851) -, que originou o ensaio de Haroldo de Campos, e que o poeta concretista considerou valer por toda uma programação estética. O fascínio pela dimensão erótica da palavra sobressai logo no pórtico de Convergência - «Lacerado pelas palavras-bacantes / Visíveis tácteis audíveis» (p. 625) - numa afirmação explícita dessa qualidade «verbivocovisual» do signo defendida pelos criadores da poesia concreta. Luciana Stegagno Picchio viu nesta tendência de Murilo a sua grande afinidade com os concretistas: «dentro das famílias de poetas auditivos e poetas visuais Murilo era essencialmente um visual. Ou melhor, era um poeta de substância tanto fónica como visível da palavra. O que explica também as suas ligações com os concretistas e com um poeta de palavra seca e irradiante, por ele tão admirado, como João Cabral de Melo Neto»[67]. Para o poeta d’ As Metamorfoses tratou-se então de «Conhecer os limites da linguagem / Afrontando as palavras travestidas», de «Truncar a palavra / coisa / Podá-la nas patas / Estilhaçá-la consciente» (pp. 698-699). Tratou-se portanto de entrar na lalangue, nesse lugar maternal onde língua e desejo se encontram e se fundem[68]. A tentativa de substituir um discurso analítico por um discurso sintético actualizou-se, sobretudo, na criação obsessiva de holofrases e de neologismos do tipo do mot-valise, visível em construções como «alicaído» ou «Itabiromem claroenigmático» (pp. 629 e 689), e em neologismos como «dinamistificam», «datilotoquei» ou «jaguardentes» (pp. 652, 693 e 710). E foi justamente por esta via que a justaposição e a fusão se transformaram nos dois mecanismos estruturantes de todo o livro, gerando puras maravilhas lexicais como «ovalbranca», «gentilhomem», «soaveforte», «ásperoanguloso», «largoespacial», «eternofísico», «aviãopássaro», «campoconcentração», «gatopardo», «reinoilhasalão», «barcobêbedo», «cavalomens», «guerromem», «sacraltura», «autorfeu», «pluravós», «fortespuma» ou «ventomemwagner». Tais mecanismos fazem-se acompanhar de uma obsessiva presença de jogos de palavras homonímicos e paronímicos que, anunciados desde o primeiro momento, dominam essencialmente a segunda parte da obra, «Sintaxe», e, de forma particular, a sequência de poemas intitulada «Metamorfoses». Aliados à criação neológica, presente sobretudo no poema intitulada «Palavras Inventadas (Em Forma de Tandem)», todos estes processos integram um vasto movimento de telescopagem de significantes que a primeira composição já prometia na declinação lúdica[69] da palavra Orfeu: «Orfeu Orftu Orfele / Orfnós Orfvós Orfeles» (p. 625). Influenciado ou não pela poesia concreta, o certo é que, no último livro de poemas que publicou em vida, Murilo Mendes abandonou o onirismo projectado no plano do conteúdo, que havia caracterizado as suas obras anteriores, concentradas no pólo metafórico, para se dedicar a uma exploração do onirismo projectado no plano da expressão, concentrado no pólo metonímico[70].

Facilmente se entende que dois anos depois Murilo tenha dedicado a Haroldo de Campos uma secção da colectânea em prosa Poliedro, também constituída por textos produzidos em meados da década de 60 - significativamente, uma secção que intitulou «Setor a Palavra Circular», invocando assim uma das linhas concretistas herdadas de «Un Coup de Dés» de Mallarmé e do Finnegans Wake de James Joyce, que ele próprio havia praticado em Convergência: a organização da obra numa estrutura circular. Tal como as últimas palavras do poema de Mallarmé são as primeiras, tal como a frase inicial do livro de Joyce é a continuação da última, o último poema da primeira parte de Convergência repete o poema que abre o livro, com alteração apenas do título e acrescento do verso «fim?» no verso que remata o texto. A dedicatória de Poliedro a Haroldo de Campos é ainda menos inesperada se se tiver em conta que este é sem dúvida o poeta concretista de cuja obra Murilo Mendes mais se aproximou. A sua posição não foi porém nunca clara no que diz respeito a esta «dívida» à poesia concreta. Em 1959, na já citada entrevista a Walmir Ayala, o poeta sublinhava que «a teoria concreta não é a solução da crise». Dois anos após esta declaração, numa entrevista concedida ao Jor­nal do Brasil, respondia à questão «Sente-se influenciado pelo Concretismo?» com um peremptório «Não», atenuando embora esta liminar negativa pela afirmação: «de qualquer modo, constato a crise da poesia, por esgotamento dos esquemas». Ao que acrescentava: «Neste ponto, minha posição, de certo modo, coincide com a dos concretistas»[71]. Uns anos mais tarde, contudo, referindo-se a Convergência, Murilo assumia que o livro era certamente um dos seus livros maiores, «resumindo a experiência de três gerações, inclusive concretos e praxis»[72].

É preciso não esquecer que Murilo Mendes tinha conhecimento profundo e directo dos autores franceses seus contemporâneos, em particular dos surrealistas e dos que do Surrealismo se afastaram por razões de carácter estético. E o facto é que Robert Desnos, Benjamin Péret, Jacques Prévert, Henri Michaux e Raymond Queneau escreveram obras repassadas por essa exploração de uma sintaxe paralelística e por jogos de palavras assentes na homonímia e na paronomásia, assim co­mo na criação de mot-valises e de neologismos, tentando fundar, na formulação de Péret, une langue à la place du sexe, pelo que não se poderá anular a importância e influência que estes poetas terão tido na análise feita por Murilo Mendes, na última fase da sua escrita, das potencialidades estéticas e lúdicas das palavras na sua dimensão corpórea. Mas o que importa salientar, para que esta obra possa ser entendida em toda a sua complexa amplitude, é o seguinte: a anamorfose infinita dos significantes exibe-se como a última metamorfose, ou supra-metamorfose, se quisermos retomar o termo com que Jorge de Sena descreveu os seus Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena, de Murilo Mendes e da sua obra. Por isso Carlos Drummond de Andrade pôde apregoar, no poema que lhe dedicou em Discurso de Primavera: «Por ter sido futuro, entre passados / e estagnados: / futuro intensamente, poeta / a nascer amanhã, sempre amanhã»[73]. A poesia de Murilo Mendes experienciou diversos nascimentos, e com precisão se pode dizer que sempre que alguma coisa de novo nasceu na poesia brasileira do século XX, a poesia de Murilo renasceu no mesmo instante. Porque na singular temporalidade da história literária um Poeta é sempre o primeiro poeta, a obra de Murilo Mendes apreendeu a totalidade do tempo captando-lhe o ser e a sua negação, nas suas múltiplas refracções. E por isso na sua poesia «Não se trata de ser ou não ser, / Trata-se de ser e não ser» (p. 433).

 



[1] Benedito Nunes, Apresentação de Murilo Mendes, Suplemento Literário de Minas Gerais, Belo Horizonte, 29 de Julho de 1972, p. 2. Sublinhado meu.
[2] Poemas 1925-1929, Juiz de Fora, Editorial Dias Cardoso, 1930; Convergência, São Paulo, Duas Cidades, 1970. Em 1931, Mário de Andrade refere-se aos quatro livros de poesia publicados no ano de 1930 - Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade, Libertinagem, de Manuel Bandeira, Pássaro Cego, de Augusto Frederico Schmidt e Poemas, de Murilo Mendes - para sublinhar «o valor dos Poemas, de Murilo Mendes» e concluir que «historicamente é o mais importante dos livros do ano» («A Poesia em 1930», in Aspectos da Literatura Brasileira, São Paulo, Livraria Martins Editora, 1943, p. 42).
[3] Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro, Editora Nova Aguiar, 1994. Salvo indicação em contrário, as citações da obra de Murilo Mendes serão feitas a partir desta edição.
[4] Manuel Bandeira, Apresentação da Poesia Brasileira, in Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1990, pp. 630-631. 
[5] Los Hijos del Limo - el Romanticismo a la Vanguardia, Barcelona, Seix Barral, 1993, p. 161. 
[6] Poesias (1925-1955), Rio de Janeiro, José Olympio, 1959. O poeta reiteraria enfaticamente esta declaração numa entrevista concedida a Walmir Ayala em Julho do mesmo ano: «‘Não sou meu sobrevivente, mas sim meu contemporâneo’, escrevi na nota de introdução às ‘Poesias’» (Entrevista a Walmir Ayala, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 de Julho de 1959, p. 5).
[7] Adolfo Casais Monteiro, Figuras e Problemas da Literatura Brasileira Contemporânea, São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros, 1972, pp. 84 e 92, e José Guilherme Merquior, «Notas para uma Muriloscopia», in Murilo Mendes, Poesia Completa e Prosa, ob. cit., p. 11.
[8] Laís Corrêa de Araújo, «A Poesia Modernista de Minas», in Affonso Ávila (org.), O Modernismo, São Paulo, Perspectiva, 1975, p. 188; Júlio Castañon Guimarães, «Apontamentos sobre algumas Aproximações e alguns Procedimentos em Murilo Mendes», in AAVV, Murilo Mendes -O Visionário, Juiz de Fora, Editora da ufjf, 1997, pp. 20-21.
[9] Antônio Soares Amora, História da Literatura Brasileira: Sécs. XVI-XX, Lisboa, Ática, 1961, pp. 227-228; Gilberto Mendonça Teles, «O Processo da Moderna Poesia Brasileira», in A Escrituração da Escrita, Petrópolis, Vozes, 1996, p. 209.
[10] Cit. por Júlio Castañon Guimarães, Territórios / Conjunções: Poesia e Prosa Críticas de Murilo Mendes, Rio de Janeiro, Imago, 1993, p. 26. 
[11] Cf., sobre estas colaborações: Júlio Castañon Guimarães, idem, pp. 26-27; Roselis Oliveira de Napoli, Lanterna Verde, São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros, 1970, passim; Laís Corrêa de Araújo, «Surrealismo em Murilo Mendes?», Minas Gerais, Belo Horizonte, 8 de Fevereiro de 1969, p. 14. 
[12] Divulgado por Raul Antelo em «A Abstração do Objeto», in Aavv, Murilo Mendes - O Visionário, ob. cit., pp. 37-38.
[13] Abgar Renault, «Sobre Murilo Mendes», Minas Gerais, Belo Horizonte, 20 de Novembro de 1976, p. 1.
[14] Cf. Graça Aranha, «A Emoção Estética na Arte Moderna», in Gilberto Mendonça Teles, Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro, Petrópolis, Vozes/inl, 1976, pp. 223, 226 e 256.
[15] Affonso Ávila, O Modernismo, ob. cit., p. 171.
[16] Apud Júlio Castañon Guimarães, Territórios / Conjunções, ob. cit., p. 189.
[17] Cf. Menotti del Picchia, «Arte Moderna», in Gilberto Mendonça Teles, Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro, ob. cit., pp. 227-233 e Mário de Andrade, «Mestres do Passado - VII: Pre­lúdio, Coral e Fuga», in Mário da Silva Brito, História do Modernismo Brasileiro- Antecedentes da Semana de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971, pp. 308-309).
[18] Idem, p. 137.
[19] Carta inédita a Carlos Drummond de Andrade, de 3 de Fevereiro de 1931, Espólio de Carlos Drummond de Andrade, Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa. 
[20] Gilberto Mendonça Teles, «O Processo da Moderna Poesia Brasileira», ens. cit., p. 60.
[21] «Tempo Espanhol e Poesias», Diário de Notícias, Lisboa, 9 de Junho de 1960, p. 15.
[22] O Visionário, Rio de Janeiro, José Olympio, 1941 (apesar de publicado apenas em 1941, o livro reúne textos produzidos entre os anos de 1933 e 1936); Os quatro Elementos, in Mundo Enigma, Porto Alegre, Globo, 1945 (composto em 1935, o livro só viria a ser publicado em 1945, juntamente com Mundo Enigma, e só na edição de 1959 de Poesias o poeta o reintegraria na sua verdadeira cronologia); As Metamorfoses, Rio de Janeiro, Ocidente, 1944; Mundo Enigma, Porto Alegre, Globo, 1945; Poesia Liberdade, Rio de Janeiro, Agir, 1947.
[23] Mário de Andrade, «A Poesia em 1930», art. cit., p. 42; Óscar Lopes, «A Crítica do Livro», Comércio do Porto, 9 de Fevereiro de 1965, p. 6; Affonso Romano de Sant’Anna, «Modernismo: As Poéticas do Centramento e do Descentramento», in Affonso Ávila (org.), O Modernismo, ob. cit., p. 66; José Guilherme Merquior, «Murilo Mendes ou a Poética do Visionário», in Razão do Poema, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, p. 52.
[24] André Breton, Manifestos do Surrealismo (Manifestes du Surréalisme, 1946), Lisboa, Moraes Editores, 1969, p. 26.
[25] Cf. Poésie et Vérité, in Oeuvres Complètes, vol. I, Paris, Gallimard, 1968, pp. 1105-1107. Cf. também «La Liberté», Les Mains Libres, in idem, p. 616.
[26] Cf. Jorge de Sena, Prefácio a André Breton, Manifestos do Surrealismo, ob. cit., p. 11.
[27] Cf. Freud, Le Mot d’Esprit et sa Relation à l’Inconscient, Paris, Gallimard, 1988, passim; cf. Georg Christoph Lichtenberg, Aphorismes, pref. de André Breton, Paris, Club Français du Livre, 1947.
[28] Alberto da Costa e Silva, «Sobre Murilo Mendes», Colóquio/Letras, 100, Novembro-Dezembro de 1987, p. 81.
[29] Cf. também, no mesmo livro, textos como «Registro Civil» (p. 97), «Cantiga de Malazarte» (ibidem), «Panorama» (p. 98), «Imparcialidade» (p. 102), «Evocações Simultâneas» (p. 111), «O Mundo Inimigo» (p. 112) e «Reflexão e Convite» (p. 118). Atente‑se no modo como, já nestas composições, se surpreendia a espessura do sonho de que falava Breton no manifesto de 1924: «o anjo da guarda desperta da confusão primitiva / e se inclina sobre o berço azul / desenrolando a cantiga do gigante escondido no bosque escuro / que já tão cedo vai me levar até o fundo do sonho» (p. 97).
[30] É o caso de Dámaso Alonso, que inscreveu Murilo Mendes «nesse grande movimento que descobre o valor poético do subconsciente, dos sonhos e dos impulsos primários» («Poemas de Murilo Mendes Traducidos por Dámaso Alonso», Revista de Cultura Brasileña, 1, Madrid, Junho de 1962, p. 7).
[31] «Avis au Lecteur pour ‘La Femme 100 Têtes’ de Max Ernst», in Point du Jour, Paris, Gallimard, 1970, pp. 59-65.
[32] Murilo Mendes - A Invenção do Contemporâneo, São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 57.
[33] Marcel Raymond, De Baudelaire au Surréalisme, Paris, José Corti, 1969, pp. 284-285.
[34] É de notar que apenas nestes excertos se encontrem bem representados os vários tipos de imagem que André Breton descreveu e exemplificou no Manifesto do Surrealismo de 1924 (cf. Manifestos do Surrealismo, ob. cit., pp. 60-61).
[35] Constituído por textos escritos ao longo de mais de quarenta anos, entre 1931 e 1974, Papiers foi publicado pela primeira vez no volume Poesia Completa e Prosa, organizado por Luciana Stegagno Picchio, em 1994.
[36] Manifestos do Surrealismo, ob. cit., pp. 46-47. Em «Situação Surrealista do Objecto» Breton faz questão de sublinhar que o automatismo «constitui o passo fundamental do Surrealismo» (idem, p. 314).
[37] Recordações de Ismael Nery, São Paulo, Edusp / Editora Giordano, 1996, p. 113.
[38] Cf. «Notas e Variantes», in Murilo Mendes, Poesia Completa e Prosa, ob. cit., p. 1639.
[39] Cf. José Paulo Paes, «O Poeta / Profeta da Bagunça Transcendente», in Os Perigos da Poesia e outros Ensaios, Rio de Janeiro, Topbooks, 1997, p. 172.
[40] «A Poesia Tornou-se uma Aventura Secreta», entrevista a Cláudio Aguiar, O Pão, 28, For­taleza, Março de 1996.
[41] Lêdo Ivo, apud Massaud Moisés, História da Literatura Brasileira - Modernismo, São Paulo, Cultrix, 1996, p. 383.
[42] Domingos Carvalho da Silva, apud idem, p. 382.
[43] «Toda Boa e Autêntica Poesia É de Vanguarda», Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 23 de Setembro de 1961. Note-se que Tristão de Athayde chegou a denominar a Geração de 45 «neomodernista» (cf. A Época, Revista da Faculdade Nacional de Direito, Julho de 1947, e Quadro Sintético da Literatura Brasileira, Rio de Janeiro, Agir, 1956).
[44] «Há uma Nova Poesia no Brasil», Revista Brasileira de Poesia, 3, São Paulo, Agosto de 1948, p. 69. 
[45] Sérgio Milliet, apud Afrânio Coutinho (org.), A Literatura no Brasil 5 - Era Modernista, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1986, p. 197.
[46] Conviria estudar as relações desta obra com os Poemas Brancos de Teixeira de Pascoaes, poeta que Murilo admirava, e com o livro homónimo da autoria de Geraldo Pinto Rodrigues, um dos poetas da Geração de 45. Também Carlos Drummond de Andrade publicava pela mesma altura, em 1951, o volume de sonetos Claro Enigma, com a epígrafe de Paul Valéry «Les événements m’ennuient».
[47] «Murilo Mendes - Poesia Liberdade», in Experiência de Liberdade, Lisboa, Diabril Editora, 1976, p. 304.
[48] Laís Corrêa de Araújo, Murilo Mendes, Petrópolis, Vozes, 1972, p. 77.
[49] Augusto de Campos, «Poesia Concreta», in Aavv, Teoria da Poesia Concreta - Textos Críticos e Manifestos 1950 -1960, São Paulo, Brasiliense, 1975, p. 50. A afirmação de Augusto de Campos é retomada no texto-manifesto «Plano-Piloto para a Poesia Concreta», com uma ligeira alteração (idem, p. 157).
[50] «A Obra de Arte Aberta» (idem, p. 36). Um ano depois, Décio Pignatari referir-se-á a estes quatro autores designando-os como «os pontos cardeais para a realização de uma poesia concreta» («A Exposição de Arte Concreta e Volpi», idem, p. 64). Curiosamente, na tipologia da poesia experimental elaborada por E. M. de Melo e Castro, Mallarmé e o seu «Coup de Dés» são integrados no grupo da «poesia espacial», os outros três autores do paideuma concretista, no da «poesia linguística», e o Concretismo brasileiro, no da «poesia visual» (cf. O Fim Visual do Século XX, e outros Textos Críticos, São Paulo, Edusp, 1993, pp. 35‑36).
[51] «Plano-Piloto para a Poesia Concreta», manif. cit., p. 156.
[52] Décio Pignatari, «Nova Poesia: Concreta», in Aavv, Teoria da Poesia Concreta - Textos Críticos e Manifestos 1950 -1960, ob. cit., p. 47.
[53] Décio Pignatari, «Poesia Concreta: Pequena Marcação Histórico-Formal» e «Ovo Novo no Velho», idem, pp. 67 e 134.
[54] Haroldo de Campos, «Evolução de Formas: Poesia Concreta», idem, p. 57. Em Ideograma, Haroldo de Campos fala precisamente de «um empenho de diagramação generalizada» (Ideograma - Lógica Poesia Linguagem, São Paulo, Cultrix, 1977, p. 97).
[55] Cf. Haroldo de Campos, idem, p. 79.
[56] Haroldo de Campos, «Poesia Concreta - Linguagem - Comunicação», in Aavv, Teoria da Poesia Concreta - Textos Críticos e Manifestos 1950 -1960, ob. cit., p. 86.
[57] E. M. de Melo e Castro, O Fim Visual do Século XX, ob. cit., p. 133.
[58] Augusto de Campos, «A Moeda Concreta da Fala», in Aavv, Teoria da Poesia Concreta - Textos Críticos e Manifestos 1950-1960, ob. cit., p. 123.
[59] Idem, p. 52.
[60] Originalmente no texto citado de Augusto de Campos de 1956, «Poesia Concreta», p. 51, recuperada no também já citado «Plano-Piloto para a Poesia Concreta», p. 156. 
[61] Tal como expôs Décio Pignatari: «a poesia concreta realiza a síntese crítica, isomórfica: §jarro§ é a palavra jarro e também jarro mesmo enquanto conteúdo, isto é, enquanto objeto designado. A palavra jarro é a coisa da coisa, o jarro do jarro, como §la mer dans la mer§. Isomorfismo» («Nova Poesia: Concreta», art. cit., p. 48).
[62] Cf. Haroldo de Campos, Ideograma, ob. cit., pp. 63, 105-106.
[63] Numa carta a Drummond de 10 de Fevereiro de 1966, Murilo refere-se às duas obras, que viriam a juntar-se numa só, como «tentativas de reformulação da minha linguagem poética». Numa entrevista que concedeu em Portugal ao jornal A Capital, dois anos depois, utilizaria exactamente as mesmas palavras para descrever o já então intitulado Convergência: «Também neste ano, ainda, deve ser publicado pela Editora Duas Cidades, de São Paulo, um livro de poesia que terá o título de ‘Convergência’, em que pretendo dar uma reformulação da minha linguagem poética» («Murilo Mendes - Um Grande Poeta Brasileiro em Lisboa», A Capital / Literatura e Arte, Lisboa, 28 de Agosto de 1968, pp. 1-2).
[64] Formação de Discoteca, São Paulo, Edusp / Editora Giordano, 1993, p. xxv.
[65] «Murilo e o Mundo Substantivo», in Metalinguagem, Petópolis, Vozes, 1967, p. 56.
[66] Cf. entrevista citada a Walmir Ayala.
[67] «Murilo ontem hoje e amanhã», Expresso/Revista, Lisboa, 24 de Outubro de 1987, pp. 74-75.
[68] Cf. Jean-Claude Milner, L’Amour de la Langue, Paris, Seuil, 1978.
[69] Gilberto Mendonça Teles, A Escrituração da Escrita, ob. cit., p. 209.
[70] A formulação é de Luís Adriano Carlos, que assim descreve a dissidência que constitui a obra de Henri Michaux em relação à dos surrealistas (Jorge de Sena e a Escrita dos Limites, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1986, p. 60, retomando palavras do próprio Jorge de Sena no prefácio ao seu volume de traduções Poesia do Século XX, Coimbra, Fora do Texto, 1994, p. 68: «Marginal a ele, mas também explorador de um nível onírico da expressão é Henri Michaux»).
[71] «Toda Boa e Autêntica Poesia é de Vanguarda», ent. cit.
[72] Carta a Laís Corrêa de Araújo, Suplemento Literário de Minas Gerais, 13, Belo Horizonte, Maio de 1996, p. 8. 
[73] Carlos Drummond de Andrade, «Murilo Mendes hoje/amanhã», Discurso de Primavera, in Poesia e Prosa, Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1988, pp. 806-807.

Joana Matos Frias

Joana Matos Frias (Portugal, 1973). Ensaísta. Autora de O Erro de Hamlet - Poesia e Dialéctica em Murilo Mendes (2002).

 

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