Luciano Maia
Tu, Poeta!
Um labirinto de solidão, recém-inaugurado, te aguarda além dos
limites daquele vale que sabes existir após todas as peregrinações
pelo país das consagrações dos instantes, país pluralista que admite
o ódio e o amor darem-se as mãos. Sim, para que, da comunhão dos
contrários, possa surgir o Outro. O mexicano Octavio Paz pressentiu
com agudeza essa existência resgatada da primordialidade: as
antíteses da palavra alcançam, ou melhor, nascem das contradições do
mundo real-imaginário que te insulta e enaltece, Poeta.
Por conheceres a vertigem da altura e a subalterna escuridão do
poço; por amares, como amou Baudelaire, as maravilhosas nuvens que
passam além e por seres capaz de pernoitar com a dor subterrânea da
Humanidade, podes digna e honestamente celebrar o ingresso nos
umbrais da mais simples sabedoria.
Por silenciares a humilhação e por clamares a vingança de súbito,
podes extrair do semelhante o espanto e a compaixão. A palavra que
atenua e conflagra, que incendeia e pacifica, somente tu a conheces,
embora saibas que a ninguém ela se entregará sem que o preço de
lucidez tamanha seja cobrado. E esse preço, nunca ressarcido por
completo, te exigirá, por todas as vidas porventura merecidas de
viveres, teu testemunho constante, teu velado sofrer, tua alegria
despercebida. Teu braço, teu coração.
A tua fortuna ou a tua condenação, tudo o que marca e estigmatiza é,
para ti, Poeta, prenda e oferenda, itinerário e missão. E não te
enganas quando julgas que a ti, não a outrem, confiou a vida essa
tarefa de desvendar mistérios que para ti são dias e noites de amor
e de guerra, tal qual sentiu Eduardo Galeano. A poesia é palavrágua,
parábola da fonte elemental inexaurível, água que não cria lodo,
porque corrente eterna.
Alguém que não conheces, mas que adivinhas, recebe a tua palavra, o
teu ombro, Poeta, para empreender a viagem de regresso a si mesmo,
que é o retorno do homem à sua condição de um ser capaz de amor,
alguém capaz de construir para os demais, que são ele mesmo, alguém
que canta a canção dos outros, que é a sua mesma canção.
Nesse encontro, marcado desde o início dos tempos, mas pelos
equívocos dos homens sempre adiado, és arauto da esperança útil,
anfitrião em morada alheia, profeta sem nenhuma seita, mestre
itinerante da mais compassiva ternura. E és também, tu o sabes,
aquele que se fez soldado na luta pelo novo, pelo maior, que é o
Todo compartilhado.Tal qual Gautama Buda, estás à porta do Infinito,
mas só entrarás quando o último irmão o fizer.
Os poetas de todos os tempos, desde o velejador apaixonado da
Odisséia ao cosmonauta inebriado da Galáxia, sonham com o azul da
Terra e do Mar para todos. Esses irmãos-em-poesia que são, como tu,
a inspiração do gume e da pétala, do anoitecer remoto e da mais
rubra alvorada, já sabiam, desde que um anjo torto lhes tocou o
ombro e sentenciou a sua vida gauche, que da efêmera ou duradoura
passagem de suas sombras iluminadas, ficaria para sempre a imortal
palavra que pronunciaram, vinda dos lábios de todos nós. Tu, Poeta,
és a ponte entre o verbo e a luz, tu és o medium.
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