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Luciano Maia


 


Fortuna crítica: Pádua Ramos

O Livro Nau Capitânia, de Luciano Maia

 


 

Em 1987, portanto há treze anos, tive a alegria de apresentar o livro Nau Capitânia, de Luciano Maia, nos espaços do Náutico Atlético Cearense. De lá para cá, alguma coisa mudou: o livro ganhou roupagem nova, nesta nova edição (Editora Escrituras, São Paulo, 2000), alcançando, nas suas exterioridades materiais, expressão mais coerente com a beleza de conteúdo da obra, enriquecida com um prólogo do cearense universal Gerardo Mello Mourão.

Pinçarei, da antiga apresentação, alguns relevos que se constituem em sobrevivência, em harmonia com o caráter de permanência presidido pela obra.

Certa vez, ponderou o urbanista e arquiteto suíço-francês Le Corbusier que certas questões recorrentes do problema habitacional deveriam ser entregues - vou repetir textualmente - a “biólogos, médicos, físicos e químicos, sociólogos e poetas” (in Planejamento Urbano, Ed. Perspectiva). Foi preciso aparecer alguém da dimensão de Le Cour busier para dizer, a todos nós, que é por sermos práticos e não por não o sermos, que precisamos da poesia: ela preenche necessidades especificamente humanas que as ciências não resolvem. Só com poesia é que se encontra resposta para a carência especificamente humana de... poesia.

Daí esta lição: que a tecnocracia, praticada com o sentido hierárquico da humildade, não agride a poesia de Luciano, ao passo que a poesia de Luciano enriquece de humanidade a verdadeira tecnocracia.

Embora consciente de que a poesia de Luciano Maia se dispensa dos meus comentários, eu gostaria, ao menos, de fazer alguns registros. Primeiro, a respeito dos artistas em geral, que são aqueles que criam suas produções arrancando-as do Nada; pois isto é que é Arte. E, segundo, que, por isso mesmo, os artistas são possivelmente os semelhantes mais semelhantes a Deus.

Sobre o poeta, em particular, acrescento o comentário segundo o qual ele realiza a seu modo o fiat lux da poesia e com que se ilumine com florões de beleza a alma humana.

A poesia de Luciano Maia parece por vezes pintura expressionista. E suas frases poéticas assumem potência expressional de alta voltagem. Por vezes, os contornos das idéias são mais sugeridos que delineados - daí que os versos se afiguram o equivalente da pintura impressionista.Quando a tarde reclina a face triste/sobre o muro sem cor do avarandado,/um velho que em viver sonha e resiste,/debruça sobre a noite o olhar parado.

Outras vezes, não logramos penetrar no mundo interior do poeta, apenas nos deixamos embalar pelo compasso rítmico segundo o qual dispõe as palavras na sua como que partitura épica. Há, em certos sonetos, a opção por uma dubiedade difusa, quando refere caminhos que parecem ser do mar, mas que de repente assumem a configuração dos caminhos fluviais do velho Jaguaribe: Alvos cardumes de ossos de cordeiros/são sinais da tormenta secular/onde naufraga a voz dos boiadeiros/Mar cinzento, estendido em nosso olhar,/sepulcro aberto desses brasileiros,/fantasmas do sertão que virou mar.

Aliás, as influências das vozes do mar não sufocam em Luciano a constância das notas musicais do velho rio, percutindo ecos na paisagem espiritual, no mundo interior do poeta. Não que tenha totalmente razão o respeitável Agripino Grieco, quando dizia, puxando brasa para a sardinha - ele foi criança na beira-rio do Paraíba do Sul - que o mar é cosmopolita, não dá fisionomia particular a nenhuma região, ao passo que o rio dá um ar de família aos que lhe nascem na vizinhança. Apenas este outro menino, criado na beira do Jaguaribe, virou adulto freqüentador da Praia de Iracema, cujas enseadas foram desenhadas em verde pelo Atlântico. Resistir às belezas da Praia de Iracema - quem há-de?

Eu imagino que os dois sentimentos vivenciados por Luciano confluem sobre seu coração de poeta: o lirismo fluvial e o lirismo oceânico, essa espécie de pororoca sentimental.

Um dos aspectos relevantes do fazer poético de Luciano é sua arte de reconstruir o vetusto, o antigo, o velho, com meios oferecidos pela atualidade. Tudo se passa como se, arquiteto já convivendo psicologicamente com o amanhã, buscasse ele restaurar edifícios do Brasil Colônia provendo-se de concreto armado e de aço, que são o apoio fundamental, salvo melhor juízo, da arquitetura moderna. Luciano recompõe o épico com materiais novos; refaz a epopéia com a modernidade, sem que por isso a epopéia se descaracterize mediante a perda de sua clarinada épica.

Certa vez alguém lembrou que os velhos navegantes portugueses, nos heróicos tempos em que ainda não havia a bússola, guiavam-se pelas estrelas. E então os calejados nautas faziam apontar as proas de suas naus capitânias - e de todas as suas naus - para uma estrela-guia. E era assim, buscando um astro inatingível, que os antigos marinheiros lusitanos conseguiam atingir o porto de destino.

Os poetas do mundo são como os velhos marinheiros lusitanos, empenhados no sentido de que esta fatigada galera, que é o planeta Terra, busque a estrela-guia da fraternidade entre as pessoas e as nações, pois só assim alcançaremos o porto do nosso destino, onde se encontra ao menos em parte a felicidade tão almejada pela raça humana.

Poeta Luciano Maia, este seu livro já não é mais seu, é nosso. Embarquemos todos na Nau Capitânia.


* Pádua Ramos é administrador, advogado e consultor de empresas.