Manoel Hygino dos Santos
Rebelião em Palma
Coluna de Manoel Hygino, Hoje em dia, BH,
1/12/05
Ágil e
infatigável, Nilto Maciel lançou, este ano, o romance 'Os luzeiros
do mundo', primeiro lugar no Concurso Graciliano Ramos no gênero,
promovido pelo Governo de Alagoas. Se a láurea lhe foi outorgada há
cerca de uma dúzia de anos, somente agora houve a publicação, por
motivos que não sei explicar.
Porque é um trabalho que desperta natural interesse, mercê da
imaginação do autor, da grande criatividade, e da própria trama que
engendrou, a partir da morte de Lucas na amorável casa dos
Thaumaturgos - o 'Sítio Itamaracá' -, como inscrito numa tabuleta
afixada no portão principal.
O personagem é uma figura rara na pequena, pacata e aparentemente
pura cidade de Palma, perdida aí pelos grotões, mas atenta aos
acontecimentos regionais, estaduais e nacionais. Alimentava Lucas
sonho unionista e pré-sebastianista, escrevia longas e líricas
cartas e as enviava a personalidades nacionais e estrangeiras, entre
as quais não faltavam frades medievais, pesquisadores da história
luso-brasileira e artistas anônimos de obras raras.
Solitário, quando a noite descia percorria becos e ruelas escuras ou
mal iluminadas, enquanto os cães latiam e, talvez, só funcionasse o
cabaré de Ana Souto. Naquelas horas, perambulava por lugares ermos
e, quando a lua se mostrava, recitava sonetos de Camões.
Não comparecia a festas de qualquer natureza, sequer costumava ir à
igreja, embora não fosse considerado ateu. Escudava-se em desculpas
para não comparecer às reuniões do Movimento de Defesa da Liberdade,
da Família e da Propriedade, embora acedesse em redigir documentos
sobre os projetos sediciosos do grupo, que congregava as mais
importantes figuras da sociedade legal.
Escrevendo bem, 'preocupado com o rigor artesanal de seu ofício',
como opinou com justo critério Ronaldo Cagiano, Nilto Maciel
constrói uma obra atraente, em que não falta a ironia em torno dos
projetos dos integrantes do Movimento, que se propõe contrapor-se
aos comunistas e a seus históricos projetos.
O Movimento procura organizar-se, consolidar-se, para agir em defesa
do cidadão, da pátria, da sociedade. Chegou a planejar a fundação do
Sindicato das Operárias do Sexo (SOS), para participar de programas
de ação. Para o comunista Josias Nóbrega, pela primeira vez um
patrão, no caso Ana Souto, sexagenária proxeneta, cuidava de
constituir um sindicato de operários.
O mundo imaginário de Nilto Maciel é rico em figuras raras, mas no
fundo, localizadas e identificadas aí pelos sertões. É gente como
qualquer outra, com idéias as mais comuns ou raras, claras ou
birutas.
O propósito precípuo é acabar com o comunismo. Nada de vermelhinhos
na cidade de tantas e tão caras tradições. Pensando no futuro, o
fanfarronesco Eunápio Calado sugere que, após a queima dos livros e
da distribuição das armas dos bolchevistas, deveria ser aprovada uma
lei pela Câmara Municipal.
Ficava proibida a utilização da cor vermelha, onde possível. Batom
podia ser verde, amarelo, azul, branco, menos vermelho. Assim também
as roupas, os móveis, as paredes, os carros. Um exemplo para os
restante do país.
E quanto ao sangue, se também é vermelho? A cruel dúvida foi
longamente discutida, até porque em Palma não existia quem quer que
seja com sangue azul. Chamado a emitir opinião, o padre Gregório não
deu resposta imediata, não enfrentara, em tempo algum, problema
dessa natureza e prometeu consultar a Bíblia e seus superiores.
Mas além dos comunistas e do sangue, havia muita cousa mais da cor
condenada: frutas, flores, legumes. O problema com que teria de
defrontar-se o Movimento era mais amplo e complexo. Num livro
extremamente agradável, Nilto Maciel põe o tema em discussão.
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