Marcelo Coelho
Sobre o Jornal de Poesia
ed. 20.11.96
Receber um
telefonema de um fiscal do Imposto de Renda é coisa que em geral não
se vê com bons olhos. as, quando esse fiscal é também poeta, como no
caso do baiano Soares Feitosa, a coisa muda de figura.
Ele, que não é
meu amigo, ligou para avisar de um trabalho que tem feito na
Internet. Trata-se do "Jornal de Poesia", o endereço é
www.jornaldepoesia.jor.br
O e-mail é soaresfeitosa@uol.com.br
Complicação, esses endereços. Fui ver. A surpresa é imensa.
Você encontra
ali textos de mil (1.000) poetas de língua portuguesa. Na tela do
computador oferecem-se ao leitor as obras completas de Augusto dos
Anjos, de Fernando Pessoa ou Gerardo Mello Mourão. Você também pode
escolher uma letra qualquer, e aparece uma lista dos poetas com
textos disponíveis.
Só na letra A,
encontramos: Adelaide Lessa, Adélia Prado, Adalgisa Nery, Adolfo
Casais Monteiro, Adriano Espínola, Afonso Cautela, Agostinho Neto,
Albano Martins, Alberto de Oliveira, Alda do Espírito Santo, Alex
Bartalotti, Alex Polari, Alexandre O'Neill, Alphonsus de Guimarães.
Paro por aqui e só citei um terço, mais ou menos, dos nomes da letra
A.
Poetas
brasileiros, portugueses, angolanos, até de Guiné- Bissau e do Timor
Leste se encontram representados. Um dos bons efeitos dessa
iniciativa é que ajuda a romper com nosso preconceito de leitores.
Não custa nada experimentar um nome desconhecido, alguém cujo livro
jamais abriríamos, e ler uma amostra de sua produção.
Também surge,
entretanto, um efeito meio esquisito, pelo menos para quem não está
muito acostumado ao computador e à internet. É que as estrofes, os
poemas aparecem em bloco na tela, como se pedissem, de nossa parte,
uma leitura rápida, um "zapping".
A internet, com
sua imensa oferta de informações, e a flecha do computador, na sua
vertical corrida de letrinhas à nossa frente, levam, pelo menos hoje
em dia, a um tipo de leitura apressada, frenética. Muito diversa da
página do livro, em que cada poema se inscreve imóvel, como que
eterno; parado, e não descartável, substituível rapidamente _uns
bytes por outros.
Já se falou
muito sobre o futuro do livro, sobre sua provável decadência frente
ao computador.
Nelson Ascher,
em "Pomos da Discórdia", escreve um artigo sensato a esse respeito.
Para muitas coisas, o livro, o lápis e o papel continuam a ser mais
práticos. Ler na cama ou no banheiro não é muito fácil se só se usa
um laptop.
Mas, se o livro
não está em decadência, uma coisa é certa. As livrarias de São Paulo
estão.
Seria muito
difícil encontrar um décimo, um vigésimo dos poetas do "Jornal de
Poesia" em qualquer grande livraria brasileira.
Cada vez mais,
as livrarias se limitam aos lançamentos, e é raro toparmos com um
estoque imprevisto, com alguma coisa que por acaso nos encante.
Entramos numa livraria como num açougue, numa farmácia, à procura de
algo específico; até num supermercado é possível encontrar coisas
menos esperadas, que nos façam consumir com mais gosto.
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