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Marcelo Coelho


 

Edição traz Osman Lins envelhecido
 

 

Folha de S. Paulo

16.04.2005


 

Publicado em 1973, o romance "Avalovara", de Osman Lins (1924-1978), chega a sua sexta edição, o que não deixa de ser um feito para uma obra tão ambiciosa do ponto de vista formal. Era moda, nos anos 70, fazer romances que não dispensavam um manual de instruções. "O Jogo da Amarelinha", de Cortázar, e em seguida os livros de Perec e de Italo Calvino, eram tributários da percepção, supostamente revolucionária na época, de que o máximo de artificialismo na forma terminaria sendo fator de desvendamento e ruptura do real.

Impregnado de forte tradição realista -Adonias Filho, José Lins do Rego, quem sabe Graciliano Ramos-, Lins procurou atualizar a linguagem do romance nordestino a tais exigências.

Será que "Avalovara" sobrevive ao leitor contemporâneo? A obra certamente impõe respeito pelo apuro de concepção. Organiza-se segundo um conhecido palíndromo -"sator arepo tenet opera rotas"- , isto é, uma frase que lida da direita para a esquerda ou da esquerda para a direita se mantém idêntica, que Osman Lins traduz como "o lavrador mantém cuidadosamente a charrua nos sulcos". A partir desse artefato verbal -cinco frases feitas de cinco letras, que podem ser lidas em qualquer sentido, como num quadrado mágico- , Osman Lins construiu várias seqüências narrativas, atribuindo cada letra do texto latino (A, S, P etc.) a determinada seqüência de capítulos.

É assim que o leitor encontrará, numerados sob a letra A, textos tratando das relações do narrador com Anneliese Roos, bela mulher vagando entre Amsterdã e Paris. A letra R encimará capítulos situados numa Ubatuba de ficção científica; ao longo do livro, menções ao governo Castelo Branco se alternam com a insistente presença de uma personagem feminina designada apenas por meio de um símbolo gráfico -um círculo com um ponto no meio e dois chifrinhos na testa virtual- que assume a narrativa em contraponto com Abel, alter ego do narrador.

Enquanto isso, outros capítulos (intitulados "a espiral e o quadrado") oferecem instruções básicas de leitura: o romance "busca descrever apenas relações entre várias mulheres e um homem, delineando-se por esta via profana um trajeto que o protagonista ignora e cujo significado, para o autor, ainda não está definido".

A tal gênero de esclarecimentos o prefácio de Antonio Candido confere atenção. Mais constrangedores e datados, sem dúvida, são os momentos em que o autor se entrega a uma espécie de prosa poética esteticamente conservadora e desenfreadamente erótica: "O seio da mulher, esfera alva e pejada, desfaz-se num sabor tépido. Penetra-me o espesso perfume que a envolve". Etc.

Trechos que são melhores, em todo caso, do que a intenção vanguardista, no fundo acadêmica, a ser notada em frases como esta, descrevendo uma cena simples de pescaria: "Fulge várias vezes, argêntea, a palavra peixe".


 

Osman Lins

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07.04.2006