Mauro Faccioni Filho |
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Mauro Faccioni Filho |
OUTRAS
PRAIAS / 13 Poetas Brasileiros Emergentes OTHER
SHORES / 13 Emerging Brazilian Poets Antologia
bilíngüe organizada e editada por Ricardo Corona. São
Paulo: Editora Iluminuras, 1998, 300 pp. Nesse livro são reunidos treze poetas brasileiros das novas gerações, cada um com quatorze páginas com poemas na língua original e traduções para o inglês. A regra não é geral pois há poemas traduzidos para o português – alguns escreveram originalmente trabalhos em inglês. O esforço de tradução reuniu sete outras pessoas (americanos e brasileiros), além de alguns dos autores. Oito poetas são nascidos nos anos 60, alguns deles sem livro publicado até a data da antologia. Qual
o motivo de se fazer uma antologia como essa, bilíngüe? Não há como
não lembrar de uma antologia anterior, que pretendia ser a principal
antologia de poetas brasileiros das novas gerações em apresentação
para o público americano (Nothing the Sun Could not Explain, Los
Angeles, Sun & Moon Press, 1996). Talvez por esse motivo o
significativo título de Outras Praias, indicando um espaço
criativo não contemplado. E nesse caso o primeiro problema para a tradução,
pois aqui a “praia” não designa um lugar à beira-mar, mas um outro
grupo de atuação, de pensamento, comportamento e visão das coisas,
que “shore” pode não abranger. O
objetivo da antologia ser bilíngüe, em princípio, é difundi-la para
um outro público incapaz de perceber a língua original. Considerando
que vários poetas e poemas eram inéditos no momento da edição, o
teste de sua importância (poética) foi apenas o julgamento do
organizador da antologia, sem respaldo numa recepção crítica ampliada
dentro do mercado literário (o que talvez lhe enfraqueça o alcance).
Além disso, editado no Brasil, é difícil prever que resultado terá
no mercado de língua inglesa. Uma
antologia que traz poetas inéditos e desconhecidos do público tem a
intenção de ser um manifesto estético – que o editor chamou de
“recorte” – e ser bilíngüe lhe daria uma outra abrangência. Num
dos lançamentos do livro, em debate que reuniu o editor e dois dos
poetas da antologia, houve o discurso e a defesa da diversidade da
poesia atual, comentando o papel das vanguardas e como elas teriam
aberto os horizontes poéticos, colocando uma variedade de ferramentas
disponíveis para os poetas de hoje (Revista Medusa, Curitiba, número
1, 1998). Assim se justificariam positivamente os formatos variados dos
poemas ali presentes – um retrato do artesanato poético a partir
desse conjunto de ferramentas – e escrever em muitas línguas faz
parte desse ferramental – deslocando, de certa maneira, a atenção do
poema da criação (crise) para uma construção
(montagem). Cabem perguntas: como um poema pode resistir a uma tradução, se nem mesmo puder resistir a uma leitura? Como traduzir um poema ruim? E se além de ruim for confuso? São perguntas bastante genéricas, e não estão atentas ainda aos poemas de “Other shores”. Na
prosa a tradução tenta apreender o conjunto do entendimento, e
vai neste sentido – é uma linha/vetor. Na poesia o que é esse
entendimento? Um outro contexto se estabelece, e não é o mesmo da
prosa. A palavra funda em si mesma um entendimento – e no contraste
– bem como, em sua posição individual/social, é portadora de uma
representação muito além da qual é carregada quando na prosa – é
uma malha/matriz. O
caráter bilíngüe teve origem no convite da revista americana City
Lights Review, que pretendia publicar em suas páginas uma “mostra
significativa da poesia brasileira recente”. O editor convidado fez
então uma “reunião de poemas escritos ao gosto da época”,
procurando a seu ver não caracterizar uma estética ou um movimento,
mas sim comprovar a hipótese de uma produção “atomizada” conforme
havia previsto Paulo Leminski nos anos 80. Ultrapassada
a introdução de Antônio Risério, que apenas tangencia o conteúdo da
antologia e que confunde a práxis poética com o seu registro físico,
surgem os poemas e as versões, num esforço conjunto de tradutores,
chegando a haver, num extremo, um tradutor diferente para cada poema de
determinado autor, e no outro o caso do autor que sozinho traduz os próprios
poemas. O
primeiro poeta apresentado é Antônio Cícero. Nos poemas onde há um
pronunciado jogo de rimas, o tradutor busca não perder o sentido, e
ainda obter as rimas nos pontos adequados. O resultado é em geral
literal e de versos mais longos, o que parece compreensível,
considerando aqueles dois requisitos. Como por exemplo o verso “de
banhistas distraídos ou artistas” (p. 31), que vai se transformar em
“from an artist
or an absent-minded swimmer”, para possibilitar a rima com
“water” de dois versos antes. Um caso se opõe, que é quando
o poema foi escrito originalmente em inglês, e nesse caso o tradutor,
ao invés de tentar a saída literal, resolveu recriar o poema
abandonando rimas e inclusive aumentando um verso. Não comento os
poemas mais fracos, que por si já definem um problema a priori,
mas eles acabam por encontrar a solução da tradução literal, seja
quando são claros, seja quando são confusos – o que a tradução não
retifica. Há porém o caso extraordinário, que se dá quando o
tradutor é um criador – e nesse caso a tradução ratifica! (mas aí
já é um outro poema) – como em “Voz” (p. 41): “Orelha, ouvido,
labirinto:/perdida em mim a voz de outro ecoa./Minto:/perversamente
sou-a.” A tradução recria a melodia:
“Labyrinth, inner ear, outer/ lost in me echoes the voice of an
other./ I lie:/ perversely it am I.” O
segundo é Maurício Arruda Mendonça, que traduz a si mesmo, com a exceção
de um único poema, justamente onde ocorre a melhor tradução, por
Charles Perrone. E este tradutor é quem vai trabalhar sobre os poemas
do terceiro: Carlito Azevedo. Um poeta maneirista e preocupado com o
brilhante cintilar de palavras, que conduzirá o tradutor à tentativa
de reprodução de rimas e do ritmo aos “estalos com estilo” – e a
solução novamente será com versos um pouco mais longos, como nos
versos iniciais de “Ao rés do chão” (p. 67): “Um menino passou
na ventania,/ um momento passou de epifanias.” “In
wind storms past a boyish one moved through,/ a moment of epiphany
passed too.” A
seguir Neuza Pinheiro, onde três tradutores se revezaram sem
dificuldade para transpor pequenos poemas de esparsas palavras e pouco
trabalho de linguagem, com algumas belas imagens. O quinto poeta é o próprio
editor da antologia, Ricardo Corona, mas os poemas fogem daquele
maneirismo anterior, e também não são literais (diretos), elevando
bastante a qualidade do conjunto – o que certamente intensifica a
qualidade das traduções. Seguindo temos Claudia Roquette-Pinto (um
pouco ao estilo de Carlito Azevedo), onde os poemas sem rima
possibilitam um trabalho mais conciso nos versos traduzidos, e versos
como “nenúfar/ o que rufa à tua contemplação? / que azul raia de
verde/ que ‘z’ arábico atende,/ rufla ao teu redor?” (p. 131),
exigem do tradutor artifícios de rimas internas: “nenuphar/
what ruffles contemplating thee?/ what blue streaks green,/ what arabic
‘z’ attends,/ rustles wherefore thou art?” Para o poema “Desocupado” (p. 147), de Ademir Assunção, temos uma das melhores soluções de tradução do livro (por Ligia Vieira Cesar e Charles Perrone), onde o original coloca as palavras compondo colunas de diferentes formatos e disposição na página, para a versão usar essa idéia e montar na outra página uma espécie de espelho visual das colunas e palavras, num jogo que remete à idéia da tradução como reflexo – parece a coisa, mas não é. A
tradução de um poema que não foi entendido não é possível. Talvez
seja o que aconteceu com dois poemas de Marcos Prado na versão de
Frederick G. Williams. Por exemplo, o poema “Amor de uma figa” teve
o título traduzido por “Love
of an amulet”. Mas a expressão “de uma figa” não
pretende se referir a amuletos. O resto do poema continua palidamente na
tentativa de se aproximar do jogo de palavras – com fraco resultado. O
nono poeta é Rodrigo Garcia Lopes, que traduziu quase todos os seus
poemas, por sorte menos um, “Fugaz” (p. 187), um dos melhores poemas
de todo o livro, que teve a sorte de uma das melhores traduções, “Fleeting”,
por Charles Perrone. Na última estrofe, “desterro, água bebida num
trem,/ peça incompleta, festa adiada, vertigem,/ a cabeça sempre em
alguém,/ eu outro, eu todos, ninguém”, é traduzido por “exile,
water imbibed on a train,/ a postponed party, vertigo, an unfinished
play/ the mind always on some one/ and I, an other, every one, no one.” Depois
seguem dois bons poetas, mas os poemas na antologia não são
surpreendentes: Júlio Castañon Guimarães e Jaques Mario Brand. O
primeiro traduzido por David William Foster, e o segundo por si mesmo em
parceria com Maurício Arruda Mendonça. Se os poemas não surpreendem,
muitos deles bastante cifrados e trabalhados até a máxima concisão,
as traduções resignam-se a ser literais – corretas. Saltando o penúltimo
poeta, o último é Alexandre Horner. Um poeta com pouco para dizer gera
uma tradução com pouco por fazer. E
então emerge desse esforço coletivo um grande tradutor: Charles
Perrone. E emerge um grande poeta: Adriano Espínola – o penúltimo da
lista. Seis poemas, onde cinco são escritos sob a luz do sol e seus
efeitos, resplandecendo em cores e versos rápidos, como se estivessem
cortando com tanto brilho. Nenhum trejeito de montagem pós-moderna está
nesses versos. E a tradução estabelece um diálogo criativo com o
conjunto, formando a parte mais bela e intensa do livro – para
encerrar com uma imagem viva há pelo menos três mil anos na poesia dos
homens (p. 241): “Sim,
o sol –
ó pai de todo
pensamento.” “Yes,
the sun –
oh father of all thinking.” |