DE COMO TUDO COMEÇOU Pelo menos aqui de público, a coisa teria começado assim: um belo dia, um artigo do jornalista Marcelo Coelho, nas Folhas, descia a lenha no poeta Alexei Bueno:
Nem me dei conta, foi terminar de ler o artigo de Coelho, parti em defesa do Alexei. Uma raposa recém-parida não teria feito melhor: defendi o Bueno com unhas e dentes. [Em tempo: sempre tive a maior admiração pelo jornalista Coelho, mas desconfio que perdi, por conta do Bueno, a amizade...]. Alguns tempos depois, o jornalista Carlos Graieb, de Veja, patenteia as familiæ dos poetas brasileiros: 1) Neo-(Alexei)-conservadores; 2) Neo-(Chacal)-marginais e 3) Neo-(Carlito)-vanguardistas. Claro que a matéria do Graieb provocou um grande quebra-pau, mas o tempo está a lhe confirmar a boa razão. Tanto que, recente, o Faccioni repete a neo-old-tríplice-teoria assim, resumidamente: pré-modernismo-contemporâneo, modernismo e pós-modernismo. Pelo detalhamento de Faccioni, a fauna dos vates brasileiros seria: 1) pré-moderno-(Alexei)-passadistas; 2) moderno-contesto-(Mattoso)-línguo-grosseiros e 3) pós-moderno-(Carlito)-diluidores. Da poesia de Alexei, um pouco para mais, um pouco para menos, disse o Faccioni:
Não sei se o artigo do Faccioni foi a gota d'água. O fato é que o poeta Alexei, charutão muito mais-maior do que o de Mrs. Monica Clinton, veio de lá c'a gota! C'a gota-serena! Fumando numa quenga! Vejam:
A CARTA de Alexei são duas. Uma publicada no JB, em 31.01.2002, de teor mais ameno. Sem um p.q.p. estilizado - a "mãe que os pariu", como se alguém pudesse nascer de mãe que não pariu. (De cesárea? Quem nasce de cesárea estaria livre da p.q.p? Taí uma questão de grande peso onto-indagacional!). No texto do JB também não consta o "idiota Carlos Ávila", nem os "elogios" ao Gerald Thomas e outras amenidades mais. A outra CARTA — não sei mesmo qual é a verdadeira — correu nas listas de poesia, completa, gato e rato; cobras e lagartos. Como este contencioso é assumidamente um fofocódromo, com todo o respeito e mais o due process of law — isto é, com o total direito de resposta e/ou de defesa e/ou de mais espinafração contra e a favor —, vai é tudo. Até o talo! Azeite, senhora vó! E, quem não gostar, ó!, por favor, ao senhor bispo, queixe-se a ele. Mas, em homenagem a um mínimo de decência, vão as duas CARTAS DE ALEXEI. Do lado esquerdo, a das listas de poesia; do lado direito, a do Jornal do Brasil. A verdadeira? Só perguntando ao Alexei. Claro que vou perguntar!
Soares Feitosa, editor do JP
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Eis a carta!, aliás, as duas cartas, ei-las:
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NOTAS
SOBRE POÉTICAS EM ANDAMENTO* Mauro Faccioni Filho1.1.
Notas
iniciais. A aflição poética não desapareceu nem abandonou o cenário da
produção, mas é evidente que esse mesmo cenário está invadido por demonstrações
artificiais. Tais demonstrações podem ser respostas inconscientes às
expectativas de uma historiografia da literatura. Ou respostas a uma estratégia
de contextualização da produção organizada pela própria crítica que a
sustenta. 1.2.
As notas que seguem são reflexões para discutir disparidades e distorções
em três diferentes tipos de poética que, para muitos, apontam como sendo
caminhos de referência para uma certa continuidade da poesia, hoje, no Brasil.
Pode-se representar tais poéticas em três linhas bastante distintas, três
tendências gerais. São linhas que
podem ser definidas como vetores defasados agindo como forças centrífugas, que
serão denominadas aqui de pré-modernismo-contemporâneo,
modernismo e pós-modernismo. 1.3.
Um dos três vetores está representado por aqueles que abandonaram ou
simplesmente não se permitem escrever como os modernistas ou seus continuadores,
e buscam como alternativa a volta ao passado. A análise dos poemas de Alexei
Bueno, especialmente do livro Em sonho (Record,
1999), servirá para ilustrar esse foco. 1.4.
Outra linha é o dos que buscam contestação aberta, algumas vezes por
meio de linguagem grosseira e de alusão a situações bizarras e extremas,
assim como por uma espécie de des-filiação
à tradição e por um lirismo individualista e perplexo, que em alguns casos se
manifesta por um desleixo formal. Essa tendência é apresentada a partir da
obra de Glauco Mattoso, considerando os diversos sonetos da recente trilogia Centopéia – Sonetos Nojentos & Quejandos, Paulisséia Ilhada –
Sonetos Tópicos e Geléia de Rococó
– Sonetos Barrocos (Ciência do Acidente, 1999). 1.5.
O terceiro vetor é constituído pelos continuadores modernistas e suas
vanguardas, mas se manifestando agora de forma diluída, servindo como espelho pálido
a refletir um “projeto de poesia” pretendido pela mesma crítica que o
sustenta. Essa tendência é analisada com o trabalho de Carlito Azevedo, nos
livros Collapsus linguæ (Sette
Letras, 2o. Ed. 1998), As
banhistas (Imago, 1993) e Sob a noite
física (Sette Letras, 1996). 1.6.
Tais poéticas tentam se afirmar no contexto das estruturas de produção
e de divulgação que conseguiram reunir. Não há como negar sua erudição e
capacidade intelectual, assim como a destreza no artesanato conquistada por cada
um. Mas mesmo que conquistem o espaço dos jornais, os elogios em orelhas de
livros e prefácios, e tenham seus poemas disputados pelas revistas, é possível
perceber o quanto estão dispersos em seus objetivos poéticos. Não é o caso
aqui de discutir tais impulsos, mas o quanto tais impulsos são enfraquecidos
quando cada autor busca seu formato de linguagem. 2.1.
Pré-modernismo-contemporâneo.
Alexei Bueno publicou Em sonho na forma de uma coletânea de poemas curtos. Segundo ele,
“após um período envolvido com estruturas poéticas de maior fôlego, há
algo de nostálgico para o autor nesses curtos registros, compostos
aleatoriamente na facilidade confortável das formas fixas. São anotações do
mundo, num interregno entre mais consistentes preocupações, e não devem ser
tomadas como mais do que isso”. Colocando tal advertência já na apresentação
do trabalho, ao mesmo tempo se desculpa por abordar temas pouco importantes,
segundo sua ótica, e lhes atribui uma fraqueza intrínseca, sem “fôlego”.
No entanto tal retórica de pré-defesa não lhe retira da condição poética
nem o exime do ato e do método de
criação. 2.2.
Nesse livro a metáfora está presente desde o título Em
sonhos, talvez na condição de um duplo do seu momento de razão
consciente, local apropriado onde os trabalhos mais estruturados estariam sendo
feitos. A mesma velha metáfora, talvez por isso verdadeira, anotada por Borges
em Outras inquisições, ligando sonho
e representação. E então se iniciam no livro as representações de um
cotidiano “dos habitantes de um mundo traçado pelo acaso”. 2.3.
Chama a atenção o fato de Alexei Bueno datar todos os poemas,
posicionando seu nascimento. Tais datas fazem ver algo interessante a respeito
do período criativo. São cinqüenta poemas, escritos quase todos em apenas três
meses (outubro a dezembro de 1998), muitos deles em finais de semana. Neste jogo
fica expressa uma noção romântica de inspiração, contraponto à criação
pelo trabalho seco e consciente, “pela pedra”. 2.4.
Lendo os poemas, o vocabulário erudito, ou não coloquial, é uma
constante; e como as formas são fixas a impressão que se têm é que muitas
vezes a busca de uma rima foi feita com o auxílio do dicionário. Se a erudição
pode ser uma perspectiva interessante dentro da pobreza cultural de hoje,
algumas soluções nas rimas soam tão artificiais que resultam patéticas.
2.5.
O tom geral dos poemas é o da nostalgia e da melancolia, e muitas vezes
surge a preocupação com a vida que passa, a vida de agora, a sua fragilidade,
porém não há uma preocupação reflexiva e nem é tocada a questão do Tempo,
pois o sujeito do autor está atordoado consigo mesmo, está dominado por essa
fragilidade, incapaz de se opor ou de se impor. Resta-lhe uma posição passiva. 2.6.
Sem a perspectiva ativa, de ação,
a alternativa é renunciar ao risco da voz própria e então se subordinar,
perseguindo e se adequando à forma pré-estabelecida na apresentação do livro
e pré-estabelecida no próprio ato de escrita dos poemas. E assim o autor se
transforma num virtuose de rimas e métricas.
O poema é um produto fechado e delicado, obra que exige o aperfeiçoamento máximo
do executor, que então se esmera até o virtuosismo. Porém, apesar das rimas e
das métricas, não há musicalidade ou ritmo, a não ser os mecânicos. 2.7.
Outra amarra que a pré-forma fixa
nesse caso fez apertar está relacionada com o sentido. Pois se a figuração (a
equivalência de linguagem) de determinado objeto, fato, figura do cotidiano (ou
sensação) precisou buscar dentro de si mesma, das relações de força do seu
próprio corpo inerte, que já não são mais as figurações do real (não são
as figurações do que há de dinâmico, e sim a figuração da figuração),
então a distância começa a aumentar perigosamente, tornando-se de tal forma
outra coisa, outro modelo, que pode já não haver associação entre o poema e
o que ele quer dizer. 2.8.
Talvez o que haja nesses poemas é a partida desde uma forma, unicamente,
e não concomitante com uma idéia, imagem ou emoção (a aflição da vida):
tal métrica, tantas estrofes, tal tipo de rimas. A partir dessa massa dura, pré-definida,
vai se ajustando e conformando a massa mole do conteúdo. Ou ainda: uma forma em
busca de um conteúdo. 2.9.
Essa massa mole é muitas vezes, nesses poemas, um “sonho”. É o
sonho de um fim, de algo ou de alguém, sonho quase sem explicação, o sonho de
uma morte por ação do acaso. Surge assim a morte como tema recorrente do
livro, associada à pergunta explícita ou velada: por quê? Para trabalhar esse
tema são usadas as pré-formas fixas
e externas como ferramentas justas e duras de moldagem da “massa mole”. 2.10.
Preocupado com o tema do fim e isento de humor, volta os olhos para o
passado expressando tom nostálgico e idealizando um mundo que já foi. A partir
daí, considerando que o mundo melhor já passou, assume uma atitude passiva e
em constante amortecimento (“não somos muitos, antes cada vez menos”).
Transfere o tom nostálgico para o interior dos poemas, que são colocados desde
então numa posição de retaguarda: reclama contraindo-se, ofende
escondendo-se, ameaça esgueirando-se. Longe de uma atitude re-volucionária, não
pretende instaurar uma crise. Assim, assume uma linguagem retro-ativa e re-torna
os olhos para formas de linguagem e problemas temáticos já explorados (que supõe
melhores ou talvez não esgotados). Nisto, não há o que censurar. 2.11.
Mas a maneira de se acercar através de um artesanato rígido, que olha
desde fora, eis o problema. Justamente na poesia, que é o espaço em
si do risco e da crise, “é a
meditação sobre a linguagem, e ao mesmo tempo é a invenção dessa
linguagem” (nas palavras de Aragon). 2.12.
A base do aperfeiçoamento do artesanato é a expectativa de equiparar ou
superar a qualidade de acabamento de um modelo original anterior. Alexei Bueno
age nessa perspectiva de aperfeiçoamento (com mais ou menos “fôlego”,
conforme o poema). Mesmo quando coloca o tema da dúvida no interior do trabalho
não há como resultado a sensação
da dúvida, pois o poema de artesanato é um poema conformado. 2.13.
Tome-se como exemplo as rimas dos seguintes versos: “Que língua é
essa? Que hora? Queimar um fósforo.../A brunida manopla/ Do imperador mostra
Constantinopla/ Tremendo sobre o Bósforo”. Por ser uma obra de artesanato,
que busca corresponder a um modelo pré-definido, a aplicação de tais rimas,
tais palavras, leva a uma inevitável sensação de artificialismo. Porém pode
haver um artificialismo não apenas gerado por essa falta de invenção da
linguagem, mas também pelo tema composto através do clichê. É o que acontece
no poema “Inventário”, que descreve o que o sonho
pobre tinha em seus bolsos ao morrer. 2.14.
O problema que se coloca é que o tom grave, pesado, formal, voltado a
uma estética do passado como alternativa de composição para o agora, além da
recusa sistemática a um abandono de risco no corpo instável da linguagem, tudo
isso faz transparecer um ambiente de artificialidade. Justamente esse ambiente
é o que define uma linha de produções poéticas, linha (ou vetor de força)
que tem se tornado importante tal o número de novas obras que a ela se filiam,
conscientemente ou não. 3.1.
Modernismos. Uma tendência que tem sua raiz na poesia marginal dos anos setenta,
com o predomínio da preocupação com o fato prosaico, os temas sexuais, e
especificamente com a interface do sujeito consigo mesmo e com os que estão ao
seu redor (no que há de egocêntrico nisso). Estarão aí os temas ligados ao
mundo da cultura popular e também do pop,
da MPB, do rock, do cotidiano, onde a despreocupação formal do texto do poema
é a regra. Glauco Mattoso, com seus sonetos, é a exceção que confirma a
regra. 3.2.
Na introdução do primeiro dos seus livros de sonetos, em 1999, após
dez anos de interrupção poética, Mattoso dispõe o uso do soneto como um
formato disciplinar, já que está cego e o soneto facilitaria a memorização
das palavras enquanto o poema está em construção. Diferente do que faz Alexei
Bueno, que busca a reapropriação dos formatos já consagrados ou clássicos
para elevar o tom da sua poesia, Glauco Mattoso vem usar esta estrutura concisa
de 14 versos como um instrumento de disciplina e de memorização, mas não de
estetização de seus poemas. Importante diferença, pois caso não lhe fosse
necessária a memorização, dispensável poderia ser o seu uso. 3.3.
Retorna aqui a sensação de que a forma, para esta tendência e para a
anterior, é pouco importante. O risco da linguagem é dispensável, e importa
mais o que se quer dizer com o poema.
No caso de Alexei eram os “grandes temas” da literatura e do pensamento do
ser humano. Com Glauco, os temas do cotidiano do indivíduo e, especificamente,
a questão sexual e a provocação. 3.4.
Essa ausência do risco da
linguagem é evidente, pois o uso do soneto é feito como um exercício, uma
linha de produção industrial numa taxa de 100 sonetos por trimestre. O seu uso
da linguagem se dá como num jogo de quebra-cabeças, e a principal figura que
resulta desse jogo é a célula temática que ele elegeu: o pé (como representação
sexual). 3.5.
No conjunto de poemas a intenção
da subversão e da provocação é constante, pois pretende subverter a
literatura erótica e seus “padrões retifistas”. Ele avança muito mais do
que outros que estão escrevendo nessa linha, pois enquanto em alguns a intenção
de subversão é difusa, em Glauco o ataque é frontal contra o sexo dito
“normal” e contra as regras da sociedade que o comandam. 3.6.
Opera também na dessacralização do sexo através de duas formas de
atuação: pela bestialização (retorno ao ambiente animal) e pela estetização
(o artificial e automatizado). Na bestialização do sexo o comportamento
desconhece a existência do outro e o que importa é a satisfação imediata e a
qualquer preço. Na estetização o que se dá é exatamente igual à
pornografia, ou seja, a repetição ad infinitum de um procedimento, uma repetição automatizada, uma máquina
de masturbação. 3.7.
Enquanto essa bestialização
está no conteúdo dos poemas, a estetização,
sintomaticamente, está em sua composição, na repetição até o cansaço dos
sonetos, das palavras, das situações, como num filme pornográfico que repete
insistentemente e em close a cena de
um coito. Neste sentido a sua poesia pode ser chamada de pornográfica: pela
repetição estafante. 3.8.
Para alguns isso representa um choque, mas para outros, que buscam uma
forma de subversão do status quo por
meio da atuação poética, isso poderia ser um caminho. No meio cult
é que ele vai encontrar eco e proteção, e é para esse meio que a poética de
Mattoso se dirige. Pois é aí que há também uma “intenção de subversão”,
mas que não é um ato, e o que acontece é um eco de intenções usando
justamente um quadro do mundo contemporâneo – a pornografia da era da informação
em massa – como uma suposta forma de subverter. O poema usa esse critério de
repetição, um tema “pouco elevado”, um exercício de virtuosismo de
encaixe métrico e de rimas, procurando se expressar nesse espaço. 3.9.
No final o resultado não é superficial e também não é artificial,
mas reflete uma inquietação que não encontrou uma poética. Os seus problemas
estão deslocados para fora do eixo da poesia, não porque os temas não sejam
justos, mas porque ele e outros autores dessa linha não sabem pensá-los
poeticamente. 4.1.
Pós-modernismos. Por último uma tendência que tem sido hegemônica e é a melhor
amparada pela crítica. Uma tendência que explicita suas influências, dialoga
com elas e constrói sua obra, de certa forma, “sobre elas”. O trabalho de
Carlito Azevedo (que trata da superfície
das coisas) representa essa tendência. 4.2.
É um trabalho na superfície das
coisas, pois não existe uma pergunta interna, uma pergunta a ressoar no
poema. Percebe-se que cada poema nasce de um som, de uma frase, de um jogo melódico,
da colagem ou reelaboração de texto de outro, mas que não repercute uma
pergunta interna, e sim uma necessidade estetizante. E mais do que isto, uma
necessidade de agradar. 4.3.
Com essa desconexão entre a preocupação do significado e a preocupação
do significante, fenômeno típico da frivolidade, nota-se que não há uma visão
questionadora do mundo. Tal visão é substituída por um espectro de cintilâncias
verbais e sonoras, exercitadas e distendidas também como num trabalho de virtuose dentro do seu fazer poético. Ainda que haja um tema claro
e bem definido, ele sequer é arranhado ou contestado. Com isso o frívolo se
estabelece, e o mais interessante é que isto se faz por uma feliz síntese
entre a forma e o conteúdo. 4.4.
Como esta é uma tendência
marcada por influências literárias, pelo “diálogo e releitura” de obras
de poetas anteriores, especialmente do movimento modernista e vanguardas
posteriores, fica claro a cada poema o peso de tal influência. Uma das mais
interessantes é a que se dá com Leminski. Tome-se o caso de um poema como
“Da Inspiração”, em que a semelhança ao “estilo” Leminski está no
jogo de palavras curto e de resumo surpreendente, casando sentidos diferentes e
aproximando formatos de palavras. E de novo em “Traduzir”, onde são usados
os jogo de rimas e composições de parênteses para representar a lua minguante
e crescente. Por certo não é muito original – mas tal tendência poética não
se pretende original. 4.5.
Nem original nem partindo de um corpus
interno de pensamento, mas sim sendo uma superfície sensível, que é capaz de
responder a estímulos exteriores a partir de “estalos” – aos quais dá
“estilo”. E o estalo é esta vibração latente que pode romper por tais estímulos.
Por essas duas palavras, extraídas de poema seu, pode-se tentar uma definição
geral para essa tendência: estalo
estilizado. 4.6.
O esforço de estilização passa então a ser um exercício da
musculatura da linguagem, colocando nesse esforço sua última finalidade. E a
partir daí o desfile de influências, tal como em “o poema tem do ser
amoroso”, onde João Cabral pode ser vislumbrado. Todo o livro “Sob a noite
física” é construído com a influência de Cabral, mas fica também a
relembrar os modernistas, com seus versos de circunstância e os diálogos com
outros autores. 4.7.
Depois Drummond em “Fractal” onde o exercício (ou brincadeira) sobre
o poema da pedra no meio do caminho é justamente o antifractal, pois a abertura
simples de uma palavra em uma composição de outros significantes não leva a
uma estrutura “fractal”. (No fractal o que há é a repetição de uma mesma
unidade em arranjos sempre diferentes, copiando-se tanto numa macro-escala
quanto numa micro-escala). 4.8.
Essa busca de um poema de exibição, um poema-espetáculo (mesmo que
haja alguma vez a defesa do hermético), é a busca do reconhecimento com endereço
conhecido –– o que implica em acordo tácito prévio –– um acordo das
referências. Havendo esse acordo é possível trabalhar um código carregado de
pistas, redigir um poema cifrado, e no seu caso em particular com imagens e com
referências cruzadas de literatura, gravuras e pinturas. Um passeio na superfície
dos objetos e das idéias, e nesse passeio a busca pelos pontos abruptos, pelas
frinchas e tortuosidades, como alternativa de ver cintilar as palavras, como se
isso fosse uma “poetização”. 5.1.
Notas
finais. Benedeto Croce, no livro La
poesia, caracterizou o ritmo como
sendo “a alma da expressão poética e, por ele, a expressão poética mesma,
a intuição ou ritmização do universo, assim como o pensamento é a sua
sistematização”. Poemas são feitos de palavras e a poesia está presente no
poema quando há a reflexão viva no ato
mesmo da escrita – reflexão e criação simultâneas – em que a forma e
o conteúdo são uma coisa só moldando-se dinamicamente. O poema é o ser
que é todo no ato da escrita. O que
quer dizer que ser todo implica em não
existir uma regra prévia nem conceito pré-estabelecido. A moldagem se dá no
próprio momento e a seqüência das palavras é a composição de uma lógica
“local” e própria, que não pode aceitar ser um produto de sistemas “convencionalizados”.
5.2.
Por essas reflexões pode-se chegar à chave de alguns equívocos nas
tendências mencionadas acima. O caso extremo é o do “pós-modernismo”,
onde essa atitude da aparência e superfície das coisas, misturada com a
constante contorção pelas influências e na reelaboração das colagens, leva
a poemas incapazes, quase sempre, de “intuir o universo”. E mesmo o que se
poderia supor como invenção de linguagem não passa de exercício formal. 5.3.
Já uma continuação do modernismo parece claudicar justamente por não
ser capaz de levar o projeto adiante, perdendo o grau de reflexão e dissipando,
ou melhor, estreitando a reflexão para o individualismo (que em alguns casos é
extremado), para o lirismo (desbocado), e por fim vítima do próprio sistema de
informação de massas onde se comporta de forma estéril. 5.4.
Por fim o caso de um “pré-modernismo-contemporâneo” (ou seja, uma
poética que insiste em revigorar a invenção
que já houve) parece ser mais complexo, pois não abandonou um projeto de
“ritmização do universo”, mas parece sem forças para buscar, dentro de
si, uma poética inventiva o suficiente. 5.5.
Assim cada qual age com a deficiência de um pensamento interno, e a
partir daí com uma crônica dependência de clichês, seja do passado, do
presente resumido, ou do conjunto das referências, e sempre de forma
idealizada. * Agradeço a existência deste trabalho àqueles que me deram constantes opiniões, críticas e sugestões dentro do campo de risco da poesia: Marco Aurélio Cremasco e Walter Carlos Costa. Mauro Faccioni Filho –
Trabalho apresentado no Colóquio POESIA: PASSAGENS E IMPASSES - Florianópolis, SC, 13/12/2001
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Carta aberta do poeta Alexei Bueno questiona
reputações e denuncia ditadura literária
ELIANE AZEVEDO
Concisão, definitivamente, não faz parte dos cânones do poeta carioca Alexei Bueno, de 38 anos. Ao mesmo tempo em que acabou de lançar seu décimo livro, Os resistentes (Editora Francisco Alves), ele decidiu divulgar uma carta aberta aos poetas brasileiros contra o que qualifica de ditadura dos pós-cabralistas. Traduzindo: a corrente que tem como guru João Cabral de Melo Neto - e sua obra de precisas palavras -, que se alinha com o concretismo dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos, para quem a concisão é indispensável à boa poesia. Bueno, ao contrário, é verborrágico. Um poeta à moda antiga, digamos, afeito a métricas e a temas metafísicos, como demonstrou em especial nos livros A juventude dos deuses (1996) e A via estreita (1995). É também um respeitado estudioso da literatura brasileira - organizou várias coleções da Nova Aguilar, como as obras completas de Augusto dos Anjos, Gonçalves Dias e Vinicius de Moraes - e ainda acumula o cargo de diretor do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). Com essas credenciais é que fulmina: para ele, o poder literário e, mais especificamente, a crítica especializada, está nas mãos dos defensores da estética concretista. A poesia brasileira, garante, está vivendo a era do poeticamente correto. ''Existe uma idéia de legitimidade que é espúria. Pode-se escrever excelente poesia sob diversas formas de expressão'', diz ele. Que conclama todos os interessados a combaterem a tal hegemonia inspirados numa receita, dada por Bueno na entrevista que se segue: ''O que existe é a literatura que se fez até hoje, o universo à frente e você. O resto é mistificação e picaretagem''. Quais os pontos centrais do seu desabafo? Enquanto a proposta da chamada modernidade foi abrir todos os recursos expressivos possíveis - desde a coisa mais estruturada geometricamente até o surrealismo, que é o fluxo do inconsciente total - a partir dos anos 50, houve um refluxo, uma lenta tomada do poder literário por uma corrente que defende um único caminho autêntico, que seria o esgotamento do modernismo até João Cabral de Melo Neto e, depois, seus epígonos. Ora, essa idéia de legitimidade é espúria. Pode-se escrever excelente poesia em formas infinitas de expressão, como o surrealismo, ou a musicalidade da palavra ou o pensamento, a filosofia. Mas é mais difícil para o crítico conviver com a multiplicidade. Pode dar um exemplo dessa legitimação? Se o português Herberto Helder, que faz uma poesia que mistura uma origem germânica com o surrealismo - um movimento forte em Portugal - fosse um jovem brasileiro lançando seu primeiro livro, seria achincalhado por essa crítica do establishment, porque não tem concisão, frieza de raciocínio, estruturação geométrica. Uma obra magnífica como a dele seria achincalhada por essa camarilha de pós-cabralistas. Mas você publica livros regularmente, não está alijado da produção poética nacional. Até que ponto se configura o domínio dessa corrente? Todo o grupo que defende essa tese se recusa a escrever sobre mim e vários outros. A minha poesia é ''ilegítima'', porque minha ligação é com o simbolismo e o pós-simbolismo português, com Fernando Pessoa, com a poesia grega. É o seguinte: há uma poesia sendo escrita no Brasil. Em vez de a crítica se debruçar sobre ela, para uma análise para o bem ou para o mal, ignora 99% dessas outras vozes. Mas quem é essa crítica? Boa parte da crítica universitária deste país. Ela criou o que eu chamo de escadinha cronológica: depois do neo-parnasianismo entrou o modernismo, depois João Cabral, depois o pós-cabralismo e ficou esse pós-pós eterno. Então, poetas de vozes curiosíssimas e de imenso talento são rigorosamente ignorados pela crítica. Vou dar um exemplo: o Marcos Accioly, um poeta pernambucano que acaba de lançar um livro imenso, interessantíssimo, Latino-América. Essas coisas não são lidas no eixo Rio-São Paulo, ficam abafadas. A intelligentsia universitária brasileira fica eternamente nas figuras escolhidas para a manutenção da teoria do seguimento - com ''gui'' mesmo - da poesia brasileira. Pode definir como é a poesia dessa corrente? É uma poesia pasteurizada. Nega qualquer visão direta do lado trágico da vida - morte, miséria, sofrimento. É uma poesia curta, como eles gostam de falar, concisa, toda muito parecida. As estrofes parecem cocô de cabrito, aquelas bolotas todas iguais. E não passa de uma diluição lamentável do João Cabral de Melo Neto, uma rarefação que caracteriza a todos os dessa escola, que são os queridos dessa crítica universitária. Carlito Azevedo, Nelson Ascher, Régis Bonvicino são os mais midiáticos, mas há uma horda. O [organizador do livro Os cem melhores poemas do século] Ítalo Moriconi disse que não me incluiu naquela antologia dele porque a minha poesia era metafísica. Para ele, o que era interessante agora era a poesia gay. Eu gostaria de compreender, esteticamente falando, por que a poesia gay é melhor do que a metafísica. Para o leitor comum, parece que a poesia brasileira parou em Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, com alguns espasmos posteriores, como Ana Cristina Cesar ou Adélia Prado. O que aconteceu? Houve uma ruptura da poesia com a sociedade. Antes, havia uma crítica militante na imprensa. Não eram professores universitários, mas críticos como Álvaro Lins e Otto Maria Carpeaux, que levaram de modo natural, ao público daquela época, nomes como Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Murilo Mendes. O que aconteceu depois desse período? A crítica militante foi desaparecendo da imprensa. Surgiu o professor de Letras. A universidade funciona dentro de um mundo estrito e essa crítica não funciona em relação à sociedade como um todo. É autofágica, é feita pela universidade, na universidade e para a universidade, e a sociedade não toma o menor conhecimento disso. A maioria dos poetas dessa escola é formada em Letras. Não tem mais médico ou engenheiro poeta neste país. Criou-se esse monte de poetas que ninguém lê ou, para usar uma expressão de Drummond, são glórias pré-fabricadas. E quando começou esse domínio do qual você fala? O problema foi a partir das décadas de 70 e 80, nas quais aparecem duas referências: a chamada poesia marginal - que não tem nada de marginal, foi muitas vezes subvencionada publicamente - e o mais nefasto de todos os movimentos, o lobby concretista, que criou uma falsa genealogia. Pega-se o romantismo inteiro, monstros absolutos como Gonçalves Dias ou Castro Alves, e os substituem por um poetastro completamente abominável como Sousândrade, que faz aquelas misturebas lingüísticas que existem desde a Grécia, passando por Rabelais, o barroco, os bestialógicos. Só tem novidade para quem é muito ignorante. Depois, chega-se no modernismo, que é aquela coisa com uma riqueza fabulosa, e é pinçado Oswald de Andrade, um poeta menor, um agitador cultural muito superior ao escritor. Elege-se um tradutor ilegível como Odorico Mendes, que fez da Eneida de Virgílio um telégrafo de maluco, e só a fabulosa atração por tudo o que é esquisito, aberratório, teratológico, para chamar a atenção e fazer quizumba, de ''seu'' Haroldo de Campos, pode explicar uma coisa dessas. O que é extraordinário é a quantidade de estudantes universitários, sobretudo em São Paulo - é sabido que os dois únicos lugares do mundo onde se leva o concretismo a sério são São Paulo e Hamburgo, na Alemanha - que cai nessa esparrela. Formou-se uma geração de idiotas que nunca leu nem Gonçalves Dias e perde tempo com Sousândrade. Em sua carta aberta, você compara essa corrente com os parnasianos, movimento do século 19 que pregava o formalismo e a racionalidade na poesia. Por quê? O pós-cabralismo é uma ideologia oficial como foi o parnasianismo. Naquela época, havia poetas geniais como Augusto dos Anjos, considerado louco pela poesia oficial do Brasil, feita pelos bem-pensantes. É só ir na Biblioteca Nacional e abrir um jornal de 1919 para ler a crítica sobre quem se afasta da estética parnasiana. Cruz e Souza, genial, negro e pobre, foi praticamente massacrado em vida por esse pessoal. Ele, a mulher e os quatro filhos morreram de tuberculose provocada pela fome, pela falta de reconhecimento dos bem-pensantes da época. Os pós-concretistas fazem o mesmo. Toda a poesia que presta hoje no Brasil, que tem coragem de encarar a realidade, é poeticamente incorreta. Isso explicaria a queda de qualidade na produção poética brasileira hoje, se comparada com 40 anos atrás? E há coisas extraordinárias acontecendo, no Nordeste, por exemplo. Essa barreira Rio-São Paulo é pavorosa. Os poetas nordestinos como Rui Espinheira Filho, da Bahia, Alberto Cunha Melo, de Pernambuco, Mauro Machado, do Maranhão, não conseguem furar a barreira regional. Não é uma poesia ao gosto da crítica universitária dominante. Essa barreira é ainda pior em São Paulo. A imprensa paulista vai ou pela linha cafajeste, do tipo Diogo Mainardi, que esculhamba Deus, o mundo, a mãe, ou está na mão desses grupelhos. Como isso funciona no mercado editorial? Por incrível que pareça, a área editorial é mais aberta do que a crítica. Quem é bom acaba se colocando no mercado editorial, por pior que esse mercado seja, e é muito ruim para a poesia. A poesia é o gênero literário mais requintado e menos popular. A maioria dos leitores no mundo inteiro prefere narração, uma história. A poesia, a rigor, não conta história. É uma forma para quem já se interessa muito por literatura. Vai vender menos sempre, aqui, na França, em qualquer lugar. Mas não sinto preconceitos das editoras brasileiras, só cautela, medo de perder dinheiro. Já se disse que os melhores poetas brasileiros hoje são letristas e compositores. Nunca entendi por que os grandes compositores e letristas, amados pela população, rasgados pelas fãs, ganhando fortunas, continuam querendo roubar esse pobre título da miserabilíssima classe dos poetas, que não têm onde cair mortos. A poesia funciona com o silêncio por base. É óbvio que se pode musicar um poema, mas é diferente: se você tira a música, o poema continua existindo. Mas letra de música não dá nem para ser lida sozinha, porque, sem querer, você acaba solfejando. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil são fabulosos compositores. Mas poesia é outra coisa. O que você pretende com sua carta aberta? Há milhares de poetas pelo Brasil inteiro e, desses, deve haver dezenas muito bons pensando a mesma coisa. Eles podem sentir uma certa satisfação em ver que não estão sozinhos. Como eu tenho um nome firmado no ramo, é mais interessante que eu fale. É para uso geral dos que se sentem como na era do parnasianismo, para quem já encheu o saco do poeticamente correto. Mas eu é que devo estar numa torre de marfim e os pós-cabralistas, totalmente ligados à realidade, falando dos corredores da Lagoa ou do supermercado Zona Sul e outras coisas altamente transcendentes... Meu recado é que existem três coisas: a literatura que foi escrita até hoje, o universo mais à frente e você. O resto é mistificação e picaretagem. |
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ELIANE AZEVEDO A carta aberta divulgada pelo poeta carioca Alexei Bueno, no Caderno B de quinta-feira passada, com pesadas críticas contra o que chamou de ditadura da escola neoconcretista de poesia - que, para ele, comanda a crítica especializada e as universidades - abriu a porteira das discussões sobre a atual produção poética de um país que já testemunhou gloriosos tempos de drummonds, cabrais e cecílias. Um dos alvos da carta furibunda do poeta carioca, o crítico e professor de Letras Ítalo Moriconi, organizador da antologia Os cem melhores poemas do século - que não incluiu nem um versinho de Alexei Bueno - garante que a poesia brasileira está navegando em águas mais mansas do que a disputa entre correntes poéticas poderia fazer prever. ''O Alexei está na contramão da tendência contemporânea que é a de aproximação entre a universidade e as instituições tradicionais das letras '', diz. ''Essa polarização que ele faz é típica dos anos 50 e 60. O afastamento da universidade da sociedade aconteceu naquela época. Hoje, a nova geração de críticos universitários busca um vocabulário menos técnico. Os anos 90 se caracterizam por uma busca de fórmulas de conciliação entre as correntes.'' Para Moriconi, o dogmatismo concretista é coisa superada. Apesar de elogiar a contribuição formal do grupo do qual Bueno é o porta-voz - o uso de longos versos, bem ao contrário do cânone concretista -, ele não é exatamente um admirador de sua obra. ''O conteúdo é muito ideológico, elitista mesmo, em sua luta contra a cultura de massa'', critica. E, sem perder a viagem, completa: ''Me causou espécie ver o Alexei assumir um papel de rejeitado e de representante dos coitadinhos dos poetas. Ele sempre teve respaldo editorial e ocupou posições institucionais [Bueno dirige o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac)]. Menos ácida, a professora Heloísa Buarque de Hollanda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também incluída por Bueno em sua crítica, acha que o poeta fez apenas barulho. ''Vivemos um período de diversidade poética, com uma produção de alta qualidade. Não há tantos confrontos e os poetas que começaram nos anos 70 estão se consolidando agora'', acredita. Professor de Teoria da Literatura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o poeta Paulo Franchetti concorda com Heloísa quanto à qualidade da atual poesia - mas está menos otimista com a capacidade de disseminação do que vem sendo escrito. ''O espaço de circulação ficou restrito a pequenos ambientes, a uma poesia que passa de mão em mão'', diagnostica. ''Na verdade, o lugar social da poesia mudou muito dos anos 50 para cá.'' Passo atrás - Bueno, em sua entrevista ao JB, credita essa restrição de espaço ao cerceamento que seria exercido pelos adeptos da poesia conhecida como pós-cabralina (por cultuar os versos secos e concisos de João Cabral de Melo Neto). Ou, como chamou, a era do poeticamente correto. Para Franchetti, porém, a disputa pela hegemonia entre as duas correntes - a estética, dos concretistas e a ideológica - criou a era das filiações. ''Os jovens poetas, antes de escrever e criar, querem se filiar a alguma corrente, fazer poesia para poetas. A divisão em tribos é limitadora. Não se pode fazer poesia com uma história poética na cabeça'', diz. Na mesma linha, o poeta Mauro Faccioni, editor da revista literária Babel, acha que as tendências que dominam o panorama da produção de poesia não conseguiram firmar sua qualidade. Ele concorda com Bueno em sua crítica aos neoconcretistas - ''são guerreiros na mídia e não permitem que outras linhas sejam vistas, além de produzirem uma poesia seca e diluída'' -, mas diz que Bueno e sua turma estão, na verdade, dando passos para trás. ''Eu chamo esse grupo de pré-modernista. É uma poesia artificial, toda predefinida e sua manifesta preocupação com o homem não encontrou uma poética.'' Quem cerra fileiras com Alexei Bueno é o crítico e professor Pedro Lyra, para quem a universidade está mais preocupada com ''grupismos'' do que com a qualidade da poesia. ''O verso é curto porque é ruim, porque assim é mais fácil'', diz ele. Que ilustra seu desgosto com a seguinte história: ''Tive uma aluna que me mostrou seus poemas, bem fracos. Perguntei que poetas ela lia. E ela me respondeu: nenhum!'' |
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A
PROPÓSITO DA CARTA ABERTA AOS POETAS BRASILEIROS, de ALEXEI
BUENO. Ruy Espinheira Filho
Muito choro, descabelamento e ranger de dentes. E por quê? Porque um dos nossos poetas mais importantes resolveu tocar em certas verdades. E em verdades até muitíssimo sabidas: a falta de seriedade (com raríssimas exceções) da crítica literária no Brasil de hoje; o grupismo que domina revistas e jornais, além de departamentos universitários, dedicando-se à promoção de seus integrantes ou “eleitos”, em detrimento de quaisquer nomes que não sejam da camarilha; o neoparnasianismo das “vanguardas” e seus epígonos; a ausência de sensibilidade poética; falta generalizada de cultura, etc. Verdades, enfim, que só mesmo a desfaçatez das camorras (para usarmos um termo do texto do Alexei Bueno) pode querer negar. Embora o Alexei tenha colocado a minha poesia entre as que não encontram lugar na crítica costumeira da chamada grande imprensa, o que é verdade, sou um nordestino que pode falar sem temer acusações de ressentimentos, pois minha literatura não é das que mais sofrem com essa política de exclusão. Pelo menos em termos editoriais, já que tenho livros lançados por editoras como a Civilização, a Brasiliense, a Nova Fronteira e a Record (esta, a editora dos meus dois últimos volumes). Enfim, sou uma das raras exceções entre centenas de autores nordestinos, alguns de excepcional qualidade, que jamais conseguem ultrapassar as fronteiras de seus Estados (ou mesmo municípios, cidades). Posso, pois, falar sem temer acusações de “ação em causa própria”: a literatura produzida na maior parte do País vem sendo solenemente ignorada por aqueles que dominam meios de comunicação e universidades, particularmente no Sudeste. É uma literatura, sobretudo a poesia, condenada à pena máxima do Grande Silêncio... Outra face do oswaldiano “não li e não gostei”, piadinha mau-caráter que faz sucesso entre os pobres de espírito da nossa triste República das Letras. O que se faz, por ação ou omissão, para silenciar vozes neste País é algo hediondo. Mário de Andrade, em sua famosa conferência sobre o Modernismo, dizia que a nova mentalidade exigia da Inteligência nacional “estar ao par do que se passava nas numerosas Cataguases”. Em outras palavras: é obrigação do intelectual estar atento à cultura como um todo, não apenas ao que se processa em seu estado, em sua cidade, em sua roda de acumpliciados. Exatamente o contrário do que acontece hoje: ou o autor se une a alguma camorra ou ninguém, ou quase ninguém, fala dele. Claro que, no final, o Tempo, que é o crítico definitivo, dará a cada um o seu merecimento. Mas até lá, como lembrou o Alexei em entrevista, gente como Cruz e Sousa morre de fome... Sabiam os contemporâneos de Cruz e Sousa quem era ele? Somente uns raros sabiam. Porque os espaços estavam reservados aos poderosos da época, os cantados e decantados, dos quais não restou nem, como diz o povo, pó de traque... Os que discordam do Alexei têm direto a essa discordância, mas é de se esperar que discordem com argumentos, não com frases ressentidas ou simples palavreado agressivo. E que não venham com essa conversa boba de classificar uns de “conservadores”, outros de “vanguardistas”, aqueles de “subjetivos” — porque nada disso vale nada, se o argumento estético não existe. O que importa mesmo, no caso, é saber se há poetas, se há poesia. O poeta Fulano é superior porque é “objetivo”? Mas o que é isso de objetividade em poesia? E essa história de classificação: pré-modernista, modernista, moderno, pós-moderno... Quanta bobagem universitês! Disseram que Bandeira escreveu o que escreveu em Libertinagem por ter se tornado um poeta modernista — e o poeta disse que escrevera aqueles poemas de tal maneira devido simplesmente ao fato de ter ido morar no Morro do Curvelo... Está lá no Itinerário de Pasárgada, para quem quiser conferir. Os professores (e mais uma vez sou insuspeito para falar, pois sou professor de Literatura) costumam ensinar que por volta dos anos 30 tínhamos modernistas e modernos; Mário de Andrade, escrevendo em 1931, falava no “neo-neo-romantismo dos contemporâneos”... Muito tempo depois, em 1986, num artigo publicado no Jornal do Brasil, José Guilherme Merquior, depois de elogiar a “musa da confidência” bandeiriana (ou seja: o individualismo, o subjetivismo, meus caros “objetivistas”...), afirma que Mário, Bandeira e Drummond eram “menos modernistas que modernos românticos”. Por que vou eu achar que o Mário e o Merquior têm menos razão do que os que se limitam aos livros didáticos e aos que se sujeitam às camorras? Quanto às influências sofridas pelo Alexei, que têm sido criticadas, qual o problema? Todo mundo tem influências. Bandeira enumera dezenas. Mário justificava até o roubo, contanto que produzisse uma obra original. Drummond falava em furto poético, das obras de poetas que ele incorporara, como dizia, “ao fatal meu lado esquerdo”. Eu poderia citar aqui uma infinidade de exemplos, de confissões, mas acho que já escrevi muito além da conta. Só acrescentarei que as influências do Alexei são as que o seu talento escolheu. Sua particular sensibilidade. Sua correspondência poética. Ele não tem obrigação de ser influenciado por Cabral, muito menos pelos Campos, muitíssimo menos pelos seus epígonos. Ele é influenciado pelos poetas que ama a respeita — como um Camões, um Pessanha, um Pessoa, por exemplo. A verdade é que cada qual tem as influências que pode ter. O que interessa saber é se um poeta é capaz de criar com suas próprias forças — e o Alexei já provou que é capaz. Querer atacá-lo porque ele não forma na ordem-unida de certos grupos é, como dizia o Mário, bobagem bêbada. Dizer que ele está na contramão... mas contramão de quê? Ele está na “mão” dele, e é o que basta. E é uma bela “mão”, já que nos deu coisas como, por exemplo (e cito o que me ocorre ao bater das teclas), História, Um Denário de Heliogábalo e a obra-prima Helena. Também há quem diga que ele é “conservador” porque se utiliza de inúmeras técnicas, rimas sofisticadas e metros variados, além do verso livre. Quer dizer: ele é “conservador” por ser um poeta culto, não limitado ao versinho desnutrido e manco dos “avançados”! Enfim, invertem-se os papéis: a pobreza (lírica e de cultura poética) passa a ser o melhor, a vanguarda. Oh, por favor, vão ler Mário, vão ler Bandeira, vão ler Drummond... Eles não são autores do passado, não: estão vivíssimos. São da poesia brasileira de todos os tempos. Mas para saber isto é preciso ser, mesmo, leitor de poesia... Bem, a Carta Aberta de Alexei queria provocar discussão, debate — e está conseguindo. Mas que seja, realmente, uma esgrima de idéias, não choro, descabelamentos e ranger de dentes. Quem não tiver nenhuma idéia para trazer a campo, é de se esperar que permaneça em casa, entregue ao seu duro ofício de produzir coprólitos. Ou — os fiéis epígonos – coprólitos de coprólitos. Bahia, 14 de fevereiro de 2002. Ruy Espinheira Filho <refpoeta@terra.com.br> |
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