Marisa Lajolo
PESQUISA EM JORNALISMO
A lei do menor
esforço
Marisa Lajolo (*)
Vivo recebendo pela Internet pedidos de
auxílio de estudantes. Na medida do possível respondo, e sempre de
forma polida e gentil. Faz um tempinho, um grupo de estudantes de
jornalismo de uma escola particular paulista pediu uma entrevista:
precisavam fazer um trabalho sobre Monteiro Lobato. Pedi um tempo,
andava viajando. Quando voltaram a fazer contato, pedi que
antecipassem as questões. Quando as recebi, fiquei pasma. Algumas
eram tão primárias que mera consulta a qualquer enciclopédia
responderia a elas. Outras eram tão mal formuladas, que não se
entendia o que indagavam:
Perguntas em relação à Monteiro Lobato
** A senhora pode relatar resumidamente a infância, começo de
carreira e vida de Monteiro Lobato?
** Quais foram os principais prêmios adquiridos por Lobato?
** Quais foram os principais trabalhos do autor?
** Monteiro Lobato até hoje tem fama de ser uma pessoa
nacionalista por aplicar em seus personagens personalidades
fortes e que tem a intenção de mostrar algo que, talvez, esteja
errado no país, ou até mesmo no mundo. Como você explica isso?
** A personalidade dos personagens tem alguma relação com os
últimos acontecimentos (em relação à política)?
Perguntas em relação ao Sítio do Picapau Amarelo
** Na sua opinião o que leva um programa que foi criado nos
anos 50 ser sucesso até hoje, de forma e gerações tão
diferentes?
** Qual a essência das histórias do Sítio do Picapau
Amarelo?
** Qual (quais) personagem (s) do Sítio as crianças se
identificam mais (na literatura e na TV)? Porquê?
** Através de seus estudos, como você define cada personagem
do Sítio?
** Há mesmo em cada um deles uma personalidade nacionalista?
Peço que qualquer dúvida nos questione. Obrigado pela atenção e
aguardamos retorno Abraços
O pasmo transformou-se em
indignação: pediam-me uma entrevista não porque conhecessem o que eu
já tinha escrito sobre Lobato e quisessem discutir e aprofundar
alguns tópicos, mas porque queriam livrar-se da pesquisa. Respondi
passando um pito : disse-lhes que não tinham feito a lição de casa e
que as perguntas eram primárias demais para merecerem uma resposta,
quanto mais uma entrevista. Tentei ser gentil e pedagógica:
Minhas queridas Fulana, Sicrana e Beltrana:
Como já lhes havia dito, nada entendo de televisão e,
conseqüentemente, passo ao largo por todas as questões relativas
ao programa do Sítio. Quanto às perguntas de literatura,
vocês vão me desculpar, mas vocês parecem não ter lido nada
sobre Lobato nem sobre sua obra. Nem trabalhos meus, nem de
ninguém. Sequer pesquisas na internet vocês parecem ter feito!
Fazem perguntas completamente cruas, primárias. Desculpem, e
entendam esta resposta como uma lição de quem podia ser
professora de vocês. Qualquer biografia que vocês consultarem
fornece dados sobre infância e principais obras de Lobato. Acho,
assim , que vocês precisam primeiro aprender o que já se sabe
sobre Monteiro Lobato e só depois entrevistar pesquisadores.
Combinado? Um abraço e boa sorte. Marisa Lajolo
Aí as moças ficaram bravas: alguns dias
depois me deram uma bronca, de novo maltratando nossa pobre língua,
que eu julgava ser instrumento de trabalho de jornalistas :
Querida professora,
Agradeço por ter nos respondido e ficamos agradecidas por nos
dar total orientação. Entendemos que talvez seja melhor nós
procurarmos outra pessoa uma vez que a senhora não disponibiliza
de tempo para certas tarefas. Só quero certificá-la que estamos
concientes que as respostas das questões enviadas podemos
encontrar em certos locais, mas a senhora deve saber que fontes
são necessárias para se fazer reportagem por isso não se
preocupe, já estamos pautando outras fontes.
Boa sorte prá você também. Abraços
Ou seja, foi minha vez de levar um pito.
Ainda com as orelhas ardendo, pergunto a
meus botões: é assim mesmo que se ensina a fazer jornalismo?
Ensina-se que o jornalista vai de cabeça vazia perguntar ao
especialista quando nasceu Monteiro Lobato, quais as obras mais
importantes dele e que prêmios ele recebeu? E não se exige um
domínio mínimo da modalidade escrita da língua portuguesa?
Meus botões ficaram perplexos.
E face ao silêncio dos botões, Monteiro
Lobato, lá do etéreo assento, me sugere que convoque o Quindim e o
Burro Falante para, com uma boa chifrada e um par de coices dar um
jeito nestas escolas de jornalismo que desensinam os jovens...
(*) Doutora em Letras, professora-titular do Instituto de Estudos
da Linguagem, da Unicamp
Dos Leitores
Soares Feitosa
Marisa, você razão, muitos querem encontrar tudo bem
mastigadinho.
Eles me atanazam do mesmo jeito. Pedem até análises. Alguns, mais
audaciosos, até me estabelecem prazos! — mandar a análise até às 14
horas! Se facilito, exigem além de café, queijo assado, cuscuz e
tapiocas! Doce de leite? Claro que o exigirão.
Recomendo-lhes a biblioteca do colégio e digo-lhes,
com alguma calma, que isto de "estudarem" à base do control-C x
control-V é apenas uma maneira muito amena de se enganarem.
O que me assombra, muito mais grave, é que há
"professores", inclusive com anúncios na Net, vendendo teses,
monografias, trabalhos de aula e pesquisas. Se é de assombrar? Claro
que é.
Mas isto é apenas uma pequena porção do problema
verdadeiro: a nenhuma seriedade da Didática no Brasil.
Com outro abraço,
Soares Feitosa
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