Nota
Esta é a terceira Elegia de Susana. A primeira data dos anos de cárcere, na década de 40, e faz parte das dez elegias de perdição do livro "Cabo das Tormentas", editado em 1950. A segunda é um conto elegíaco, "A Caminho de Susana", da antologia "Piero della Francesca ou as Vizinhas Chilenas". Esta Terceira Elegia, seguida de um breve inventário de,Susana seria a dolorosa despedida poética de uma experiência de obsessão pela beleza. A obsessão da beleza de Susana vem do Antigo Testamento. Como toda beleza humana, ela levou os protagonistas do texto deuterocanônieo de Daniel ao desespero, ao pecado e à perdição. Para os que sabem que a criatura humana foi feita à imagem e semelhança de Deus, essa imagem e semelhança aparecem, às vezes, como um privilégio da natureza, num rosto de mulher. Augustín Nifo, averroista italiano (l473-1538), em seu tratado "De pulchro et amore" sustentava a existência do belo na natureza, e entre acertos e futilidades identificou como cânon de beleza o rosto e o corpo de Joana de Aragão, filha natural do rei Fernando, da Espanha, e casada com Antônio Colonna, Príncipe de Tagliacozzo. Famosa por seu talento, sua beleza e sua virtude, os poetas mais importantes dos quinhentos, na Itália,dedicaram-lhe uma coroa de poemas, intitulada "Tempio alla Divina Signora Giovanna daragona, fabricatto da tutti i gentili spiriti e in tutte le lingue" - (Veneza, 1580). Há um retrato de Joana de Aragão no Museu do Louvre, pintado por Rafael. Ao "fabricar" também o "tempio" de elegias a Susana — esta é o epílogo — ficam a esperança e o desespero de inventar em seu rosto o mesmo cânon de beleza da "mulher divina", imortalizada pelas formas de Rafael, pela especiosa teoria de Augustin Nifo e por "tutti i gentili spiriti" de seu tempo. |
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"0 pulchritudo!"
Santo Agostinho
"Susana era a delícia
da beleza.
Atravessa a noite e o
coração
e à penugem da noite
E a cada linha feita -
desfeita - no teu rosto
E sobre a pele números e aromas
uma rosa - outra rosa - a mesma rosa
ao teu poeta resta
e ali eu te chamava Catarina.
E à madrugada
E no mapa da mina de teu nome
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