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Página atualizada em 04.09.1999
 
Manoel Ricardo de Lima
mrlima@secrel.com.br
 
Esboço para uma conversa 
in jornal O Povo,
Vida & Arte, 3 de agosto de 1999


 

MANUEL RICARDO DE LIMA 
Articulista do Vida & Arte 

 A atual poesia brasileira padece, desilude? - em um quadro amplo, geral, pode-se até pensar que sim. Mas sabe-se, e é o que nos conforta, que há projetos que lentamente somados podem vira a constituir este veio inodoro de uma geração criativa na poesia brasileira. 

Tomar como centro uma discussão nem tanto atraente: o que dizer, em espaço pequeno, da cena poética brasileira hoje, tempos contemporâneos? - pouco, talvez. Quase nada, quem sabe. Ou muito, poderá se afirmar com alguma sinceridade. Desses artefatos, driblar a seriedade imposta ou alguma coisa de tardia. Ademais, o de sempre nos últimos anos: os projetos poéticos individuais, óbvio, que se sustentam em pensar o contemporâneo, o tempo presente, o novo presente que se forma naturalmente, dia-a-dia.  

O que quer dizer sempre há alguém, ou ``alguéns'', em processo criativo, debruçado, que se esgueira ininterruptamente para organizar um trabalho que possibilita estar dialogando, agora, com esse novo sujeito, o da simulação e outras vias, com este novo presente, com o que escapa ao ser, ao estar no mundo. Mas como está e onde está este ``algum sujeito''? 

São muitos os poetas espalhados Brasil a fora. A nota de Antônio Cândido vem à tona: a nossa formação humanista que sempre se dilacera em quantidade. Mais adiante a categoria idealizada, quase romântica, que qualquer um pode ser poeta, que poesia brota de qualquer um que se pense assim. O que não é de todo desmentido, mas pode ser, facilmente. O que sabe a poesia, mas não comprime mão a ela, não desabrocha talento (por mais que isto se crie, se fie). O que não sabe a poesia, nada sobre, e beira a bobagem em versos tão desorganizados e banais como quase toda a mass media que nos circunda mais ou menos da década de 80 para cá. O que ergue palavra pela palavra e utiliza recursos das tecnologias que avançam, desenvolve circunspecto a simbiose dita globalizada e passa a falar sobre o tema da cidade moderna, o vazio dela, e mais nada. Não constróem sintaxe, não constituem projeto poético, e ficam pelas beiradas discutindo o que relativizou o Modernismo (não o que dele se institui ainda), o Simbolismo do livro total de Mallarmé, o Concretismo (que foi importantíssimo e fundamental), a década de 70, o ano de 68 etc etc. 

A idéia não é negar nenhuma estética, nenhum passado, por mais remorso que nos traga a História, diria Drummond, ao contrário, reafirmá-las, todas, em seus tempos e estudá-las em e para a compreensão cultural e estética de nossa literatura, cotidianamente. Algum princípio residual. Mas o que se tenta pensar aqui não é apenas o que pode deixar de ser resíduo, mas a constituição de um novo, do um outro, do que ainda pode ser o novo ente poético, ontológico, que permita estabelecer diálogo não apenas temático, mas estrutural, na impossibilidade, quiçá, com o tempo que estamos vendo ser erguido.  

A outra pergunta: mas o que isto tudo pode gerar, desilusão? Claro, seria o óbvio. Mas aí teríamos o fim de todo um projeto humano, o da arte da palavra como invenção para nossa capacidade de imaginar. O que também seria normal ao nosso tempo (?). Como normal podem estar o seqüestro, o homicídio, a corrupção, o racismo, o assalto, a criança na rua e a fome. Para me fazer mais claro: todo o contrário dessas afasias seria negar nossa condição quase de subumanos, seria afirmar que estamos bem e resolvidos em nossas insatisfações, não mais como seres em potencial, motores de nossa história, os que tentam ser bons (no que esta palavra tem de mais pueril), mas como sujeitos imberbes neste nada que se procria.  

Mas penso, e me permito pensar assim, que toda esta impossibilidade diáfana, etérea, quase invisível, que poderia gerar desilusão, pode experimentar exatamente o contrário. Algo mais crível e com registros criativos, algo que possa alimentar e ampliar todo esse vazio banalizado, especulativo, esta imprudência de estar no mundo, e relativizar para um projeto novo: o do um outro que se forma a partir das manifestações do silêncio, da poesia.  

A atual poesia brasileira padece, desilude? - em um quadro amplo, geral, pode-se até pensar que sim. E muito. Mas sabe-se, e é o que nos conforta, que há projetos que lentamente somados podem vir a constituir este veio inodoro de uma geração criativa na poesia brasileira, veio quase escrito. São inúmeras as possibilidades dentro dessa aparente inércia. Por que não capacitar alegria criativa para escrever poemas? O desenlace é descobri-las - as possibilidades - para humanizá-las, para refazê-las, fazê-las novas, pensando o um outro como ele pode estar, entre, se, lá, aqui, ou apenas não estando. 

Se hoje todo o não-lugar pode constituir poesia, nem toda poesia considera afirmar o não-lugar. O que parece ser um axioma pálido é, se visto de um pouco mais longe, espremendo-se entre os velhos e renovados conceitos de barbárie e civilização, uma proposta pendular, paradoxal: o que não se firma, mas se embala no desequilíbrio e busca. 

Poderia nomear alguns poetas que, a meu ver, estão pensando alguns desses ditos projetos poéticos para o presente, quatro ou cinco ou seis ou sete ou oito ou menos ou mais, ou vinte ou quarenta ou cinqüenta, se fosse o caso ou me exigissem (que é o que sempre fazem: onde está meu nome?), mas não é isto. Formaria mesmo um índex e causaria alguma polêmica. Mas a polêmica no Brasil parece levar a nada, ainda mais quando a idéia aqui é pensar na tolerância e na generosidade para poder também, se possível, ver este um outro, ver na impossibilidade do labirinto a possibilidade do encontro. Re-encontrar o e no labirinto, ver a diferença, compreendê-la, pensá-la.  

Um outro ponto, por não temos um projeto único, claro, de literatura, ou de poesia, é a confirmação que todo e qualquer projeto poético é individualizado (no sentido menos egóico que este termo possa ter). Apenas porque está cada vez mais difícil uma manifestação coletiva de um projeto poético (mesmo com suas dissonâncias internas, como as vanguardas do início do século). Depois, menos claro ainda é o projeto de sociedade, a que surge, a nova sociedade, os novos sistemas. Planos amplos: tecnologia, a idéia de rede, espaço geográfico, linguagens, sistemas de comunicação, estruturas sociais, guerras assépticas etc. E a idéia é que a poesia pode e precisa estar afirmando este novo plano cultural e, óbvio, estético. O que é este plano? Quem saberá. Mas Haroldo de Campos, a partir de Walter Benjamin, fala em ``Jetztzeit'', a ``agoridade''. Daí, mas adiante, confirmar em Antônio Risério: ``Para mim, a relatividade cultural não significa a aceitação passiva de um carrossel de supostas `verdades'. Não. Significa coragem intelectual para o diálogo crítico entre culturas. Assim como, no campo estético, não significa abolição de critérios. Essa bobagem é apenas um álibi para os incompetentes. Podemos não ter um projeto único, mas isso não significa abrir mão da discussão objetiva e rigorosa das coisas.''  

Depois, a postura tranqüila de saber perceber o outro, o projeto alheio, ouvi-lo, captá-lo, sem polêmica pessoal, vazia, sem criar o ranço e o fechamento das mesmices empolgadas em suas vaidosas ``literatices''. Para ser bom poeta, penso, hoje, é prudente procurar antes ser um ser humano bom, melhor, sempre. Porque vivemos o tempo da simulação, qualquer um pode ser qualquer coisa por um tempo de duração que pode ser indeterminado. Há pouquíssimas possibilidades de reconhecimento. A idéia é humanizar o sujeito que desanda, que não sabe ainda da própria existência neste novo presente, mas que busca, aberto, percebendo. E nada melhor que um bom poema sobre uma janela aberta. 

     

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