Esboço para uma conversa
in jornal O Povo,
Vida & Arte, 3 de agosto de 1999
MANUEL RICARDO DE LIMA
Articulista do Vida & Arte
A atual poesia brasileira
padece, desilude? - em um quadro amplo, geral, pode-se até pensar
que sim. Mas sabe-se, e é o que nos conforta, que há projetos
que lentamente somados podem vira a constituir este veio inodoro de uma
geração criativa na poesia brasileira.
Tomar
como centro uma discussão nem tanto atraente: o que dizer, em espaço
pequeno, da cena poética brasileira hoje, tempos contemporâneos?
- pouco, talvez. Quase nada, quem sabe. Ou muito, poderá se afirmar
com alguma sinceridade. Desses artefatos, driblar a seriedade imposta ou
alguma coisa de tardia. Ademais, o de sempre nos últimos anos: os
projetos poéticos individuais, óbvio, que se sustentam em
pensar o contemporâneo, o tempo presente, o novo presente que se
forma naturalmente, dia-a-dia.
O que quer dizer sempre há
alguém, ou ``alguéns'', em processo criativo, debruçado,
que se esgueira ininterruptamente para organizar um trabalho que possibilita
estar dialogando, agora, com esse novo sujeito, o da simulação
e outras vias, com este novo presente, com o que escapa ao ser, ao estar
no mundo. Mas como está e onde está este ``algum sujeito''?
São muitos os poetas
espalhados Brasil a fora. A nota de Antônio Cândido vem à
tona: a nossa formação humanista que sempre se dilacera em
quantidade. Mais adiante a categoria idealizada, quase romântica,
que qualquer um pode ser poeta, que poesia brota de qualquer um que se
pense assim. O que não é de todo desmentido, mas pode ser,
facilmente. O que sabe a poesia, mas não comprime mão a ela,
não desabrocha talento (por mais que isto se crie, se fie). O que
não sabe a poesia, nada sobre, e beira a bobagem em versos tão
desorganizados e banais como quase toda a mass media que
nos circunda mais ou menos da década de 80 para cá. O que
ergue palavra pela palavra e utiliza recursos das tecnologias que avançam,
desenvolve circunspecto a simbiose dita globalizada e passa a falar sobre
o tema da cidade moderna, o vazio dela, e mais nada. Não constróem
sintaxe, não constituem projeto poético, e ficam pelas beiradas
discutindo o que relativizou o Modernismo (não o que dele se institui
ainda), o Simbolismo do livro total de Mallarmé, o Concretismo (que
foi importantíssimo e fundamental), a década de 70, o ano
de 68 etc etc.
A idéia não
é negar nenhuma estética, nenhum passado, por mais remorso
que nos traga a História, diria Drummond, ao contrário, reafirmá-las,
todas, em seus tempos e estudá-las em e para a compreensão
cultural e estética de nossa literatura, cotidianamente. Algum princípio
residual. Mas o que se tenta pensar aqui não é apenas o que
pode deixar de ser resíduo, mas a constituição de
um novo, do um outro, do que ainda pode ser o novo ente poético,
ontológico, que permita estabelecer diálogo não apenas
temático, mas estrutural, na impossibilidade, quiçá,
com o tempo que estamos vendo ser erguido.
A outra pergunta: mas o que
isto tudo pode gerar, desilusão? Claro, seria o óbvio. Mas
aí teríamos o fim de todo um projeto humano, o da arte da
palavra como invenção para nossa capacidade de imaginar.
O que também seria normal ao nosso tempo (?). Como normal podem
estar o seqüestro, o homicídio, a corrupção,
o racismo, o assalto, a criança na rua e a fome. Para me fazer mais
claro: todo o contrário dessas afasias seria negar nossa condição
quase de subumanos, seria afirmar que estamos bem e resolvidos em nossas
insatisfações, não mais como seres em potencial, motores
de nossa história, os que tentam ser bons (no que esta palavra tem
de mais pueril), mas como sujeitos imberbes neste nada que se procria.
Mas penso, e me permito pensar
assim, que toda esta impossibilidade diáfana, etérea, quase
invisível, que poderia gerar desilusão, pode experimentar
exatamente o contrário. Algo mais crível e com registros
criativos, algo que possa alimentar e ampliar todo esse vazio banalizado,
especulativo, esta imprudência de estar no mundo, e relativizar para
um projeto novo: o do um outro que se forma a partir das
manifestações do silêncio, da poesia.
A atual poesia brasileira
padece, desilude? - em um quadro amplo, geral, pode-se até pensar
que sim. E muito. Mas sabe-se, e é o que nos conforta, que há
projetos que lentamente somados podem vir a constituir este veio inodoro
de uma geração criativa na poesia brasileira, veio quase
escrito. São inúmeras as possibilidades dentro dessa aparente
inércia. Por que não capacitar alegria criativa para escrever
poemas? O desenlace é descobri-las - as possibilidades - para humanizá-las,
para refazê-las, fazê-las novas, pensando o um outro
como ele pode estar, entre, se, lá, aqui, ou apenas não
estando.
Se hoje todo o não-lugar
pode constituir poesia, nem toda poesia considera afirmar o não-lugar.
O que parece ser um axioma pálido é, se visto de um pouco
mais longe, espremendo-se entre os velhos e renovados conceitos de barbárie
e civilização, uma proposta pendular, paradoxal: o que não
se firma, mas se embala no desequilíbrio e busca.
Poderia nomear alguns poetas
que, a meu ver, estão pensando alguns desses ditos projetos poéticos
para o presente, quatro ou cinco ou seis ou sete ou oito ou menos ou mais,
ou vinte ou quarenta ou cinqüenta, se fosse o caso ou me exigissem
(que é o que sempre fazem: onde está meu nome?), mas não
é isto. Formaria mesmo um índex e causaria alguma polêmica.
Mas a polêmica no Brasil parece levar a nada, ainda mais quando a
idéia aqui é pensar na tolerância e na generosidade
para poder também, se possível, ver este um outro,
ver na impossibilidade do labirinto a possibilidade do encontro. Re-encontrar
o e no labirinto, ver a diferença, compreendê-la, pensá-la.
Um outro ponto, por não
temos um projeto único, claro, de literatura, ou de poesia, é
a confirmação que todo e qualquer projeto poético
é individualizado (no sentido menos egóico que este termo
possa ter). Apenas porque está cada vez mais difícil uma
manifestação coletiva de um projeto poético (mesmo
com suas dissonâncias internas, como as vanguardas do início
do século). Depois, menos claro ainda é o projeto de sociedade,
a que surge, a nova sociedade, os novos sistemas. Planos amplos: tecnologia,
a idéia de rede, espaço geográfico, linguagens, sistemas
de comunicação, estruturas sociais, guerras assépticas
etc. E a idéia é que a poesia pode e precisa estar afirmando
este novo plano cultural e, óbvio, estético. O que é
este plano? Quem saberá. Mas Haroldo de Campos, a partir de Walter
Benjamin, fala em ``Jetztzeit'', a ``agoridade''. Daí, mas adiante,
confirmar em Antônio Risério: ``Para mim, a relatividade cultural
não significa a aceitação passiva de um carrossel
de supostas `verdades'. Não. Significa coragem intelectual para
o diálogo crítico entre culturas. Assim como, no campo estético,
não significa abolição de critérios. Essa bobagem
é apenas um álibi para os incompetentes. Podemos não
ter um projeto único, mas isso não significa abrir mão
da discussão objetiva e rigorosa das coisas.''
Depois, a postura tranqüila
de saber perceber o outro, o projeto alheio, ouvi-lo, captá-lo,
sem polêmica pessoal, vazia, sem criar o ranço e o fechamento
das mesmices empolgadas em suas vaidosas ``literatices''. Para ser bom
poeta, penso, hoje, é prudente procurar antes ser
um ser humano bom, melhor, sempre. Porque vivemos o tempo da simulação,
qualquer um pode ser qualquer coisa por um tempo de duração
que pode ser indeterminado. Há pouquíssimas possibilidades
de reconhecimento. A idéia é humanizar o sujeito que desanda,
que não sabe ainda da própria existência neste novo
presente, mas que busca, aberto, percebendo. E nada melhor que um bom poema
sobre uma janela aberta.
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