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             Manoel Ricardo de Lima 
                                         
             
       
                                         
            12.1.1999 
                                         
                                            
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
              
                                                                   
                                                                        
                                                                        
                                                                        
                   
            A
            literatura e o contemporâneo 
             
             O
            que dizer da produção literária estabelecida em 1997 para que a
            partir dela se possa pensar o ano de 1998? Pensar o que,
            minimamente, tenha ou carregue caraterística própria para receber
            o nome de literatura; ou seja, originalidade. Mas pensar apenas
            assim pode ser pouco. Literatura, para a originalidade, vai sempre
            precisar de história, precisar de referência, precisar,
            principalmente, de uma dimensão formal do que ficou aparentemente
            pronto como ‘obra de arte literária’. 
             Em
            literatura - está em Tonio Kroeger, livro curto e um dos mais
            geniais de Thomas Mann, quando a personagem homônima afirma em uma
            conversa com sua amiga Lisavieta, e ensina: “A literatura não é
            profissão alguma, e sim uma maldição.” -, esta maldição
            maravilhosa, só se pode/deve discutir qualidade, formação de estética,
            preservação e registro. Literatura de verdade não vende, nunca
            deixou ninguém nadando em dinheiro e “é muito bom que não
            venda”, diz Leminski. Este nosso tempo é que quer pensar a
            literatura como comércio, como necessidade orçamentária, já que
            tudo ficou fácil, fácil demais até. Mas não pode ser comércio o
            que é apenas um sutil prazer para o diletante. Mais adiante Kroeger
            afirma: “Ah! sim, a literatura cansa, Lisavieta.”  
            O
            fato é que, cansada, a literatura tornou-se apenas mais uma entre
            tantas manifestações culturais. Perdeu a sua hegemonia, virou
            princípio participativo e foi aboca hando outra fatia deste pequeno
            bolo qualitativo através de um diálogo maior.Ponto normal se
            pensarmos isso diante da abertura pós-moderna, ou como queiram
            nomear essa reviravolta normativa. O outro ponto, anormal, seria
            pensar a literatura como resistência para a descompostura estética
            que vive a contemporaneidade.  
            A
            suposta abertura para o heterogêneo, chamada de pós-modernidade, não
            significa abastardamento. Logo, a verdadeira literatura não pode
            ser resistência. Esta abertura apenas permite que o diálogo
            intercontextual seja intensificado e estabeleça novas regras de
            andamento para qualquer predisposição de arte. A literatura,
            senhora de si, essencialmente, tenta manter os seus velhos leitores
            e trazer o anti-leitor - este, natural deste tempo, que é
            empiricamente fascinado pelo som e pela imagem -, para perto. Tudo
            muito tranqüilamente.  
            A
            narrativa que se pretende contemporânea, com total garantia do caráter
            literário, é feita sob a égide desse vulto heterogêneo que é a
            grande cidade. “O mundo é, hoje, todo, este oxímoro: uma ampliação
            reduzida: uma grande cidade.” Daí ficar impossibilitada qualquer
            pretensão criativa que traduza esta época e seja ao mesmo tempo
            voltada apenas para o regional, para uma literatura nacional, presa
            dentro de pequenas fronteiras, daqui ou de qualquer lugar. Pensar a
            literatura hoje, seria pensá-la de uma forma pós-nacional para que
            não seja tomada como entidade inexistente.  
            Outro
            fato é: por mais incalculável que seja a quantidade de livros que
            pipocam por aí sem contribuição nenhuma, sem valor de classificação,
            o que de melhor se produz em arte neste país ainda é no plano
            literário. Temos uma produção de poesia - que é qualitativamente
            muito boa - e uma outra de narrativas - menor, mas também
            interessante - que buscam exatamente o conceito estabelecido por
            Bhabha: “De muitos, um.” Do heterogêneo, a essencialidade. E
            hoje, é neste conceito de essencialidade múltipla que sustenta-se
            a literatura, na desleitura. E não dialogando com o que ainda quer
            ser nacional, cheio de penduricalhos tradicionais.   
              
              
            REEDIÇÕES
            NECESSÁRIAS E OUTROS 
            1997
            foi principalmente um ano de reedições, sempre devidamente necessárias:
            os gênios. Depois, títulos inéditos de autores consagrados. Por
            fim, uma ou outra novidade. Os bons livros de Calvino, alguma coisa
            de Shakespeare, uma bonita reedição da obra de Franz Kafka por
            Modesto Carone, uma mais bonita ainda da de João Cabral, a lira de
            Álvares de Azevedo, algumas crônicas do genial Rubem Braga, o inédito
            livro de poemas de Guimarães Rosa - Magma - que tem uma boa
            qualidade e surpreendeu quem pensava que Rosa era só prosa etc.  
            Ainda
            reedições, as editoras Paz e Terra, Ediouro e L&PM deram um
            banho com suas pequenas, de bolso. Títulos que trazem assinaturas
            de Baudelaire, Rimbaud, Shakespeare, Manuel Bandeira, Moliére,
            Dostoievski, Jane Austen, Kafka etc. Depois outros como Bukovski e
            Luís Fernando Veríssimo. Tudo isso com um preço possível, bom.  
            A
            narrativa, pretensa novidade, veio à tona e trouxe qualidade
            extremada em João Gilberto Noll, Sérgio Santanna, Gisela Campos,
            Ademir Assunção, Guilherme Scalzilli e mais alguns. Essa narrativa
            comporta-se de forma exemplar para a manutenção de um parâmetro
            rigidamente literário e está divinamente preocupada em ler e
            traduzir o seu tempo.  
            Mas
            o que de melhor apareceu como novidade estética foi em poesia.
            Alguns exemplos: o livro de Cláudia Roquette Pinto, Zona de Sombra
            (ed. Sette Letras) é o melhor do ano. Nele, trabalha toda uma
            estrutura de linguagem a partir do vocabulário, uma outra  formal e
            mais uma de desconstrução sintática, além de substantivar ao máximo
            a metáfora e os deslocamentos de metonímia, reduzindo-os. Depois o
            livro de Angela de Campos, Feixe de Lontras (ed. Sette Letras) e,
            por fim, as traduções que Régis Bonvicino nos apresentou de
            Robert Creeley (Ateliê Editorial) em A UM; ambos1 (sic), poetas
            verdadeiramente importantes. Dessa literatura se pode esperar muito
            ainda, principalmente dessa poesia.      
              
              
            LITERATURA
            CEARENSE, O TERMO 
            Uma
            premissa muito conhecida, atribuída a Nikolai Gogol, autor de Almas
            Mortas, diz que um escritor deve falar sobre sua aldeia para ser
            universal. Mas esta premissa perde de vista todo o emaranhado de
            cultura atual que nega a hegemonia da literatura. E uma literatura,
            por mais digna que seja, que carregue o conceito fixo de lugar está
            fadada a desaparecer.  
            O
            Ceará tem dessas coisas. Primeiro, a impressão de que aqui se faz
            tudo que há de melhor no mundo, não precisa ser mais testado.
            Depois, um localismo arraigado, triste, cansativo, com uma linguagem
            que cada vez mais nos enterra. Ainda uma preocupação em se
            escrever literatura de cearenses para cearenses; para que o amigo da
            esquina leia, veja, opine etc. Publicações sempre caseiras demais.
            Dentro da fronteira. E o mundo? José Albano, poeta que esta terra
            realmente teve, partiu, sem saudades. E foi Manuel Bandeira quem
            tratou de resgatá-lo para que pudesse ser lido país a fora. 
            Nada
            mais cearense do que o universal encontrado na tranqüila obra de
            Moreira Campos. Nada mais cearense do que se pensar as coisas daqui
            e levá-las, com um novo tratamento de linguagem, para mais longe. O
            poema “Dia do namorados na praça Clóvis Beviláqua”, de Ruy
            Vasconcelos, é um pequeno exemplo disso. Foi publicado em uma edição
            bilíngüe, numa antologia de poetas brasileiros para a América.
            Falar de sua aldeia para ser universal quer dizer falar de uma forma
            universal, estruturalmente.  
            Depois,
            até quando este dilema defensivo para cearensidade? Até quando
            estes termos cansados: cearensidade, literatura cearense, da terra?
            A cor local foi defesa básica de Machado de Assis em seu ensaio
            sobre a nacionalidade, século passado, depois os modernistas, que
            evidenciaram-se muito mais quando, na década de 30, deixaram de
            lado esta obsessão, especialmente Drummond e Bandeira. Por que fechá-la
            ainda mais, plano estadual, em um tempo que não a permite?  
            Adriano
            Espínola com o seu Beira-Sol, pode ser exemplo também. Poemas que
            falam de Fortaleza, o tema da ‘cidade’, e 
                        universais enquanto
            versificam o Pirambu, o Mucuripe, a Praça José de Alencar etc:
            ``Um peixe abocanha a manhã’’. Além, preferiu publicar por uma
            editora que o livrasse do estigma da fronteira. Seu livro saiu pela
            Top Books, uma editora carioca.  
            Bom,
            temos coleções sendo lançadas aqui com alguma qualidade. Mas
            fica-se nisso, são sempre os mesmos que lêem, os mesmos que ficam
            sabendo. E ainda existem os que aparecem poetas e escritores da
            noite para o dia. E o Ceará, maioria, aplaude. Nada como pelo menos
            discutir, repensar. Questões são levantadas para isto, não para
            respostas absolutas.
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