Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Natércia Campos



Repercussão

Carinho e recordação


O Povo, Fortaleza, Ceará, Brasil
03.06.2004



 

Diante da morte, a surpresa. A dor fina, intermitente. Mas também a saudade, essa forma de encontro. Amigos emocionados voltam à varanda de Natércia Campos para conversar um pouco sobre ela. A escritora Regina Fiúza, por exemplo, fala de Natércia no tempo presente, ''Tudo na Natércia é muito especial... Pra mim, é uma irmã, uma conselheira''. As lembranças são um modo de eternizá-la. Porque pouco se pode diante da morte. Diante da morte, só o amor.

''Tudo na Natércia é muito especial... Foi tanta coisa, foi muito tempo que a gente viveu... Escrevi até um texto, agora de manhã, para ela... O que ela deixou, para mim, foram todos os momentos que convivi com ela. Pra mim, é uma irmã, uma conselheira; a gente dividia as tristezas, as alegrias. Lembranças boas são todas, sabe? De uma pessoa, extremamente, marcante, amiga, leal, fiel. É uma pessoa como poucas, a Natércia. Uma pessoa ímpar. Ninguém via a Natércia falar mal de ninguém, era sempre de um astral... Certas pessoas, a exemplo de pequenos sóis, possuem luz própria e a irradia para os que estão perto; e a Natércia Campos é uma dessas pessoas. O grande patrimônio dela, além da literatura, foram os amigos e a família que ela constituiu. Um filósofo, amigo nosso em comum, dizia que a Natércia parecia uma mulher de romance. E eu acrescento: uma heroína forte e, ao mesmo tempo, suave e misteriosa. Uma figura iluminada''. (Regina Fiúza, escritora, diretora administrativa da Academia Cearense de Letras e presidente da Sociedade Amigas do Livro).

''A Natércia era uma mulher altamente inteligente, sensível e intuitiva. E tinha um tempero de inocência, sem ser ingênua... Como o ar é inocente, como a terra é inocente; os quatro elementos são inocentes, mas sabem se defender, não é? Mas, uma das coisas que eu mais gostava era ficar na varanda dela, mesmo. Ela contava as histórias de uma forma que a impressão que você tinha era que estava num barco. E ela ia levando você por aqueles igarapés... Outra coisa: Natércia tinha uma maternidade lúcida. E era uma dessas pessoas do mundo que não têm idade - no sentido de que ela nasce sempre, vive sempre. Ela é atemporal. (Voltando para a varanda, Inez acrescenta) Uma coisa que eu lembro da Natércia: passei dois anos cuidando de meu marido, que estava doente (e não era só meu marido; era meu amado). E, todos os domingos, ela me mandava por e-mail um ramalhete de flores''. (Inez Figueiredo, escritora, membro da Sociedade das Amigas do Livro).

''Tivemos um experiência, triste e dolorosa, mas muito bela, algumas horas antes da morte de Moreira Campos. Ele estava no hospital, com dona Zezé e a Natércia, e recitou aquele poema de Camões, ''Para tão longo amor tão curta a vida'' (verso de ''Sete anos de pastor Jacó servia''), para dona Zezé. Depois, ele segurou minhas mãos e desejou tudo o que houvesse de melhor no mundo, para mim, que me amava e eu também disse que o amava. E, a partir daquele momento, eu e Natércia, que já éramos grandes amigas, passamos a nos considerar irmãs. Esse era um momento de que nos lembrávamos muito... Eu só tenho lembranças belas, de uma amizade bonita que nasceu a partir de Moreira Campos. Eu queria usar uma expressão muito usada na família da minha mãe, ''a delicadeza de sentimentos''. Natércia, pra mim, encarna essa delicadeza de sentimentos; mas, ao mesmo tempo, era uma mulher forte''. (Angela Gutiérrez, escritora, imortal pela Academia Cearense de Letras e diretora do Instituto de Cultura e Arte/UFC).

''Eu fui muito amigo do Moreira Campos, de frenqüentar a casa dele e tudo, e isso nos aproximou muito, a mim e a Natércia. Com o tempo, lendo os trabalhos dela e ela lendo coisas minhas, cresceu minha admiração. Ela era muito modesta e gostava de submeter muita coisa dela à minha revisão; inclusive, Moreira Campos já fazia isso e ela continuou. Ela dizia (me chamava de 'meu bichim'), 'o que você decidir, está decidido'... Exagerava até na amizade e admiração. Tem uma coisa que fico até meio constrangido de dizer, mas, ela, no discurso de posse da Academia (Cearense de Letras), eu não estava aqui (estava em Paris, terminando meu doutorado), depois recebi o discurso, e ela terminava com uns versos meus (que sou também poeta bissexto). Ela tinha esses gestos extraordinários... Quando ela adoeceu, eu estava sempre telefonando para ela, perguntando como ela estava, dizendo que rezava por ela... Era uma pessoa maravilhosa. Meu consolo é que ela tenha deixado de sofrer. E outro consolo é que o nome dela vai ficar, definitivamente, com esse romance, A Casa'. (Sânzio de Azevedo, poeta, crítico literário, imortal pela Academia Cearense de Letras e professor da Universidade Federal do Ceará)

''Natércia Campos é mais do que se sabe. É preciso ler e reler o que ela escreveu, para conhecer a essência de sua obra. Não vale passar os olhos. Tampouco falar dos prêmios que ganhou. Urge ver o que está dito e o mistério tecido em tudo que escreveu. É preciso palmilhar as palavras e os seus significados em Iluminuras, Por Terras de Camões e Cervantes, A Noite das Fogueiras e A Casa. Não basta dizer que Natércia Campos era da Sociedade das Amigas do Livro, Academia Cearense de Letras e Academia Fortalezense. Caterina, Emmanuela, Rodrigo, Clarissa e Carol, a família e os amigos sabem o quanto Natércia foi grande e que o lamento nunca passou por suas palavras e mente''. (João Soares Neto, escritor e membro da Academia Fortalezense de Letras).

''Natércia era uma pessoa iluminada, uma figura humana muito difícil até da gente, no momento de emoção, falar. Mas tenho por ela um carinho muito grande porque a amizade dela me tornou muito melhor. Nosso relacionamento é de 12, 15 anos. Realmente, perdi uma irmã. Meu trabalho sempre foi técnico, na Secretaria, e ela costumava dizer que nós trocamos essa parte na vida (que Natércia não se entendia muito com as coisas técnicas, as obrigações propriamente)... No entanto, ela tinha um saber enorme e eu cresci muito com ela porque, no dia a dia, uma se completava com a outra, na amizade. Tivemos muitas conversas, longos papos, trocávamos confidências. Um momento específico... Foi quando ela casou a última filha dela, a Carolina, a caçula, e eu compartilhei esse momento de muita felicidade''. (Neide Cordeiro Lopes, amiga desde quando Natércia foi trabalhar na Secretaria da Cultura e Desporto do Estado).

''Foi uma grande perda para as letras do Ceará e do Brasil, mas ela deixa uma obra consagrada. Eu a admiro profundamente pelo caráter e pelo talento. A Natércia foi um dos grandes exemplos de docilidade literária no Ceará''. (Ruy Câmara, romancista).