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Mário Chamie





No mar, veremos


 


 

No mar, veremos. Nesse veremos (verbo ver e substantivo remos ) está todo o sentido do destemor e do desafio que o homem e o poeta Nei Duclós nos ensina. A perícia do título do livro é coisa de uma percepção exímia de quem tem o domínio da idéia e das imagens penetrantes que nos quer passar. A idéia fundamenta-se numa bela antítese. As imagens promovem a sedução persuasiva que a palavra poética exerce sobre nós, leitores. A antítese brilha no conflito quase alegórico que põe o mar de um lado e os pescadores do outro. O título (extraído do nome de uma embarcação: No mar-veremo e de um poema-chave do livro) vai nos revelando, à leitura de cada poema, que as altas ondas do mar da indignidade e da infâmia, em suas múltiplas formas, encontrarão sempre nos pescadores dos "pequenos rios" da decência, da liberdade e da beleza os seus perpétuos contendores. É como se, lançados no centro desse conflito, disséssemos para nós mesmos: - toda vez que os touros desse mar de chifres maléficos nos ameaçarem, veremos com que capas e espadas os dominaremos, em nome da humanidade do homem!

Bastaria essa esplêndida concepção artística para situar Nei Duclós entre os mais consistentes poetas brasileiros, dos anos 70 aos nossos dias. Uma concepção que, despontada no seu livro de estréia, Outubro (1976), firma-se em No meio da rua (1980), nutre-se por vinte anos de silêncio e maturação, e consagra-se com força autônoma neste livro de agora. Podemos dizer que o vigor dos novos poemas não assegura apenas ao seu autor o lugar que lhe é de direito, no panorama de nossa atual poesia, mas sobretudo dita a singularidade de seu compromisso com as exigências maiores e incorruptíveis do discurso poético. Ele próprio dá a senha do seu ofício: O poeta é o animal/ que cruza todas as fronteiras/ enquanto as pessoas conservam/ inúteis soldados/ que pedem documentos . E complementa: O poema como última trincheira/ como um aceno de luz, uma bandeira/ quebrada aos pés . Vale dizer: Nei Duclós não faz a rasura de ninguém e muito menos de si mesmo. Ao contrário, ergue sua voz, feita de paixões solidárias e raivas nobres, para dizer a que veio. Seu livro No mar, veremos testemunha isso, tanto em seu conjunto quanto na feição encantatória de suas peças isoladas.



Mário Chamie é poeta e jornalista.

 

 

 

 

14/10/2005