Jornal de Poesia
Olimpio C. Neves


Nasceu em Luanda 
a 16/05/1953, 
onde viveu até 1981. 
Reside actualmente em Lisboa 
olimpionevescro@mail.telepac.pt



BESSANGANA
 
 

"Para o meu amigo Luis N' Gambi. - Continuo esperando a música"
 
 

Panos negros, longos, lisos,
Torneando uma mulher.
O cheiro a maboque e manga,
Lembra-me um lugar qualquer...
 
 

O choro duma criança,
Nas costas de uma mulher,
O cheiro a maça da india,
Lembra-me um lugar qualquer...
 
 

O gemido de um pilão
Pela mão de uma mulher,
O cheiro a funge e quitaba
Lembra-me um lugar qualquer...
 
 

Lembra-me um lugar distante,
Onde a terra é encarnada.
Cor de bagos de café, 
Cor de fogo na queimada.
 
 

Tons de amarelo à mistura,
Um cheiro forte a dendém,
Um pregão de kitandeira,
Lembra esse lugar também.
 
 

Uma ilha com palmeiras
Batida a fortes calemas, canoas a balançar
Um bordão muito comprido,
Homem negro a ximbicar.
 
 

Estes cheiros e imagens, 
Lembram-me terra Angolana.
Panos negros, longos, lisos
São panos de Bessangana

                             Olimpio C. Neves - Lisboa, 18/1/97



 
 

"BENGUELA"
 

"obrigado por me teres dado a "Mena", a Irmã que nunca tive
 


Numa das longas conversas,
Que tive com minha Avó
Perguntei-lhe se conhecia Benguela.
A minha Avó respondeu-me:
Conhecer eu não conheço,
Mas já ouvi falar dela.
Perguntei-lhe, se conseguia,
Num mapa localizar.
Ou por seus olhos cansados
Ou porque o mapa era velho.
Precorreu-o de alto a baixo
Não conseguiu encontrar.
Para eu não ficar triste,
Pediu-me lápis de cor,
E em seu estilo Naiff,
Sobre uma folha branca,
Com o castanho fez vários riscos, 
Com o vemelho fez bolinhas
Chamou-lhe Acácias em flor.
Dum lado e de outro de um morro,
Desenhou duas baías.
Que mais pareciam contorno,
De dois seios de mulata.
Com o azul pintou o mar, 
Com o amarelo fez um sol,
A uma chamou-lhe Azul.
A outra chamou-lhe Farta.
Três praias mais desenhou,
A uma chamou Caota...
E Caotinha à mais pequena.
Mais ao lado, para mim, 
A mais bonita...
Chamou-lhe praia Morena
Com o mesmo azul da praia,
Fez um rio.
A preto pintou um barco...
Com o amarelo bananas,
De resto tudo era verde...
Chamou-lhe rio Cavaco.
 
 

Segurou naquele desenho,
Como não sabia ao certo,
Em que lugar no mapa,
Deveria colocar!
Disse-me escuta meu neto.
Quando para o sul viajares
E chegares a uma cidade
Com praias maravilhosas,
Com acácias floridas,
E muitas mulheres bonitas,
Nas ruas ou à janela.
Pára...
Porque ou já é, ou estás perto
Dessa Cidade tão linda,
A que chamam de Benguela.
 

                        Olimpio C. Neves - Lisboa - 2/01/96



 
 

"MEU VELHO"
 
 

"Para o meu Pai, Angolano falecido em dezembro de 1995"
 
 

Meu velho
Lembro-me de ti,
Rolam-me lágrimas.
 
 

Onde andarás "Meu Velho",
Caçador!
Pescador!
Mineiro!
Vivo com a certeza
Que junto de ti, guardas 
Meu lugar,
"Velho Companheiro".
 
 

"Velho Companheiro", 
De longas ausências.
Curtas estadias,
E muito falar.
Nossas longas conversas,
Me fizeram Homem.
E a saudade delas,
Me fazem chorar.
 
 

"Velho Companheiro", 
De mil aventuras,
Quantas experiências,
Vivemos os dois.
...coisas que me ensinaste,
Para nada serviam...
Mas bem me dizias.
Servirão depois.
Sempre me aconselhaste:
Na justa medida,
Vai gozando a vida...
Sem nunca esqueceres 
De praticar o bem.
Porque a gente só goza,
Na justa medida.
Se ajudarmos outros a gozar também
 
 

"Velho Companheiro".
Nas "Farras", nas nossas noitadas, 
Ensinaste-me tudo, para ser melhor.
Quantas histórias, da tua vida
Meu "Velho".
Como díria Sérgio Bittencourt "Naquela messa"
"Hoje na memória,
Eu guardo e sei de cor"
 
 

Numa das noitadas
Quando sobre a morte,
Eu te quis falar,
Tu só me disseste
Dos que já morreram,
E que conhecias... 
Nunca niguém veio 
Dela reclamar.
 
 

Lembro-me de ti,
Rolam-me lágrimas,
Onde andarás "Meu Velho",
Caçador!
Pescador!
Mineiro! 
Por quê ?
Deus te levou.
Tão cedo a vida...
Sinto a Tua falta,
"Velho Companheiro"
 

                        Olimpio C. Neves - Lisboa - 23/1/96



 

SENHORES DO MUNDO
 
 
 

Senhores do Dinheiro
Esqueçam, por dez segundos.
Os juros, os investimentos,.
Os mercados de acções e de títulos,
As obrigações... as participações 
Os fundos, e os rendimentos
 
 

Senhores do petróleo!
Esqueçam, por dez segundos.
A sísmica, as concessões,
As perfurações, o "Drill Stem Test"
As produções os barris 
As exportações.
 
 

Senhores da TV!
Esqueçam, por dez segundos.
As " Futebol Tricas"
As audiências a publicidade
As guerras dos mundos,
As guerrilhas políticas
 
 

Senhores do espaço!
Esqueçam, por dez segundos.
Os anéis de Saturno,
A relatividade, a velocidade,
O calor de Marte...
E se há outros Mundos.
Senhores da ciência!
Esqueçam, por dez segundos.
A clonagem, a genética,
A ordem no caos, 
A anti-matéria...
A geometria fractal e a física quântica,
 
 

Senhores da informática!
Esqueçam, por dez segundos.
O "Bug" do ano 2000, O "SW", o"HW", o ciberespaço,
E se, "Gates" com a TV interactiva, em relação 
À "Netscape", na internet.
Fez a "Microsoft" atrazar o passo.
 
 

Senhores do mundo!
Esqueçam, tudo por dez segundos.
Escutem o coração.
Ele quer fazer-vos uma pergunta simples.
E só pede dez segundos,
Escutem-no com atenção.
"Porque, que Pais, Mães
E Crianças como as vossas.
Pelo facto de terem nascido com outra tez...
Ou num ponto geográfico diferente.
Os senhores,
Não lhes dão direito a vez?

                                         Olimpio C. Neves - Lisboa - 25/12/97



 

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