Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Odylo Costa, filho


 

Soneto de N. Sa do Bom Parto


A adolescente era a palmeira esguia
de tranças. Mas no mel do seu cabelo
tal mistério morava que de vê-lo
a alma desesperada renascia.


Era a Beleza? A simples alegria?
Era a presença do sutil desvelo?
Era a graça, era o corpo, era a poesia?
Era a saudade do materno zelo?


Era a esperança, a fé, a caridade?
Impossível dizê-lo com certeza.
Mas nela havia tanta eternidade


que pôs Nossa Senhora do Bom Parto
nove bocas em torno à nossa mesa
e uma sombra perene em nosso quarto.


Publicado: Cantiga incompleta, 1971
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

Soneto de fidelidade


Não receies, amor, que nos divida
um dia a treva de outro mundo, pois
somos um só que não se faz em dois
nem pode a morte o que não pôde a vida.


A dor não foi em nós terra caída
que de repente afoga mas depois
cede à força das águas. Deus dispôs
que ela nos encharcasse indissolvida.


Molhamos nosso pão quotidiano
na vontade de Deus, aceita e clara,
que nos fazia para sempre num.


E de tal forma o próprio ser humano
mudou-se em nós que nada mais separa
o que era dois e hoje é apenas um.


Publicado: Cantiga incompleta, 1971
 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

Soneto da revisitação


Partamos juntos a rever o rio
onde primeiro o nosso amor nasceu
e acalentando o meu humor sombrio
entre os teus seios amadureceu.


Nasceu tão pleno quanto um sol de estio
mas sobre a dor e a morte ainda cresceu,
embora a prata tenha posto um fio
no teu cabelo, e muitos neste meu.


Vamos em busca de um repouso fundo
que nos envolva de uma leve areia
no banho antigo, em meio aos juçarais.


Que a viagem nos cure deste mundo,
cheia de vozes de teus filhos, cheia
desta alegria de te amar demais.


Publicado: Cantiga incompleta, 1971
 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

Ilhéu


Nasci numa ilha.
Era meu destino.
Numa ilha vivo
desde pequenino,
a estender os braços
pelo mundo todo
em busca de traços
que à terra me liguem.
Quero o continente!
Não me deixem só,
não me quero ausente.


Ninguém me compreende
esta busca ansiosa:
tenho o mar comigo,
quero ainda a rosa.
Joguem fora a âncora!
Pois o amor que achei,
meu anel de amigos
e a casa do rei
trazem sede e fome
de mais terra e céu.
Por Deus compreendam
quanto sou ilhéu!


Careço de afetos
em roda de mim.
Foi sorte ou desgraça,
numa ilha vim.


Tempo de enxurrada
nessa ilha nasci,
como a água que corre
sou daqui, dali.
Por Deus me acarinhem
que nasci na ilha,
num mês de enxurrada,
mês de água andarilha,
sobrados e terra
porém terra pouca,
lavado azulejo
sob uma água rouca.
Meu amor me abraça
porque sou ilhéu
ando só — na areia
entre águas e céu.


Publicado: Boca da noite, 1979
 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

Paz de amor


Calemos esta paz como um segredo
de amor feliz. Não seja este silêncio
ponto final em nosso terno enredo:
não nos encerre o amor, antes condense-o.


Olhemo-nos nos olhos face a face.
sem recuar surpresos como o amigo
que de repente no outro deparasse
apenas o lembrar do tempo antigo.


Não. Sempre em nós renascerão searas.
novas chuvas trarão nova colheita.
folhas novas, translúcidas e raras.


E brotará da tua mão direita
água súbita e casta do rochedo
um novo amor, que vença a morte e o medo.


Publicado: Boca da noite, 1979
 

 

 

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