Mais de 3.000 poetas e críticos de lusofonia!

 

 

 

 

 

Odylo Costa, filho


 

Soneto da tarde


Não digo que o sol pare, nem suplico
que teu cabelo não se faça branco.
Nos segredos serenos que fabrico
vive um pouco de mago e saltimbanco.


mas te desejo simples, natural,
e que o dia na tarde amadureça.
Venceste muita noite e temporal.
Confia em que outra vez ainda amanheça.


O teu reino da infância sempre aberto
guarda o campo e os brinquedos infinitos
nas cores puras, sob o céu coberto.


Nos cajueiros, os pássaros... Os gritos
infantis... Mas a ronda neles nasce
e embranquece o cabelo em tua face.


Publicado: Boca da noite, 1979
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

O amor calado


Ainda que o canto desça, de atropelo
como abelhas no enxame alucinante
em torno a um tronco, e me penetre pelo
ouvido, em sua música incessante,


juro a mim mesmo: nunca hei de escrevê-lo.
Hei de fechá-lo em mim como diamante
dentro da pedra feia. Hei de escondê-lo
na minha alma cansada e navegante.


E nunca mais proclamarei que te amo.
Antes o negarei como os namoros
secretos de menino encabulado.


Que se cale este verso em que te chamo.
Cessem para jamais risos e choros.
Meu amor mineral é tão calado!


Publicado: Boca da noite, 1979
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Odylo Costa, filho


 

A onça


Um dia... Eu lhes conto?
Não lhes conto nada...
Quis subir ao Céu
uma onça-pintada.
 


Estava morrendo
de arrependimento?
Ou queria apenas
ver o firmamento?
 


Todos os bichinhos
tinham medo dela.
Onça? Nem pintada,
nem preta ou amarela.
 


Vai Jesus menino,
deu-a a São Francisco.
Virou num gatinho
chamado Corisco.


Publicado: Os bichos no céu, 1972
 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

As aquarelas


Não penso azul, nem verde, nem vermelho,
nenhuma cor vejo isoladamente:
quero a vida total, como um espelho
a que não falte flor, folha ou semente.
 


A natureza, neste abril redondo,
esconde formas, seres, linhas, cores,
aqui e ali bizarramente pondo
manchas involuntárias, multicores.
 


Recuso-me a adotar bandeira ou marca.
Nada escolho. O mistério natural
me envolve inteiro. Em tuas aquarelas
 


tudo renasce — como quem da barca
do dilúvio, depois do temporal,
visse de novo a terra das janelas...


Publicado: Boca da noite, 1979
 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

Cantigas


Meu Deus, como é amarga esta paz,
paz de veias somadas, mas rompidas,
e em que o sangue se junta para chorar como outrora
se juntaram nossos corpos de marido e mulher.
 


Dai-nos, para consolo e esquecimento,
não alegrias quentes, exaltantes,
mas as ternuras do ressuscitar:
telhados velhos em cidades pobres,
cemitérios com poetas enterrados,
cadeiras de balanço em frente ao mar.
 


Livrai do incontido choro as nossas noites.
Meu Deus, livrai do incontido choro as nossas noites.
Dai-nos antes miúdas mãos, pés pequeninos
pisando flores no capim molhado,
nomes maternos na saudade densa,
cantigas, algumas cantigas.
 


Dai-nos cantigas descendo o rio
como canoas descendo o rio.
 


Cantigas de dor mansa, simples, humilde.
Tão mansa que não quer dizer nada.
Tão simples que não sabe dizer nada.
Tão humilde que nada ousa pedir a Deus.


Publicado: Cantiga incompleta, 1971.
 

 

 

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