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Odylo Costa, filho


 

São Roque e os cachorros
 


Caminhou São Roque
a pé, pelos morros
e várzeas da Terra,
juntando os cachorros
 


já velhos ou doentes,
sem osso e sem lar,
para oferecer-lhes
um grande jantar.
 


São Pedro zangou-se:
— "Isso não se faz!
Jantar de cachorro
no Céu? É demais!"
 


Jesus disse: — "Roque
é quem tem razão."
Pedro riu-se, e logo
deu-lhes vinho e pão.


Publicado: Os bichos no céu, 1972
 

 

 

Tiziano, Mulher ao espelho

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Herodias by Paul Delaroche (French, 1797 - 1856)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

Soneto do Pantanal

 

Este jardim me lembra outro jardim
Marly de Oliveira

 


Este jardim me lembra outro jardim,
esta janela outra janela obscura,
e nos mundos sem fim mundo sem fim,
e após o mergulhar da escada escura,
 


uma aurora de plantas e de garças,
porto de bois, cavalos e meninos,
ninhos pendentes de árvores esparsas,
nos grandes céus os astros pequeninos
 


e as aves em cardumes navegantes,
rios róseos nas asas inaudíveis,
gritos, cantos cruzados pelo espaço,
 


mundo de ervas e de águas, onde dantes
os homens eram duros, mas sensíveis,
e a vereda no campo era seu traço.


Publicado: Notícias de amor, 1977
 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

Os objetos
 


No fechado silêncio dos objetos
mais simples mora um toque de magia.
De um só tijolo nasce a casa: afetos,
barro, sol, água, mesa, moradia,
 


e a presença tenaz das mãos humanas,
afeiçoando o mistério da existência
e dando às coisas mais quotidianas
senso de vida — e de sobrevivência.
 


Chardin, quando há dois séculos viveu,
uma arraia pintou, disforme, aberta
em sangue e dentes, agressiva e forte.
 


Veio o tempo e com ele emudeceu
muita glória que a moda julgou certa.
Aquela arraia sobrevive à morte.


Publicado: Boca da noite, 1979
 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

O oratório de Djanira
 


(...)
 


2. Ofertório
 


Djanira apresenta seus santos.
Vestidos de ouro e luar sobre o traço aberto da madeira,
o mesmo lenho em que Nosso Senhor Jesus Cristo foi crucificado.
São cinco homens e quatro mulheres, pois
a Mãe de Deus aparece sob duas imagens:
a da Imaculada Conceição, que foi como ela nasceu,
e a de Nossa Senhora do Bom Parto, que zela pelas outras nascenças.
Aqui encontrarás, se tiveres nos olhos o coração,
os caminhos da santidade pelos desertos da solidão.
Bento, que lia, e Pedro, que chorava,
com o galo que cantou três vezes, o sudário que enxugava as lágrimas,
e o bastão que governa a Igreja;
Antônio, que trouxe nos braços o Menino;
Matias, o primeiro a ser escolhido pelo povo de Deus e o primeiro a
[sofrer o martírio,
e São José de Botas — as mesmas botas que calçou quando buscou
[refúgio no deserto e nas árvores do Egito.
Entre as mulheres estão Teresa, que sofreu no amor divino
as angústias e o gozo do amor físico,
Rita, que tem a chave dos impossíveis e se dói dos limites da nossa
[condição,
e Sant'Ana, que sempre ensina no livro à filha predestinada para o
[sopro de Deus e a resignação com as Sete Dores.
Piedoso ou carregado de culpas, ajoelha-te ao lado de Djanira e reza
[com ela,
para que todos os barcos cheguem a bom porto,
as crianças brinquem de roda na noite leve,
as casas descansen tranquilas na paisagem,
mar azul, chão de ervas mui verde, olhos d'água, caminhos no morro,
e todas as almas vejam a nudez de Deus no paraíso,
não o Deus que mede, na luz impalpável, etérea,
sem contorno, sem forma e sem limite,
mas o pobre Deus que acabou de nascer Homem,
deitado nas palhas do velho presepe.


Publicado: Cantiga incompleta, 1971
 

 

 

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Odylo Costa, filho


 

Soneto 23

 

Miguel Hernandez

 


Como o touro nasci mas para o luto
e a dor, e como o touro estou marcado
por um ferro infernal no meu costado,
por varão na virilha com um fruto.
 


Como o touro parece diminuto
tudo a meu coração desmesurado
e do beijo em teu rosto enamorado
como o touro de amor sonho e disputo.
 


Como o touro só cresço no castigo,
a língua no meu sangue anda banhada,
trago ao pescoço um vendaval sonoro.
 


Como o touro te sigo e te persigo,
e deixas meu desejo numa espada
como o touro enganado, como o touro.


Publicado: Cantiga incompleta, 1971
Nota: Tradução de poema de Miguel Hernandez
 

 

 

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