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Oton Lustosa*


 

MARCAS DO DESTINO: um romance
do ciclo da maniçoba no Piauí


 

A Ordem dos Advogados do Brasil, que não vive apenas de petições, contestações, réplicas, tréplicas, apelos e perorações, mas defende, também, a Arte e a Cultura, por sua seccional piauiense, sob os auspícios de importante Jornada Jurídica, abre espaço, nesta noite, para o lançamento de um romance. Vale dizer: a intrépida instituição, defensora intransigente da Lei, do Direito, da Justiça e da Democracia, despe-se da beca, põe de lado, por um instante, os temas científicos, e vem ouvir a voz da Arte Ficcional. O fato não é inusitado. Afinal, em grandes momentos da vida profissional do advogado, atribulada por natureza, é preferível manusear romances a códigos; porque o advogado, incansável buscador da Verdade, nem sempre, a encontra na frieza da página científica, e por isso recorre ao calor das paixões humanas, bela e artisticamente expostas nas páginas, nos enredos e nos epílogos dos romances. Daí porque não é de todo importante aterem-se os advogados apenas aos conflitos jurídicos, recorrendo somente a leis, códigos, tratados, jurisprudências, na vã tentativa de encontrar soluções mágicas e juridicamente possíveis a um só tempo. Melhor é tentar, antes de tudo, compreender a vida. Pois é dos conflitos da vida que desabrocham os conflitos das normas jurídicas. E o que faz a Arte? — Imita a Vida! — já o disse o grande filósofo Aristóteles! Compreender a vida, com o auxílio da Arte, é ter maior chance de progredir na Ciência, e alcançar, por conseguinte, as soluções tão esperadas para os graves problemas da Humanidade.

Aplaudimos, nesta noite, o lançamento de mais um livro do consagrado escritor piauiense WILLIAM PALHA DIAS. Mais um romance do Ciclo da Maniçoba. A história se passa nos sertões de Caracol, no Piauí, onde essa euforbiácea, grande produtora de látex, foi largamente explorada, desde os primórdios do século passado, abrindo caminho na economia piauiense até meados dos anos setenta. Não obstante tenha uma coloração local ou regional, o Ciclo da Maniçoba no Piauí, muito bem trabalhado na prosa de William Palha Dias, na verdade, universaliza-se, na medida em que mexe com as ambições humanas. Uma dessas ambições, tema grandioso e universal, tão ao agrado dos renomados mestres artistas da palavra, é a Aventura; que busca o ouro, a prosperidade, o enriquecimento, a realização material, a fama, o poder. A proeza literária de William Palha Dias, desde a publicação de Vila de Jurema, Alcorão Rubro, Papo-Amarelo, tem sido criar enredos ambientados na caatinga áspera, agressiva, onde ele — o escritor —, via de regra, instala garimpos de maniçobeiros, com seus barracões de fornecimentos, e para eles, desenrolando histórias lineares de agradável leitura, atrai toda sorte de aventureiros, procedentes de outros rincões nordestinos.

No ano de 2000, quando eu ainda residia na cidade de Parnaíba, mas já com livro literário publicado e acolhido pela crítica, achou por bem o amigo William Palha Dias, conceder-me a honra de prefaciar o seu romance: Papo-Amarelo – drástica solução. Adiantou-me que o título era uma homenagem ao velho rifle Winchester, calibre 44. Embora sendo eu lá das plagas de Parnaguá, onde, por volta dos anos 20 do século passado, se dera uma luta fratricida entre Lustosas, Nogueiras, Cavalcantes e Granjas, confesso, não tive convivência estreita com essa mortífera carabina de repetição. Isto quer dizer: não tive um avô coronel! Uma coisa eu já sabia, da boca dos mais velhos e das pesquisas que empreendi: popularizou-se referida arma como instrumento de ataque e de defesa, nas escaramuças entre jagunços, maniçobeiros e fazendeiros, no vasto sertão piauiense, desde os primeiros anos do século passado até a chegada da televisão com o mostruário dos AR-15 e dos AK-47.

Fiz o prefácio, e nele a homenagem ao Velho Rifle e ao romancista do Ciclo da Maniçoba no Piauí, o grande escritor William Palha Dias. A certa altura do texto, lê-se a seguinte passagem: “WILLIAM PALHA DIAS, o consagrado escritor piauiense que mais entende das pugnas e refregas dos sertões mafrensinos, aqui, com esta admirável obra, evoca a lendária figura do rifle papo-amarelo. No passado, não tão distante, como que fora instrumento de trabalho de uma significativa parte do povo. Ser jagunço era ter uma profissão! Ser matador, cabecilha, chefe-de-turma... Imprimir pavor ao povo com o rifle papo-amarelo, a cartucheira e o punhal era como que ostentar a fama e a glória. Ser valente, não temer a morte brutal, sangrenta e louca, era tudo o que um caboclo desejava para sair da humilhante condição de cabra e subir ao posto de capitão.”

Agora, nesta noite memorável, o amigo me confia, mais uma vez, a apresentação do seu mais novo romance, que traz o título de Marcas do Destino. Ficção regionalista, que tem como cenário os sertões do município piauiense de Caracol, terra-berço do autor. A trama romanesca se dá a partir do entrechoque de aventureiros/maniçobeiros e a família do protagonista da história, brotando daí desonra, luta, sangue, morte e as indeléveis marcas do destino de Adriano; o filho órfão, que escapa da morte, se faz homem, corre o mundo, vence na vida e volta às origens, para, novamente, lutar e enfrentar a morte... E, mais uma vez, salvar-se e, finalmente, viver humilde e quieto no seu canto.

Viram vocês aí o que me sucedeu. Ao prefaciar Papo-Amarelo, no ano de 2000, imaginava eu que o mestre William, já com 82 anos de idade, àquela época, iria parar por ali, com a edição daquele romance encorpado, de 192 páginas. Pois bem: venho de Parnaíba, sou acolhido na Academia Piauiense de Letras, onde me assento, ao seu lado, na cadeira 5, e o que vejo: publica ele, então autor de onze, mais dois livros, para fechar os treze. Um, sobre a história do município de São Raimundo Nonato; o outro, este romance que ora apresento.

O curioso, nos dias de hoje, é que o autor de Marcas do Destino, de Vila de Jurema, de Mulher Dama Sinhá Madama e de vários outros livros admiráveis, não usa computador, não navega na Internet, não passeia pelos sites, não recebe nem manda e-mails, não aluga home-pages na grande rede e nem curte a literatura eletrônica dos e-Books... Mas, ele, William Palha Dias, advogado, magistrado aposentado, advogado novamente... Antes de tudo, sertanejo euclidiano que se fez doutor, entende da Vida e entende da Arte! Tem caneta e tem papel e não tem preguiça física nem mental. E é por isso que reiventa o mundo, redescobre as verdades poéticas da vida nas páginas que grava para a posteridade. Escreve, publica, e nos proporciona estes prazeres do exemplo e da festa, em mais uma noitada de discursos, suspiros e autógrafos. Ele, o escritor, agora, como nunca, um moço lépido, sadio do corpo e da alma, ao lado de d. Gracy, sua amada esposa, dos filhos, noras e genros e netos. Entre amigos, no meio da rodada, conta a boa piada espirituosa e picante... E alegre e feliz da vida, deita gargalhadas estrepitosas do alto dos seus 85 anos bem-vividos.

 

*Membro da Academia Piauiense de Letras. Romancista. Juiz de Direito, titular da 2a. Vara de Família e Sucessões de Teresina. Discurso proferido na solenidade de lançamento do livro Marcas do Destino, de William Palha Dias, em 08.5.03.
 

 

 

 

 

 

24.04.2006